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‘Eduquei três filhos, fui merendeira e voltei a estudar aos 49 anos’

“Tenho 49 anos, três filhos (Daniel, Danilo e Daise) e sou de Santa Terezinha, interior da Bahia. Trabalho como merendeira no Centro de Atendimento Multidisciplinar para Pessoas com Necessidades Educativas Especiais. Após dedicar uma vida a meus filhos e aos filhos de várias pessoas que estudaram nas unidades de ensino onde trabalhei, percebi que chegou o momento de retomar meus estudos. Voltei a estudar recentemente para terminar o ensino médio e conseguir realizar meu sonho de cursar uma faculdade.

Quando era criança tinha o sonho de ser professora porque naquele tempo era uma profissão muito respeitada e eu admirava a forma como essas profissionais cuidavam dos alunos. E porque era a forma mais fácil de ajudar a minha família.

Tive uma infância muito difícil —meus pais tiveram 22 filhos, mas apenas 11 sobreviveram. Morávamos no Gairú, zona rural do município de Santa Terezinha. Lá não tinha escola e passávamos muita dificuldade. Quando minha família se mudou para a zona urbana da cidade, em busca de melhores condições de vida, foi que nós tivemos acesso à educação por meio de uma professora voluntária que reunia as crianças da rua em sua casa para alfabetizá-las.

Meus pais sempre me incentivaram a estudar. Pela manhã, eu os ajudava na roça e, à tarde, ia para essa escola improvisada. Durante o ensino fundamental e médio, tive que conciliar os estudos com o trabalho de doméstica e faxineira. Iniciei o ensino médio fazendo magistério, que era para me formar professora. No segundo ano, no entanto, fiquei grávida de meu primeiro filho. Aí, tive que abandonar a escola para me dedicar mais ao trabalho, pois precisava ter condições para receber essa criança.

Meu filho nasceu e seis meses depois descobri minha segunda gravidez. E foi aí que me distanciei de vez da escola. Depois de muitos anos trabalhando como doméstica, fui à prefeitura pedir uma oportunidade de emprego. Na época, a direção do Colégio Estadual Luís Eduardo Magalhães tinha solicitado da prefeitura alguém para trabalhar como merendeira.

Trabalhei nessa profissão que amo, mas em 2021 tive uma grande tristeza. O ano passado foi muito difícil para mim, pois no fim de novembro minha única netinha de apenas 1 ano faleceu.

Em dezembro, meu filho Danilo participou de um evento regional sobre educação. Nesse encontro ele conheceu Arlete, que é responsável pelo arquivo no Núcleo Territorial de Educação, onde ficam as documentações das escolas que haviam sido fechadas.

Ele contou sobre meu desejo de voltar a estudar e a profissional ficou de fazer uma busca do meu histórico escolar. Após essa busca, foram encontradas minhas notas da quinta série ao primeiro ano magistério e de fato pude voltar a sonhar com a escola.

Hoje estudo onde meus filhos estudaram e onde trabalhei como merendeira”.

E é uma coisa engraçada. No meu primeiro dia de aula, estava olhando para a cozinha da escola e pensando: eu era merendeira e agora estou sentada aqui nessa cadeira como aluna. Quando trabalhava, ficava da cantina ouvindo as aulas e com uma vontade grande de voltar a estudar. Eu tenho um carinho enorme por essa escola, pois ela já foi meu sustento e a responsável pela educação dos meus filhos.

E esses filhos são minha vida. Todos os meus três filhos estão me incentivando. Eles me acompanharam na matrícula e me deram os materiais escolares. No primeiro dia de aula, meu filho foi me levar e ficou no pátio da escola me esperando até o final. Me senti muito feliz com essa atitude e mais estimulada a continuar.

Todos os dias eles me perguntam como foi a aula e eu conto tudo que aprendi na sala. Isso me reporta ao passado, quando tive que parar. Naquela época, cheguei perto de realizar meu sonho, mas pelas condições da vida não consegui.

“Foi muito difícil deixar os estudos para me dedicar ao sustento de casa. Mas acredito que tudo tem um propósito e hoje tenho fé que realizarei esse sonho”.

Tem sido tudo novo para mim. Esse meu retorno à escola repercutiu muito nas redes sociais, após meu filho publicar um vídeo meu realizando a matrícula. Recebi muitas mensagens de carinho e incentivo, isso me deixou muito grata e empolgada.

‘A educação é um dos únicos meios para alcançar a vitória’

Não é fácil voltar a estudar aos 49 anos, mas com essa rede de carinho que tenho recebido tudo fica melhor. Minha meta é me formar no ensino médio e entrar na faculdade de pedagogia, pois eu quero realizar meu sonho de ser professora.

Acredito que nunca é tarde para a gente sonhar, pois quando temos nossos sonhos devemos voar em direção a ele. E estou realizando o meu voo e um dia chegarei a meu destino.

Eu queria que todas as mães voassem como águias e enxergassem de perto as possibilidades de se tornarem realizadoras de sonho, como eu estou me tornando. E queria dizer para essas mães que as dificuldades existem, mas quando a gente tem fé e acredita, temos um braço forte para levantar a bandeira da vitória.

A educação é um dos únicos meios que nós temos para alcançar a vitória. Principalmente para a gente que está embaixo. Ela é uma escada, subimos um degrau a cada dia em busca de novos conhecimentos para chegarmos às transformações que precisamos para nossa sobrevivência.” Foi muito difícil deixar os estudos para me dedicar ao sustento de casa. Mas acredito que tudo tem um propósito e hoje tenho fé que realizarei esse sonho.

Djanira Santana, 49 anos, de Santa Terezinha (BA), é merendeira e voltou a estudar para realizar o sonho de ingressar em uma universidade.

Fonte: Universa/UOL

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