Artigos de menuUltimas notícias

‘Entra na cabeça e leva à loucura’: como o barulho afeta a saúde

Buzinas de carros, barulho de obras, música alta. Especialmente para quem vive em grandes cidades, momentos de silêncio são cada vez mais raros. De imediato, o prejuízo é na saúde mental, atrapalhando o cotidiano de trabalho, dificultando a concentração, diminuindo a produtividade e prejudicando o sono. Com o tempo, a constante exposição a ruídos perturbadores e indesejados pode trazer consequências irreversíveis para a audição, além de problemas ao coração.

A assessora de comunicação Mariana Paker, 41, sofre com o estresse provocado pelo barulho de uma dark kitchen, que fica ao lado de sua casa, no bairro da Lapa, em São Paulo. Também conhecidas como “cozinhas fantasmas”, são empresas de serviços de alimentação que atendem clientes exclusivamente por entrega e ganharam popularidade com a pandemia de covid-19. Desde que eles começaram a operação, em 2020, tenho muito problema com o barulho do maquinário dessa indústria, que inclui exaustores e outros equipamentos. É como acordar e dormir ao lado de uma turbina de avião”, diz.

Logo no início, ela teve que sair de casa, pois só chorava. Não conseguia trabalhar nem dormir. Como estava trabalhando de home office, optou por ir
para a casa da mãe no interior. Saía de São Paulo e voltava a cada 15 dias.

“Toda vez que eu tinha que voltar já começava a ter crises de ansiedade, sentia falta de ar e ficava muito estressada”, conta.

Com o fim do home office, Mariana teve que voltar de vez para São Paulo. Ela e os vizinhos iniciaram uma luta contra a dark kitchen e o barulho diminuiu um pouco.

Além disso, instalou um teto retrátil para a área dos quartos. Mesmo assim, durante a noite, quando a cidade fica silenciosa, o som é tão irritante que tem que fechar todas as portas da casa para conseguir pegar no sono. “Como o barulho é constante, já que a operação funciona de manhã até a madrugada, ele entra na cabeça e te leva à loucura. Não dá para esquecê-lo”, reclama.

Esse estresse causado pelo barulho pode ainda resultar em danos cardiovasculares, como o infarto do miocárdio e o agravamento de doenças crônicas, alerta o cardiologista Cláudio Domênico. “A poluição sonora é capaz de desencadear a liberação pelo organismo do hormônio cortisol, afetando a pressão arterial, os níveis de colesterol e elevando a glicose”, diz. Pesquisas até mostram que os efeitos da poluição sonora são comparáveis ao do fumo passivo.

Qual o limite?
O coordenador de marketing Tiago Mendes, 33, sofria tanto com o barulho que decidiu se mudar do apartamento em que morava, na rua Frei Caneca, no bairro Cerqueira César, menos de um ano depois que o alugou. “Sempre achei uma boa região para morar, perto do centro da cidade, onde tem muita vida social. Porém, com seis meses de locação, começaram as obras de madrugada para consertar as tubulações de gás da rua. Dava para ouvir tudo, o martelar dos tubos, os trabalhadores conversando e ouvindo música”, conta.

Ao mesmo tempo, teve início durante o dia uma obra da linha laranja do metrô, em uma rua paralela, e Tiago, que trabalha 100% home office, teve que lidar com o barulho ininterruptamente.

“Atrapalhava o meu sono e o rendimento no trabalho, comecei a sentir muito cansaço e o meu corpo começou a reagir baixando a minha imunidade. Era muito estresse e nervosismo. Tentei usar tampões de ouvido, mas não adiantava, parecia que a obra estava dentro de casa”, Tiago Mendes.

Na cidade de São Paulo, o limite de ruídos que pode ser produzido por estádios e casas noturnas deve estar dentro do estabelecido pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Isso significa que atividades culturais, de lazer e turismo devem produzir ruídos de, no máximo, 55 decibéis (período noturno) e 65 decibéis (período diurno). No caso de obras, o limite é superior, de até 85 decibéis.

Para a OMS, a exposição a sons acima de 50 decibéis (que equivale a uma conversa em tom normal, quando você não precisa elevar a voz para ser escutado pelo interlocutor) já pode ser nociva. Em 2018, um relatório da organização estimou que, a cada ano, os europeus ocidentais estão perdendo coletivamente mais de 1,6 milhão de anos de vida saudável por causa do barulho do trânsito.

Como reduzir o impacto
De acordo com Bruno Borges de Carvalho Barros, médico otorrinolaringologista pela Unifesp, sempre que houver exposição a ruído intenso, deve-se utilizar protetores auditivos. Outra medida importante é se ausentar por um tempo do ambiente com som muito alto. “Quando fazemos pausa na exposição, permitimos que as células do ouvido se recuperem”, explica.

Em caso de uso de fones de ouvido, é bom manter sempre um volume baixo. “Uma dica para saber a altura ideal é que, mesmo com som ligado, você consiga manter uma conversa com outra pessoa no ambiente. Outro ponto importante é evitar escutar música com fones em lugares muito ruidosos, como metrô e outros meios de transporte. Nessas situações se perde a noção da intensidade do som que está nos fones, devido ao excesso de barulho de fundo”, diz.

Segundo o especialista, qualquer indício de dificuldade de comunicação deve acender o sinal de alerta e a recomendação é procurar um otorrinolaringologista para avaliação. Outros sinais de que algo pode estar errado com os ouvidos incluem zumbido, tontura e sensação de pressão.

Benefícios dos momentos de silêncio
Nadja Pinho, musicoterapeuta e psicopedagoga da Holiste Psiquiatria, de Salvador (BA), lembra que, mesmo com o ritmo de vida cada vez mais acelerado, é preciso dar espaço para entrar em contato com o som interior. Infelizmente, os tempos modernos são tão barulhentos que ficar em silêncio acaba sendo motivo de aflição para muita gente.

Para a jornalista Petria Chaves, autora do livro “Escute Teu Silêncio: Como a Arte de Escutar Nos Torna Pessoas Melhores, Mais Presentes e Mais Interessantes” (Editora Planeta), o silêncio pode incomodar porque ele nos coloca em contato com os barulhos internos que tentamos anestesiar. “Quando nos ouvimos, percebemos nossos erros, nossas fendas, nossas incoerências. Percebemos quanto somos fracos, quanto a vida é frágil e como o que realmente desejamos estamos longe de conquistar —pois nem sabemos ao certo o caminho”, diz.

Segundo ela, o silêncio nos mostra que existe uma mente que também precisa ser organizada, mas que até hoje nos dominou. Mas, se mal conseguimos organizar nossas vidas externas, como fazer para mergulhar no desafio de organizar o interior? Quando silenciamos os barulhos de fora, tudo isso vem à tona e muitas vezes nos sentimos incapazes e solitários, o que assusta demais algumas pessoas.

“Devemos aproveitar o silêncio como uma oportunidade de nos enxergarmos humanos, assim poderemos ouvir o outro com uma qualidade maior, pois sabemos ouvir primeiramente a nós mesmos”, completa.

Para isso, é preciso fazer um treino diário. Começar prestando atenção aos sons que nos cercam, logo ao acordar. Depois, a meditação. Sentar quieto, todos os dias, com a proposta de apenas observar. O conselho é: comece pequeno, com dois, três, quatro minutos, mas persista. “Os resultados começam a chegar rapidamente, trazem uma nova qualidade de ser e estar no mundo, o simples fato de conseguirmos prestar mais atenção ao que nos acontece dentro e fora. É um treino de atenção plena”, recomenda Petria.

Fonte: VivaBem/UOL