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CLT chega aos 80 anos sob mitos e ataques de plataformas digitais

A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) chega aos 80 anos envolta em uma névoa de mitos e desafios. Dentre os mitos, o mais persistente é o de que o código trabalhista brasileiro — assinado em 1943 pela pena de Getúlio Vargas — teria se mantido intocado ao longo de oito décadas, atravancando o nosso desenvolvimento.

Afinal, quem nunca leu ou ouviu a máxima de que “o mundo do trabalho se modernizou, mas continuamos reféns de uma legislação engessada dos anos 1940”?

Curiosamente, raciocínio semelhante não se aplica à Constituição dos Estados Unidos. Considerada por muitos admiradores da maior potência mundial um símbolo da estabilidade da democracia norteamericana, ela se mantém firme e forte desde 1787.

Mas voltemos à nossa CLT.

Ao longo de sua história, ela evidentemente passou por diversas transformações. Muito antes da mais significativa delas, a Reforma Trabalhista de 2017, a CLT já vinha sendo mexida e remexida, na direção da sempre demandada “flexibilização”.

A criação do banco de horas em 1998 e a previsão das jornadas de 12 horas de trabalho seguidas de 36 de descanso, disciplinada por uma súmula de onze anos atrás do Tribunal Superior do Trabalho, são dois ótimos exemplos.

É nesse ponto que os mitos se embolam com os desafios.

O aniversário de 80 anos da CLT se dá em um momento crítico em que, em nome de uma flexibilização que nunca é suficiente, a digitalização da economia avança contra um dos principais pilares do direito trabalhista: a proteção da jornada.

Isso se materializa na proposta das chamadas “empresas de tecnologia” de radicalizar na defesa do pagamento por produtividade, esvaziando o princípio da remuneração por tempo à disposição. Ou seja, paga-se por aquilo que é efetivamente produzido, e não por todo o período necessário à realização do trabalho.

Em geral, esse sistema vem acompanhado de uma promessa de liberdade e de autonomia: defina seus próprios horários e trabalhe da forma como bem entender.

Certamente, os quase dois milhões de motoristas e entregadores por aplicativo em todo o país são os exemplos mais didáticos desse sistema de trabalho.

Mas existem alguns fios soltos nesse raciocínio.

Primeiro, há um paradoxo entre flexibilidade e intensificação. Na prática, a suposta liberdade de trabalhar quando quiser é atropelada pela real necessidade de trabalhar o tempo todo. Sem quaisquer garantias.

Em segundo lugar, há uma confusão deliberada de conceitos: a tal flexibilidade, proporcionada pela tecnologia, não é incompatível com a formalização do trabalho, como algumas plataformas querem fazer crer.

É só pensar nas empresas que já facultam a seus funcionários devidamente registrados o regime híbrido, combinando jornadas presenciais com períodos de home office. Estamos falando do mesmíssimo assunto: flexibilidade da tecnologia com garantia de carteira assinada.

E ainda que não se remunere uma jornada de trabalho completa, permitindo que os trabalhadores continuem recebendo apenas por tarefas cumpridas, será que isso realmente bate de frente com o princípio da formalização?

Num contexto em que a atual legislação já permite pagamentos proporcionais de direitos, como férias e 13º salário, seria realmente difícil pedir que algoritmos cada vez mais sofisticados fizessem esses cálculos?

Todo mundo deseja liberdade e flexibilidade no trabalho. Mas a maioria também preza por estabilidade, previsibilidade e garantias em caso de doenças ou acidentes, por exemplo.

Conciliar essas duas aspirações só será possível por meio de uma legislação que não seja enfraquecida em sua missão básica: proteger os trabalhadores.

Fonte: Coluna Carlos Juliano Barros/UOL

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