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Juízes do Trabalho manifestam contra a imposição de retrocessos trabalhistas

O senador Paulo Paim (PT-RS) leu, no dia 5 de abril, um manifesto assinado por diversos juízes do trabalho no qual há um alerta sobre o risco que o momento político traz à Justiça do Trabalho e um compromisso desses profissionais de continuar avançando na defesa dos direitos trabalhistas.

De acordo com o documento lido por Paim, a lógica de se buscar um equilíbrio para situações de crise política por meio da supressão de direitos e contenção da organização dos trabalhadores ocorreu em vários momentos da história brasileira.

Os juízes, no manifesto, se declaram preocupados com o advento de uma solução conciliada para a crise política que, “sem comprometer os interesses partidários em jogo, imponha sacrifício aos direitos trabalhistas”.

“A estabilidade política, assim, pode vir a ter como preço a retração de direitos trabalhistas. Retrocessos imediatos se dariam nos temas a respeito das dispensas coletivas, no direito de greve e na terceirização, correndo-se o risco de atingir, em breve, o instituto da estabilidade no emprego dos servidores públicos”, explicaram os juízes.

Assim como os juízes, Paim também ressaltou a disposição em impor resistência a qualquer ação que busca extirpar os direitos trabalhistas da Constituição e destruir a Justiça do Trabalho.

Manifesto contra o desmonte da Justiça do Trabalho e dos Direitos Trabalhistas
AJD – Associação Juízes para a Democracia

No apagar das luzes de 2015, a Justiça do Trabalho sofreu um ataque destrutivo da Comissão Mista do Orçamento Anual, que resultou na edição, no início de 2016, da Lei n. 13.255, que estabeleceu uma redução de 50% nas dotações para o custeio da Justiça do Trabalho, além de um corte de 90% nos gastos destinados a investimentos dessa Justiça especializada.

Mas o verdadeiro ataque sofrido pela Justiça do Trabalho e pelos direitos trabalhistas está configurado na apresentação dos motivos para a realização do corte, expressos na fala do Relator do Projeto de Lei[i], quando afirma, sem rodeios, que o corte foi uma espécie de punição pelo fato de a Justiça do Trabalho estar atuando de forma protetiva em face do trabalhador.

O Relator, após fazer digressões completamente desconectadas da realidade e sem qualquer conhecimento técnico jurídico ou mesmo histórico, dizendo, por exemplo, que o problema da Justiça do Trabalho é o de que não se tem um “controle sobre a demanda”, pois o empregado “ou ganha ou não perde” e que isso é a verdadeira causa do alto número de reclamações, fazendo, inclusive, cálculo tão tendencioso quanto equivocado de que a Justiça do Trabalho não dá conta porque entraram 3.544.000 processos novos em 2014 e a Justiça do Trabalho só julgou 3.396.000, que gerariam, segundo sua matemática, um saldo de 2.000.000 de processos.

Depois, sugerindo que a maioria das reclamações trabalhistas é proposta por empregados desonestos e aduzindo que a legislação trabalhista é antiga, datada de 1943, compatível, portanto, com o tempo em que o trabalhador assinava a Carteira de Trabalho com o dedão, sendo que, ao seu entender, hoje não é mais possível ver o empregado dessa maneira, já que existem trabalhadores graduados e pós-graduados que ganham até R$30.000,00 por mês, conclui:
Como a justiça do trabalho não tem se apresentado mais cooperativa, nós vamos apresentar um corte mais significativo pra eles, para que eles reflitam um pouco de que não tem cabimento o Brasil ter 3.000.000 de processos por mês (3.500.000 por ano) e 50.000 funcionários pra cuidar de processo trabalhista.

E não se limitou a isso. Acusando os juízes de sequer lerem as reclamações e explicitando que o empregador precisa ter previsibilidade de quanto pode ter que pagar em uma reclamação, apresentou, expressamente, as propostas para alteração e organização da Justiça do Trabalho, dentre elas: limitação das indenizações em 12 salários; e incentivo à arbitragem e à mediação, com quitação.

A sua fala foi uma forte agressão ao Estado Democrático de Direito Social, à Justiça do Trabalho e aos trabalhadores e se for atrelada à atual configuração política do Congresso Nacional e à fragilidade que se tem impingindo ao governo, que, inclusive, por meio do novo Ministro da Fazenda, já veio a público para anunciar que em 2016 promoverá uma “reforma trabalhista”[ii], tem-se o quadro bastante desfavorável à Justiça do Trabalho e aos direitos trabalhistas que se delineia para 2016.

É dentro desse contexto que se torna bastante preocupante a fala do novo Presidente do Tribunal Superior do Trabalho[iii], empossado no último dia 25 de fevereiro de 2016, vez que, “data vênia”, pode dar coro aos impropérios do Relator acima citado e a todos aqueles que, por razões diversas, queiram destruir a Justiça do Trabalho e os direitos dos trabalhadores.

O discurso do Ministro do TST, além disso, assimila os principais argumentos da ideologia neoliberal, que, partindo do excesso de reclamações trabalhistas movidas perante a Justiça do Trabalho, propõe mudanças na legislação trabalhista e na estrutura da Justiça do Trabalho, notadamente no que se refere: ao incentivo às soluções extrajudicias; à prevalência do negociado sobre o legislado; à adoção da terceirização em atividade-fim; o estímulo à conciliação como forma de legitimar as ilegalidades cometidas pelo empregador; à necessidade de redução do alcance da noção de dano moral, além de uma inversão do princípio protetor para impulsionar uma atuação dos juízes a partir de um sentimento de proteção das empresas.

No discurso de posse os elementos neste sentido estão subentendidos:
O excesso de intervencionismo estatal, quer legiferante, quer judicante, pode desorganizar a economia mais do que proteger o trabalhador e promover o desenvolvimento produtivo. Haveria que se conhecer e refletir mais sobre tais princípios.
(….)
O juiz do trabalho, que, pelo seu ofício deve ser um especialista em relações humanas, deve interpretar e aplicar imparcialmente uma legislação que já é, de per si, parcial e protetiva.
(….)
Os mais recentes embates congressuais em torno da regulamentação da terceirização estão a demonstrar, pela ideologização a que a temática acabou se sujeitando, que não será com excessos de um lado ou de outro que se chegará a um marco regulatório protetivo e seguro, que reconheça os direitos dos trabalhadores, mas também uma realidade econômica irreversível de cadeia produtiva, em que o esforço produtivo empresarial se concentra em suas áreas de especialização.
(….)
…as causas endógenas são, em meu humilde olhar, a complexidade de nosso sistema processual e recursal e o desprestígio dos meios alternativos de composição dos conflitos sociais.
(….)
E acredito que a Justiça do Trabalho tenha muito a contribuir para superar a crise econômica que se instalou no Brasil.”

Mas na entrevista concedida dias depois ao Grupo Globo, o que estava implícito vem à tona, com toda clareza[iv].

No aspecto da prevalência do negociado sobre o legislado, o Ministro diz: “Defendo a prevalência do negociado sobre o legislado, semelhante àquilo que o próprio governo soltou que foi o PPE (Programa de Proteção ao Emprego do Ministério do Trabalho).”

Quanto à necessidade proteção da empresa, assevera: “Este Tribunal pode colaborar mais ou menos com a superação da crise econômica, se levar em consideração o efeito que pode ter uma decisão no modelo econômico.”

Na defesa da conciliação como forma de legitimar as ilegalidades cometidas pelo empregador, desprezando a relevância social e histórica dos direitos trabalhistas, decreta:
Em vez de impor às empresas determinadas decisões que terão um impacto muito grande, o juiz deveria tentar fazer acordo. Em dissídios nacionais, chego a gastar horas, mas eu fecho o acordo e, assim, consigo evitar a greve, como foi o caso mais recente dos aeronautas. A primeira coisa que um juiz deveria fazer é tentar conciliar, depois ele vai julgar. O TST pode começar a estimular as conciliações. O juiz pode ser promovido, quanto mais conciliações ele tiver.

Destacando a necessidade de flexibilização do Direito do Trabalho:
Quanto mais paternalista, principalmente em época de crise econômica, menos você contribui para superá-la. A nossa Constituição prevê a flexibilização de direitos em crise econômica. Se você não admite essa flexibilização, pensa que está protegendo o trabalhador a ferro e fogo. É como se quisesse revogar a lei da gravidade por decreto, revogar a lei do mercado. Você vai quebrar a cara. Se você pegar algumas ações, não tem condição, a gente dá de mão beijada R$ 1 milhão para um trabalhador, que se trabalhasse a vida toda não ia ganhar aquilo.

E, acusando os contrários de ideólogos:
Não adianta ficar com briga ideológica de que não pode terceirizar na atividade fim, só meio. Não existe mais a empresa vertical, em que você tem do diretor ao porteiro, todo mundo faz parte do quadro da empresa. Hoje, você funciona com cadeia produtiva. A gente precisa urgentemente de um marco regulatório. A única coisa que não se admite é você ter duas pessoas trabalhando ombro a ombro no mesmo local, fazendo a mesma coisa, um sendo de uma empresa e outro de outra, um ganhando a metade do salário do outro.

Vale perceber que de sua fala, que também traz relevantes preocupações com a melhoria da prestação jurisdicional, a grande mídia reproduz apenas a parte que lhe interessa, pondo-a em destaque como se fosse uma diretriz já integrada e assumida enquanto tal pela Justiça do Trabalho:

No momento em que o desemprego está subindo, o novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Ives Gandra Filho, diz que a justiça trabalhista precisa ser menos paternalista para ajudar a tirar o país da crise. Segundo ele, está na hora de o governo flexibilizar ainda mais a legislação trabalhista, como fez ao lançar o Programa de Proteção ao Emprego-PPE – que prevê redução de salário e de jornada – e permitir que empresas e sindicatos possam fazer acordos fora da CLT, desde que os direitos básicos sejam garantidos. “A Constituição permite”, disse.

Aprovar o projeto que trata da terceirização, inclusive na atividade fim, também pode dar um fôlego às empresas, disse o ministro, que tomou posse na última quinta-feira. Ele defende que o TST passe a incentivar juízes trabalhistas a insistir mais na realização de acordos antes de julgar as causas e sugere que isso seja usado como critério na promoção. O ministro propõe, ainda, que o Tribunal reveja suas posições e defina parâmetros para pedidos de danos morais, que geram indenizações milionárias de “mão beijada”. Na sua primeira entrevista à frente da Corte, ele disse que o problema da economia brasileira é a falta de credibilidade do atual governo, que fez opções erradas e está às voltas com denúncias “muito palpáveis” de corrupção.

Esse modo de avaliar o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho, há muito tempo assumido por parte da grande mídia, não guarda nenhuma relação de materialidade histórica, desconsiderando o real problema das relações de trabalho no Brasil que foi, até hoje, o descrédito quanto à necessidade de se conferirem direitos aos trabalhadores e aplicá-los efetivamente, gerando um total desprezo quanto ao projeto constitucional de diminuição das desigualdades e da prevalência dos Direitos Humanos. É um discurso, ainda, que não reconhece os trabalhadores como classe política.

Ocorre que nos anos 2000, mais precisamente de 2002 em diante, com o estímulo dado pela fala proferida em discurso de posse na Presidência do TST[v], no dia 10 de abril daquele ano, quando se destacou que “a legislação trabalhista não pode ser objeto de mudanças fundadas em interesses momentâneos, circunstanciais”, afirmando-se, ainda, “a importância de salvaguardar os direitos trabalhistas, que não foram criados pelo Judiciário, mas pela legislação que consagrou uma conquista universal”, a corrente da flexibilização, que defendia, no fundo, uma desregulamentação, que conduz à precarização, foi superada no âmbito acadêmico e não reflete sequer o pensamento médio do meio jurídico e judicial trabalhista, como destacado nas oportunas Notas emitidas pela Anamatra[vi] e pela Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho[vii].

O conteúdo do discurso reflete, pois, uma posição pessoal, que, no fundo, representa uma tentativa de reanimar teses antigas e ultrapassadas, impulsionadas pela retórica da “modernidade”.

Verifique-se, a propósito, que os mesmos argumentos podem ser encontrados, em maior ou menor grau, nos discursos de posse na Presidência do mesmo TST, proferidos em 19/12/86[viii], e, especialmente, em 1º/02/95[ix], e em 1º/08/00[x].

É bem verdade que desde 2011, quando o PL 4.330/04 foi reativado, a fórmula de precarização de direitos trabalhistas para solução de problemas da economia adquiriu novo fôlego, principalmente pela contribuição da grande mídia, e é exatamente por isso que se deve, publicamente, estabelecer um contraponto à fala do Ministro, como estão fazendo as entidades representativas de profissionais ligados ao Direito Fundamental do Trabalho e à Justiça do Trabalho, para que não reverbere como sentimento único, pacífico ou mesmo majoritário do meio trabalhista.

Oportuno, por isso, rebater as falácias do discurso da ideologia neoliberal, que apenas auxilia ao projeto de superexploração do trabalho a que vêm sendo submetidos os trabalhadores brasileiros no cenário da divisão internacional do trabalho, mantendo o Brasil como o segundo pior país no ranking da distribuição da riqueza produzida[xi], servindo, pois, de alimento decisivo à lógica do capitalismo do 1%, conforme estudos da OXFAM que denunciam que 1% da população mundial possui mais riqueza que o restante 99%[xii].

É preciso lutar contra a desigualdade e a fórmula básica para isso é não desvalorizar ainda mais o trabalho, que ocorreria, sobretudo, com a ampliação da terceirização, destacando-se, a respeito, a mais recente e oportuna Nota do Fórum Permanente em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização[xiii].

Cumpre ressaltar, ainda, que os direitos trabalhistas não representam apenas custo mas também obrigações essenciais para a preservação da vida e da própria sanidade das pessoas, já que o trabalho é central e fundamental, mas em se tratando de trabalho alienado precisa, ao menos ser limitado e economicamente recompensado.

Ademais, como dito no “Manifesto contra Oportunismos II, publicado em setembro de 2015[xiv], “a crise econômica não pode ser utilizada como justificativa para negar vigência à Constituição Federal, notadamente no que se refere à essencialidade dos direitos sociais e trabalhistas, também porque isso daria ensejo a uma grave crise institucional, que, no momento presente, traz sério risco à democracia”, fazendo com que a defesa e a busca da eficácia dos direitos sociais constituam “a pauta fundamental para a própria garantia da preservação do Estado Democrático de Direito Social”, tendo sido esta, aliás, a mesma preocupação que norteou a recente Nota da AJD, também instigada pelo discurso do novo Presidente do TST[xv].

Vale, por fim, corroborar o justo propósito das entidades mencionadas em resistir a todas as iniciativas de desmonte da Justiça do Trabalho e dos direitos dos trabalhadores, como forma, inclusive, de contribuir para a efetiva aplicação do projeto constitucional que, assegurando à classe trabalhadora direitos trabalhistas como direitos fundamentais (art. 7º), estabeleceu como objetivos da República: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art 3º, CF), atrelando os interesses econômicos aos ditames da justiça social (art. 170).

A urgência do país é, portanto, a de fazer cumprir a Constituição no que tange à sua normativa social e não a de negar-lhe vigência!

São Paulo, 02 de março de 2016.

Fonte: Diap

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