Marinha e Ibama negam mancha de óleo de 200km², mas UFRJ mantém alerta
Um grupo de pesquisadores da UFRJ afirma ter encontrado uma mancha de óleo de 200 km² próxima ao sul da Bahia.
A descoberta foi feita por meio da análise de uma imagem de radar, gerada por um satélite da Agência Espacial Europeia e emitida às 11h da manhã do dia 28 de outubro. Caso haja confirmação, esta teria sido a primeira vez que o óleo teria sido observado na superfície do mar e não nas praias. A Marinha e o Ibama, porém, negam sua existência.
— O radar é muito sensível a ver rugosidade e lisura. O óleo é muito liso em comparação com a água do mar, que tem ondulações. Onde tem óleo, a água fica muito lisa. Esta é uma técnica consagrada para verificar se existe mancha de óleo — explica José Carlos Seoane, professor do departamento de geologia da UFRJ e especialista em sensoriamento.
De acordo com Seoane, os danos que podem ser causados por esta mancha são “gigantescos”. No momento em que a imagem do radar foi gerada, o óleo estava a 50 km de distância da costa.
Segundo a avaliação do especialista, é difícil que o material chegue ao Espírito Santo e Rio de Janeiro, pois provavelmente vai encontrar a linha da costa baiana antes, mas “nada impede que outras venham a chegar ao Rio”.
— Esta é sim uma ameaça a Abrolhos e ao continente. Estamos esperançosos que, neste curto tempo de aviso que demos, a mancha possa ser contida costa afora, pelos navios da Marinha ou de quem puder ajudar neste serviço.
Marinha nega
Procurada pelo GLOBO, a Marinha afirmou que a mancha identificada pelo satélite da AEE não se trata de óleo, mas não soube precisar o tipo de material que teria sido lido pelos radares. Segundo a Força, foram feitas quatro avaliações para confirmar, incluindo a consulta aos especialistas da International Tanks Oil Pollution Fund (ITOPF), bem como monitoramento aéreo, marítimo e via satélite.
A reportagem insistiu a respeito das manchas analisadas pelos pesquisadores da UFRJ, e, em resposta, a Marinha alegou que nuvens e ressurgências no mar podem ter levado a um diagnóstico impreciso.
Seoane, por outro lado, nega veementemente essa possibilidade.
— Nem nuvem nem ressurgência no mar. Categoricamente não. Existe a possibilidade de ser alguma outra coisa? Existe ambiguidade a ser resolvida? Sim. E é para isso que precisamos ir lá para verificar. A assinatura espectral de uma mancha de óleo na imagem do radar é bem específica — explica o professor da UFRJ.
Ainda de acordo com o pesquisador, a única explicação para as manchas identificadas por satélite, além de petróleo, seriam biomanchas causadas pela degradação de algas. Ainda assim, a hipótese não parece plausível.
— A imagem pode ser confundida com biofilme, uma biomancha, derivada da degradação de alga, que é oleosa. O satélite analisa uma característica física. Qualquer material oleoso seria a mesma assinatura. A questão é que nunca se viu um biofilme de 200 km² — pondera Seoane.
Abrolhos preocupa
Para o especialista em sensoriamento, outra razão que torna improvável a hipótese de biofilme é a transição da água com óleo para a sem óleo, que, nas imagens capturadas pelo satélite europeu, é brusca, “preto no branco”, como descreveu Seoane. No caso das biomanchas, a tensão superficial não seria muito grande.
— Agora, tem que ir lá verificar. Todo esse trabalho é feito para que vá lá e verifique antes que se chegue à costa ou arquipélago de Abrolhos — alerta o pesquisador. — Uma vez lá, é possível determinar que tipo de óleo e sua origem.
A Marinha informou que, como concluiu não se tratar de óleo, não se debruçaria sobre a classificação da mancha e se dedicaria a outras urgências em meio à crise no Nordeste. Fontes ouvidas pelo GLOBO, no entanto, dão conta de que tres embarcações da Força estão a caminho do local da suposta mancha para verificá-la.
Ibama também nega
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) afirmou, em nota, que a mancha identificada pelo satélite europeu não é formada por petróleo. Com base na comparação com imagens da mesma área em outros horários, registradas a partir de outros satélites da agência europeia, o Ibama afirma que a hipótese mais provável é que o suposto óleo tenha sido confundido com nuvens.
“Suas caracteríscas texturais e mulespectrais, mais ainda e principalmente as condições meteorológicas locais apontam para a ocorrência de uma célula meteorológica de alta intensidade”, descreve trecho do documento.
O professor Seoane, por sua vez, mantém a tese de que há uma grande porção de óleo na direção da costa brasileira. Após verificar a nota técnica do órgão, ele disse concordar apenas com o que defende a “inspeção do local da ocorrência por barcos ou aeronaves que possuam sensores específicos de identificação” para a “confirmação da veracidade da detecção remota”.
Dados atualizados
Segundo o Ibama até esta quarta-feira, 282 pontos foram atingidos pelo petróleo desde a primeira mancha identificada pelas autoridades brasileiras, em 30 de agosto. Ao todo, 97 municípios espalhados por todos os nove estados nordestinos foram afetados.
O petróleo já chegou à fronteira Norte da região de Abrolhos, na Bahia. Pescadores têm utilizado redes para remover manchas antes de chegarem às praias. O vazamento completará dois meses na próxima quarta-feira e, conforme mostrou O GLOBO, os impactos ambientais e financeiros são sentidos em diversas regiões do Nordeste. A atuação do governo federal tem sido criticada por várias frentes.
Nesta quarta-feira, o Grupo de Avaliação e Acompanhamento (GAA), formado por Marinha, Ibama e Agência Nacional de Petróleo (ANP), informou que já recolheu mais de 2 mil toneladas de resíduos de óleos no litoral nordestino. Ainda segundo o GAA, todas as praias do Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba estão limpas. Representantes do GAA sobrevoaram o entorno do Arquipélago de Abrolhos e não identificaram manchas de óleo.
Os estragos ao meio ambiente, porém, são visíveis. O GLOBO teve acesso ao laudo de necrópsia de uma tartaruga-oliva encontrada em Jericoacoara, no Ceará, na manhã de 24 de setembro. O petróleo penetrou a carcaça, atingindo a traqueia, o esôfago e o intestino do animal, misturando-se às suas fezes. De sua contaminação à morte, passaram-se apenas dez dias.
Fonte: O Globo