Com desemprego em alta brasileiros deixam formação de lado para trabalhar
Entre o emprego e o diploma
Diante de um mercado de trabalho com poucas oportunidades, a solução para muitos brasileiros tem sido aderir o trabalho por conta própria ou trabalhar de carteira assinada em uma área diferente da própria formação.
Um levantamento da consultoria Idados, com base na Pnad Contínua do IBGE, mostra que o número de pessoas empregadas no setor privado no segundo semestre deste ano diminuiu quase 4,5 milhões quando comparado ao mesmo período de 2019.
São 87,7 milhões de empregados no segundo trimestre deste ano. Levando em conta somente o setor privado, são 44,6 milhões de empregados. Já os desempregados somam 13,7 milhões.
Em um mercado com possibilidades reduzidas, há quem deixou o diploma ou certificado nível técnico de lado para garantir um emprego com carteira assinada, como o Lucas da Costa Vieira, 25, que é técnico em mecânica industrial, formado pelo Senai (Serviço Nacional de Aprendizado Industrial).
Desempregado desde março do ano passado, somente neste mês ele conseguiu ser admitido em uma fábrica de molas – fora da sua área de atuação. Com o salário 50% menor, Lucas faz planos para voltar a trabalhar na profissão que escolheu.
“Fui demitido no início da pandemia e desde então não consegui mais voltar para minha área. Fiquei mais de um ano fazendo trabalhos particulares, agora voltei para a CLT, mas em um ramo diferente. Considero isso uma pausa, minha perspectiva é voltar para minha área que costuma ter um bom retorno financeiro”, avaliou.
Lucas trabalhava na parte de manutenção de equipamentos usados por indústrias. Agora, ele atua na confecção e acabamentos de molas para fins industriais.
Por conta da demissão, o mecânico industrial também precisou trancar o curso de Engenharia que havia acabado de começar, em uma faculdade particular no Rio de Janeiro, para evitar despesas.
Momento é de incertezas
Segundo Helenice Accioly, gerente de seleção do Nube (empresa de colocação de jovens no mercado de trabalho), apesar do leve recuo na taxa de desemprego (13,2%), a expectativa pelas contratações permanece incerta e atinge sobretudo os jovens.
“O que a gente consegue ver é que realmente as empresas estão mais apreensivas, mais cuidadosas, se antes da crise as empresas estavam mais seguras e enérgicas em relação ao crescimento, agora elas estão mais cuidadosas. Vimos que isso melhorou um pouco, as contratações vêm aumentando, mas a gente sente ainda uma certa insegurança. Apesar da vacinação, há uma insegurança também diante das notícias recentes do exterior, vimos países retornarem ao lockdown e isso gera incertezas.”
Profissional retorna à função antiga
Quem também deixou o diploma de lado foi a atual analista de logística, Michelly Alves Ribeiro, de 26 anos. Ela se formou em 2019 em estética e cosmética na Unip (Universidade Paulista) e chegou a atuar na área de procedimentos faciais e massagens corporais por seis meses em uma clínica em São Paulo.
Em novembro do mesmo ano, dois meses após ter o contrato de trabalho rescindido, Michelly não pensou duas vezes e resolveu voltar a trabalhar na antiga área de atuação: no departamento de logística de uma multinacional. Hoje ganha mais do que na ocupação anterior.
“Quando saí da clínica, surgiu essa oportunidade na minha antiga área e resolvi aproveitar, não queria ficar muito tempo desempregada e depois veio a pandemia que deixou o setor meio em crise, as clínicas precisaram fechar, muita gente ficou sem receber os salários na época. Acabou sendo uma mudança no momento certo”, declarou em entrevista ao UOL.
Professora passa a costurar
Desempregada desde novembro do ano passado, a professora de geografia Márcia Ribeiro, 43, passou a costurar ao lado da mãe, de 71 anos, para reforçar o orçamento da casa. Há um ano sem emprego, Márcia se divide entre a entrega de currículos e a máquina de costura na casa onde mora com a mãe em São João de Meriti, na Baixada Fluminense.
“A gente vive hoje da aposentadoria da minha mãe e das costuras que a gente faz. Quando eu fiquei desempregada, vi que o jeito era ajudá-la. Intensificamos o serviço de ajustes e bainhas, nós duas fazemos e agora eu entrego com uma pequena taxa de entrega. Antes, os clientes tinham que vir buscar”.
A nova atividade rende um pouco menos que um salário mínimo, R$1.100, para mãe e filha.
“É pouco, mas como a casa é própria, alivia bastante. Com esse dinheiro, eu consigo pagar as contas da casa e o valor da aposentadoria da mãe fica para o mercado e remédios”, afirmou a professora.
Assim como outros milhares de profissionais, Márcia integra o grupo de pessoas que trabalham atualmente por conta própria. De acordo com o levantamento do Idados, no segundo trimestre deste ano, foram registrados 24,8 milhões de trabalhadores nesta condição – 709 mil a mais em comparação com o segundo trimestre de 2019.
De acordo com a consultoria, se analisado apenas o número de profissionais com curso superior, trabalhando por conta própria, observa-se um incremento de 643 mil pessoas na variação bianual.
País assume o risco de precarização
A economista e professora do Ibmec-RJ, Vivian Almeida, explica que a precarização do mercado de trabalho é um risco que o país tem assumido devido ao baixo investimento e a piora do cenário econômico nos últimos anos. Segundo ela, um conjunto de fatores contribuem para a precarização do trabalho.
“Há bastante tempo, temos uma piora na capacidade de investimentos e quando se deixa de investir, você reduz o presente e o futuro e o resultado é menos crescimento. Além disso, nós já observamos a substituição da força física, agora estamos partindo para a substituição de inteligência”, explicou ao UOL.
“As pessoas se preparam para um mercado de trabalho que não existe mais. Não como antes. Nisso tudo, ainda tivemos a pandemia que interrompeu a circulação de pessoas, causou um choque e gerou mais desemprego.”
A professora lembrou ainda que a migração do trabalho presencial para o home office, durante a pandemia, também é uma mudança significativa que afeta diferentes tipos de trabalhos.
Desemprego que virou oportunidade
Apesar de um mercado com menos possibilidades, há quem fez da demissão a possibilidade de empreender. Vitória Maria Silva Portugal, 25, é jornalista, ficou desempregada no final de 2018 e depois de mais de um ano sem se recolocar, ela resolveu abraçar o sonho da avó, que era costureira e faleceu em maio de 2020. Ela e o irmão abriram uma loja moda praia.
Com a ajuda das amigas da avó, que também são costureiras, elas passaram a confeccionar as peças e Vitória fazia as entregas dos produtos de porta em porta na capital Fluminense.
Ela conta que começou com apenas 150 peças e hoje, um ano e meio após a abertura da loja, ela e o irmão têm mais de 55 produtos disponíveis no site. As entregas passaram a ser feitas por transportadora, correio ou moto.
A página da “Onda Beira Mar” no Instagram já conta com 16,5 mil seguidores.
“Depois de muito tempo procurando emprego, cheguei a entrar em depressão e depois que minha avó faleceu, meu irmão e eu vimos como alternativa começar a empreender. As amigas da minha avó começaram a costurar pra gente e eu mesma fazia as entregas. Planejava as entregas de ônibus que era mais barato”.
Segundo Vitória, a loja é mais do que um negócio, é uma marca de superação.
Fonte: UOL Economia