Aumento do emprego formal tornou eleitor mais exigente, diz pesquisador
Um dos maiores especialistas na “nova classe média” brasileira, o sócio do Data Popular, Renato Meirelles, tem de cabeça números que interessam a todos os candidatos e diz que tem conversado com todos eles. Nem por isso arrisca um palpite para as próximas eleições.
Meirelles traça o novo perfil do eleitor. São 32% de eleitores até 30 anos. Desses, 71% estudaram mais – e estão mais conectados – do que os pais. Na classe C, contribuem mais para a renda familiar do que na classe A, o que faz com que os jovens da classe C, que são 55% dos jovens do país e têm peso eleitoral equivalente ao de toda a região Sul, sejam os formadores de opinião da nova classe média.
O desafio está na rejeição à classe política e na dificuldade de endereçar o que considera o tripé eleitoral: o discurso da economia do cotidiano; de gênero, voltado para as mulheres; e, principalmente, da meritocracia. “Metade do eleitorado não viveu a inflação alta. Só um terço tem condições de comparar o legado dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso”, resume o analista, que lança “Um país chamado favela”, escrito em parceria com Celso Athayde, o criador da Central Única das Favelas.
No livro, ele atualiza a pesquisa com 2 mil pessoas, em 63 favelas de 35 municípios que foi apresentada no lançamento do Data Favela, um instituto que faz pesquisas dentro das comunidades, em novembro passado. “Levamos a favela para dentro do Copacabana Palace e agora vamos levar para dentro do Shopping Leblon, no Rio, e do JK, em São Paulo”, completa, logo depois de atender uma ligação para autorizar a locação do ônibus que fará o transporte de seus convidados no lançamento.
Em entrevista ao Valor, Meirelles conta que algumas coisas mudaram de novembro para cá: o emprego formal passou de 51% para 53%, mas a dificuldade de pagar as contas também: saiu de 63% para 69%. E a expectativa de consumo foi de R$ 63 bilhões para R$ 64,5 bilhões. Para ele, a pauta econômica está muito clara nessa eleição. “Trazer a discussão econômica para a vida real é o grande desafio desse processo eleitoral. Mas em geral os porta-vozes das campanhas para a questão econômica são economistas que não entendem nada de gente”, completa, citando detalhes que passam desapercebidos como o fato de um terço das pessoas que têm planos de saúde relatarem que recorreram ao SUS nos últimos 60 dias.
Valor: Fala-se que o brasileiro está de mau humor. Como anda o humor nas favelas?
Renato Meirelles: O índice de felicidade não mudou. Pelo contrário. Era 94% (em 2013) e, hoje, é 95%. Tá dentro da margem de erro. O que a gente viu é que quando você pega a expectativa quanto ao futuro do país versus a expectativa quanto ao futuro pessoal, se distanciou. É como se as pessoas achassem que da porta para dentro da casa as coisas fossem andar bem e da porta para fora não fossem andar tão bem. Em especial porque fora de casa tem a ver com os políticos e, se tem uma classe desacreditada na favela, é a dos políticos.
Valor: Por quê?
Meirelles: A favela cresceu junto com a economia e esse cara passou a pagar imposto na fonte. Ele não tem noção de imposto indireto. Então, ele não sabia o que era pagar imposto. Agora sabe. Com isso, passa a cobrar mais dos serviços públicos. Deixa de entender serviço público como um favor do governo e passa a entender como uma contrapartida pelo que ele paga. Isso é ótimo. Ele não quer mais cesta básica. Quer plano nacional de banda larga. Não quer dentadura. Quer ProUni. Eles começam a enxergar sua força e isso se acirrou, comparado ao ano passado. [Segundo o IBGE, desde 2004 o emprego formal cresceu 55,2% no Brasil, e 61,2% nas favelas]
Valor: E quais as principais demandas?
Meirelles: Tem uma demanda muito grande por creche para as mulheres e por posto de saúde com atendimento 24 horas. Segurança é transversal. Eles queriam e continuam querendo, mas a questão não é ocupar as favelas, é como os serviços públicos efetivamente estarão presentes na favela.
Valor: É isso que vai motivar o voto?
Meirelles: A saúde aparece como a grande fonte de insatisfação, mas não é isso que motiva o voto. Quando a pergunta é o que o Brasil tem que resolver, aparece educação. Porque educação tem a ver com perspectiva de futuro. Essa é uma eleição de futuro e não de passado. O eleitor não quer saber o que o trouxe até aqui. Eles querem saber o que vai levar o Brasil adiante.
Valor: E o que precisa entrar no debate?
Meirelles: A primeira discussão é a do cotidiano, da economia do dia a dia das pessoas. A outra questão é entender que esse brasileiro cresceu basicamente pela ida da mulher para o mercado de trabalho. E ela não tem creche. Ela foi para o mercado de trabalho, mas o homem não foi para cozinha e a desigualdade de gênero se acentuou porque o dia continuou só com 24 horas. Então, creche, transporte público, horário flexível no trabalho, tudo o que demanda tempo fala para essa mulher que é a maioria absoluta do eleitorado brasileiro. E você tem pouco discurso de gênero no cenário eleitoral.
Valor: A oposição consegue fazer esse discurso?
Meirelles : A oposição se apresenta para o eleitorado como a outra face da moeda e o problema está na moeda. A moeda é a classe política, o distanciamento de políticos que não conseguem conversar com esse novo brasileiro. É como se os novos consumidores fossem digitais e os políticos, analógicos. Político está acostumado a falar. Não está acostumado a ouvir. O eleitor quer participar.
Valor: Por isso temos um percentual tão alto de votos em branco e nulos?
Meirelles: O voto nulo hoje é o grande concorrente das candidaturas de oposição. O perfil sócio demográfico do voto nulo é mais próximo ao perfil do Eduardo [Campos] e da Marina [Silva, candidatos a presidente e vice pelo PSB]. Basicamente, são mais escolarizados, com renda maior e maior concentração no Sudeste. O perfil do indeciso é mais próximo da Dilma: mais velhos, menos escolarizados, da classe D e E, e uma concentração maior no Norte e Nordeste. A oposição só vai conquistar o voto nulo; não basta fazer a crítica ao PT, à situação, precisa apontar alternativa de futuro.
Valor: Nessa eleição, todo mundo fala em mudar, até a situação…
Meirelles: Porque as estratégias publicitárias mostram que o eleitor quer mudança independentemente da eleição. Aí tem outra coisa interessante. Quando o Datafolha pergunta quem pode mudar o Brasil, aparece o Lula. Porque a oposição não tem conseguido se firmar como alternativa de projeto de país, com vínculo na vida das pessoas e não simplesmente conquistar o cargo. Esse é o desafio que Aécio [Neves, candidato do PSDB] vão ter nesse processo.
Valor: Você disse que o eleitor reclama do político que só entra na favela em época de eleição. Esse político vai ter dificuldade em 2014?
Meirelles: Sem dúvida nenhuma. A gente vê que o descontentamento com os serviços públicos é maior na favela que no resto do Brasil e, portanto, isso tem levado a um número grande de pessoas que falam que votam nulo ou que ainda não decidiram, não entraram no jogo. É como se a favela não quisesse ser vista como massa de manobra eleitoral. Isso é bom para a democracia.
Valor: Está faltando político que consiga capitalizar esse descontentamento?
Meirelles: Está faltando político que consiga falar de uma forma que a favela, que o morador da periferia de uma forma geral, entenda.
Valor: Qual o incômodo com a UPP nas comunidades?
Meirelles: Do ponto de vista econômico, a UPP inflaciona os preços da favela e parte do emprego, que era do tráfico, diminui. Mas, qualitativamente falando, talvez sejam os dados mais relevantes. Eles acham que o Estado chegou só com a polícia. E aí não entendeu a cultura, os valores, o jeito de pensar da favela. Mas eles sabem que a chance de um filho crescer e virar traficante com a UPP é muito menor. Sabem que poder andar na rua também mudou com as UPPs. Então, não se trata de acabar com as UPPs, mas de humanizar.
Valor: O que é a felicidade hoje na favela?
Meirelles: Tem a ver primeiro com o sentimento de comunidade, de se sentir parte. Por isso que tem tanta camisa por aí onde se lê: 100% favela. É como se lá eu me sentisse em casa, tanto que dois terços dos moradores afirmam que não sairiam de lá nem que a renda dobrasse, o que é fantástico.
Valor: O lazer é importante?
Meirelles: É, e isso é interessante porque impacta na avaliação das UPPs. Boa parte do lazer nas comunidades era financiado pelo tráfico de droga. Você não encontrou nas favelas ocupadas por UPPs nenhuma matriz econômica que financie a festa de rua. Diminuiu o número de bailes gratuitos. Teve uma dificuldade maior em relação ao entretenimento e isso também aumenta o mau humor principalmente dos mais jovens.
Valor: Se o mercado das favelas é tão grande, por que as empresas não ocupam esse espaço?
Meirelles : As empresas discutem isso, mas não sabem como chegar. Ela não sabe como comprar um terreno, por exemplo. Sem contar que têm, efetivamente, preconceito, medo de tomar tiro, do cara não pagar. Tem também uma visão estereotipada de que a favela não tem dinheiro, que são só pessoas muito pobres, que a favela vai contaminar a marca.
Fonte: Valor Econômico