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Após testemunhar tiroteio em escola e agressões em casa, jovem escreve projeto de lei que combate violência

Nasci em São João de Meriti, na região metropolitana do Rio de Janeiro, e fui criada na Pavuna, que é um bairro na cidade do Rio, com os meus irmãos, minha mãe e meu pai. Mas chegou um ponto em que a violência doméstica que a gente sofria ficou insustentável, então fomos morar com o meu irmão mais velho.

Estudei a vida toda em escolas da rede pública do Rio e, quando entrei no curso de Gerência em Saúde, na Escola Politécnica da Fiocruz, foi um choque de realidade muito grande. Era muito doido estar numa escola que tinha porta, papel higiênico, sabonete e comida boa, até para os vegetarianos.

A Fiocruz fica em Manguinhos e tem muitas favelas ao redor. O meu primeiro ano do ensino médio foi muito conturbado porque tinha muita operação policial nas redondezas. Perdi muita aula por causa disso — às vezes a gente tinha de se jogar no chão, ou ser evacuado para uma estação de trem que não era a nossa para não tomar um tiro, e isso afetou as minhas notas.

Olhei para aquele problema, li alguns livros sobre como a violência impacta adolescentes, e mandei um e-mail para a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) pedindo ajuda. 

Recebi orientações de outras pessoas também. Comecei a escrever um projeto de lei que fala de prevenção de violência urbana nas escolas e me tornei Parlamentar Jovem Brasileira.

Entendi que eu era uma cidadã global e que eu não precisava ficar limitada ao meu município para fazer a diferença.

‘No meio do tiroteio, minhas notas caíram’

Para conseguir passar nas provas da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Vitória Rodrigues, hoje com 18 anos, fez um curso pré-técnico gratuito em uma igreja no Leblon. ‘Era muito longe de casa, mas não tinha mensalidade e o dinheiro que tínhamos dava para a passagem de trem’, conta.

‘Quando decidi estudar lá, pensei em fazer algo que ajudaria e ajudaria outras pessoas, porque sempre fui dependente do SUS. Tenho asma e estou sempre em uma unidade de saúde.’

A jovem relata que os quatro anos de ensino médio foram desafiadores. ‘Foi um período difícil porque é uma escola integral e puxa muito do seu tempo. Mas foi importante para eu me entender como pessoa da periferia que pode desenvolver um pensamento crítico’, diz a estudante, que no quarto ano estagiou no Instituto Fernandes Figueira e fez uma monografia sobre necropolítica, milícias e capitalismo.

Quando ficou de recuperação pela primeira vez, diz, sentiu um choque. ‘Eu tinha parado de tirar notas 10 porque estava afetada psicologicamente por causa da violência.’ 

Por incentivo do amigo Tiago Lopes Marques, com quem mais tarde fundaria o Ini.se.ativa, desenvolveu um projeto que instituiu o Programa de Redução dos Impactos da Violência Urbana nas Escolas, e foi aceita entre os 78 selecionados para o Parlamento Jovem Brasileiro, um programa da Câmara dos Deputados do Brasil, que procura estimular estudantes a se engajarem na política. Apesar do grande atrativo ser uma simulação das atividades da Câmara, Vitória não foi para Brasília por causa da pandemia — o programa foi online e durou seis meses.

No parlamento vi a complexidade do que é aprovar um projeto de lei. Meu sonho é entrar para a política institucional, então já sei mais ou menos com que tipo de coisa vou ter de lidar”, Vitória Rodrigues.

Uma puxa a outra

A vontade de mudar o mundo levou Vitória a liderar, também durante o ensino médio, o clube Girl Up Nise da Silveira. Trata-se de uma iniciativa da Fundação ONU criada em 2019 com o objetivo de lutar contra as injustiças que atingem mulheres e meninas da periferia da região metropolitana do Rio de Janeiro, promovendo debates sobre igualdade de gênero, educação sexual e empoderamento feminino.

‘Participei do clube durante dois anos. Eram 30 pessoas divididas em quatro times: advocacy [defesa e argumentação em favor de uma causa], relações públicas, comunicação e recursos humanos. A gente se organizava e tinham meninos também, porque a gente só atinge a igualdade de gênero quando inclui os meninos na conversa.’

Além de atividades como clube do livro, o grupo também elaborava projetos de lei. Um deles, sobre pobreza menstrual na cidade de Cataguazes (MG), chegou a ser aprovado.

“No clube arrecadávamos dinheiro por meio de editais para distribuir absorventes e fazer oficinas sobre ciclo menstrual para meninas de escolas públicas e de um orfanato”, Vitória Rodrigues.

‘Agenda climática é elitista’

Vitória também foi integrante do Engajamundo, uma organização não governamental sem fins lucrativos criada por um grupo de jovens com o objetivo de tornar mais efetiva e inclusiva a participação da juventude brasileira em negociações internacionais. A estudante foi Jovem Embaixadora da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil e, por meio da ONG, criou em 2020 um programa de seis meses chamado Brota no Clima, que recebeu um aporte de R$ 30 mil.

‘Quando a gente fala em mudança climática logo pensa no derretimento das calotas polares e que o problema está muito distante, mas não é nada disso’, afirma.

O grupo elaborou uma imersão para 30 jovens das periferias da região metropolitana do Rio de Janeiro com aulas duas vezes por semana com diversos profissionais.

‘Falamos de periferia e mudança climática, transporte, alimentação, racismo ambiental. Ao final, os jovens fizeram um podcast, um documentário, uma conta no Instagram e um jornal’, conta.

“Mudanças climáticas têm tudo a ver com o lugar onde eu moro, mas as pessoas do lugar em que eu moro não sabem disso. Acho importante falar sobre o assunto com qualquer pessoa que eu encontro na rua”, Vitória Rodrigues.

Papel, caneta, música e memes

Na Ini.se.ativa, Vitória e um amigo, Tiago Lopes Marques, ensinaram como iniciar um projeto usando apenas papel, caneta e qualquer tipo de música ou memes.

O Ini.se.ativa visa ensinar adolescentes a fundarem projetos sociais e a se envolverem com o terceiro setor. Com ele, Vitória já impactou mais de 700 pessoas no Brasil todo, sem recursos financeiros, e com a ajuda de um time de nove pessoas em cinco estados: Acre, Paraíba, Pernambuco, São Paulo e Rio.

‘Temos uma rede de participantes para quem enviamos oportunidades e ainda um boletim informativo para quem quiser se inscrever gratuitamente com indicações de cursos, estágios e empregos no terceiro setor.’

Lucas Seixas/ UOL
Tenho a meta de me tornar uma pessoa conhecida na Baixada Fluminense que possa falar sobre direito à cidade para qualquer um entender. Vitória Rodrigues, estudante -Foto: Lucas Seixas/ UOL

‘Inspiração’

Morador de Marechal Floriano, no interior do Espírito Santo, Rickelmy Teófilo Rodrigues, o Ricky, tem 18 anos e é ‘cria da Braba’, como são chamados os participantes do curso Lançando a Braba promovido pelo Ini.se.ativa. Em 2022, ele havia voltado de um intercâmbio nos Estados Unidos e decidiu buscar conhecimentos para dar continuidade a um projeto iniciado por lá.

‘Eu tinha muita vontade de falar de política para jovens, então criei o Let’s Talk como um evento do E-Scola Digital, um projeto social com o qual trabalho até hoje. Estava em dúvida de como ia colocá-lo em prática, mas segui toda a didática do curso da Vitória e consegui tirá-lo do papel’, conta Ricky.

Ele conseguiu arrecadar quase R$ 2.000 para a elaboração do seu projeto e montou um programa em formato digital com duração de 30 dias.

‘A ideia é incentivar o debate de assuntos considerados tabus entre os jovens, como polarização política e comunicação não violenta. A Vitória me ajudou com muitas coisas depois que virei um ex-aluno e segue sendo uma inspiração para mim em muitas áreas, principalmente a de projetos e de educação.’

Fonte: Ecoa/UOL

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