‘Entra com processo’, diz terceirizada do iFood a entregadores após calote
Cerca de 200 entregadores que trabalhavam para uma terceirizada do iFood em cidades do interior de São Paulo estão sem receber pelas corridas realizadas no mês de janeiro. A empresa Kroupier Expresso ficava responsável por contratar motoboys para o aplicativo, repassar os pagamentos e organizar escalas de trabalho – e, em alguns casos, os profissionais ficavam sem tempo para ir ao banheiro ou descansar, segundo relatos.
Os salários devidos somam no mínimo R$ 300 mil, calculam os entregadores em grupos de WhatsApp aos quais a coluna teve acesso. Segundo eles, o dono da empresa Kroupier Expresso — Layon Augusto do Reis — afirma ter falido e não dispor de condições financeiras para quitar as remunerações.
“Somos pais de família, temos contas para pagar. Trabalhamos sob sol, chuva, frio, risco de assalto. Aí sofre um golpe desses?”, desabafa um entregador do município de Araras.
A reportagem tentou contato com o dono da Kroupier, mas não obteve retorno. Em uma conversa de WhatsApp obtida pela reportagem, um entregador questionou uma supervisora da empresa sobre o atraso nos pagamentos e afirmou se tratar de “falta de consideração”. Como resposta, recebeu a seguinte mensagem: “Eu estou instruindo o pessoal a entrar com processo para poder receber. O iFood paga.
Porque é o app do iFood. Se a OL não paga, o iFood é responsável”.
Em nota, a assessoria de imprensa do iFood afirmou que a empresa está “apurando a situação dos entregadores afetados para que possamos tomar as medidas necessárias e oferecer o suporte adequado”.
‘Não podia recusar corridas’
O episódio ocorrido no interior de São Paulo é muito similar ao relatado por esta coluna em setembro do ano passado, em Balneário Camboriú (SC). Ao menos 80 entregadores ficaram sem receber os pagamentos que deveriam ser repassados pela Moura Entregas Express. Após a publicação da reportagem, o iFood acabou remunerando os entregadores.
A Kroupier Expresso prestava serviço ao iFood como “operador logístico” (OL). Nessa modalidade, a terceirizada fica responsável por contratar entregadores, sem carteira assinada, e organizar as escalas de trabalho.
Apesar de os entregadores precisarem usar o aplicativo do iFood para pegar as corridas, o pagamento fica a cargo da OL, que recebe o dinheiro da plataforma e faz o repasse aos profissionais. O objetivo é atender praças recém-abertas ou de grande movimento, garantindo que não faltem entregadores para restaurantes e supermercados.
No caso da Kroupier, os motoboys podiam fazer três turnos por dia, totalizando 12 horas à disposição do app. “Por turno, tinha 20 minutos
de intervalo só para ir ao banheiro ou para comer alguma coisa”, relata um entregador de São José dos Campos. “E não podia recusar corridas. Tinha que aceitar todas”, complementa.
Os profissionais afirmam que vêm tentando contato com o aplicativo para solucionar o problema, sem sucesso. “Só dá para ligar para o suporte enquanto está em corrida. A gente já mandou um monte de email, mas eles não respondem”, afirma um dos motoboys prejudicados que afirma ter R$ 900 a receber. “Mas tem entregador com prejuízo para cima de R$ 5 mil contando as duas quinzenas [de janeiro]”, conta outro profissional.
MPT acusa iFood de terceirização fraudulenta
Basicamente, um entregador pode trabalhar de duas maneiras para o iFood. No modelo chamado de “nuvem”, o profissional se cadastra no aplicativo e, depois de aprovado, define por conta própria os horários e a região em que vai atuar.
No sistema OL, por sua vez, os profissionais são pagos e organizados pela terceirizada, apesar de continuarem usando o aplicativo do iFood para pegar as corridas.
Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT) em São Paulo, o sistema OL configura uma terceirização indevida. O órgão moveu um processo na Justiça contra o iFood, considerado improcedente em primeiro grau. O caso está pendente de decisão da segunda instância.
Na avaliação dos procuradores do MPT que assinam a ação, a reforma de 2017 da lei 6.019, que liberou as terceirizações no Brasil, estipulou
condições para que isso pudesse ser feito. Em resumo, a terceirizada deve executar de fato a tarefa para qual for contratada, precisa ter autonomia na prestação do serviço e tem de provar “capacidade econômica” para arcar com os direitos trabalhistas de seus empregados.
Ainda segundo o MPT, o fato de os entregadores serem obrigados a usar o app do iFood para receber as corridas e cumprirem turnos pré determinados pela plataforma evidenciariam a falta de autonomia do operador logístico e comprovariam a fraude na terceirização.
A nota da assessoria de imprensa do iFood sustenta que a empresa “revisa os contratos com os operadores logísticos, com a finalidade de gerar mais segurança, eficiência e padronização das melhores práticas na operação de entregas, de acordo com a estratégia da empresa e a demanda local”.
O texto diz ainda que, “em casos de término do contrato com operador logístico, o iFood sempre oferece suporte para facilitar a transição aos entregadores veiculados ao antigo prestador de serviço, seja para migrar para o modelo nuvem ou para outro operador logístico, em um rápido processo, que não afeta o score ou avaliações que o entregador já possui atuando na plataforma, e dura em média dois dias úteis”.
Fonte: Coluna Carlos Juliano Barros no UOL