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Militar é expulsa após vídeo de desabafo e tenta volta à PM-PE: ‘Injustiça’

A soldado Mirella Virgínia, 25, foi expulsa da Polícia Militar (PM) de Pernambuco após publicar um vídeo de 20 minutos com um desabafo com críticas à corporação. A soldado relata que teve um quadro de depressão grave e ansiedade pouco mais de um ano após entrar na polícia.

O que aconteceu
Em um vídeo, deitada em sua cama, a soldado Mirella citou o seu adoecimento mental, afirmando que era obrigada a trabalhar nessas condições. Ela também menciona que colegas dentro da PM de Pernambuco passavam pela mesma situação. A publicação foi feita no dia 16 de setembro de 2021.

Mirella passou a responder a processo interno e foi expulsa por meio do Diário Oficial do Estado no último dia 1º de setembro. A demissão foi assinada pela então secretária de Defesa Social Carla Patrícia Cunha, que apontou crime militar de “crítica indevida” e argumentou que o vídeo “gerou uma repercussão negativa no seio da tropa”.

“Eu estava em tratamento quando fiz o vídeo. Estava mal, já havia sido hospitalizada, estava afastada das ações. Eu fiz o vídeo porque fui a uma junta médica da própria polícia. Era um pedido de socorro e um grito de alerta”, Mirella, em entrevista à coluna.

Ela recorreu na SDS (Secretaria de Defesa Social) e espera uma resposta. Procurada, a SDS não respondeu sobre o caso e sobre o recurso da policial demitida.

A demissão por conta do vídeo gerou repercussão, e Mirella teve apoios públicos. O Gajop (Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares) passou a apoiar juridicamente a causa, levando o caso à assessoria da vice-governadora de PE, Priscila Krause (Solidariedade).

“Se o secretário [Alessandro Carvalho] não acatar, tenho o último recurso administrativo que será endereçado à governadora [Raquel Lyra – PSDB]. Depois, só a Justiça”, declara Mirella.

O que a soldado diz no vídeo
Mirella afirma que a corporação é “doente” e “tóxica”, além de ter apontado “diversas arbitrariedades” na PM.

“É uma instituição doente, com jogo de poderes muito grande, composta de pessoas que se superestimam por terem postos superiores, muitas vezes, diminuindo, perseguindo, fazendo pouco caso, humilhando e coagindo aqueles que estão em posto inferior”, Mirella no vídeo de 2021.

A agora ex-policial fala que vários militares sofrem com a saúde mental fragilizada e não têm a devida assistência.

“Eu já vi muitos companheiros meus de trabalho cair, chorarem em alojamentos, serem perseguidos, se suicidarem; e eu não quero que isso aconteça comigo nem com mais ninguém”, Mirella no vídeo de 2021.

Defesa alega problemas e omissão
A militar foi notificada do processo na Corregedoria da PM em 13 de abril de 2022. Mirella, formada em direito, afirma que tinha noção de que o vídeo poderia a fazer responder a um processo, mas admite que a demissão foi um abalo.

“De certa forma, eu sabia da possibilidade de ser punida. Independente de ser militar, que tem um regramento interno rígido, o que eu estava pautando era algo muito maior: a saúde mental e a situação de abuso e de violência”, Mirella.

A 2ª Comissão Permanente de Disciplina PM cita que o vídeo contém várias “menções negativas e acusações à instituição da Polícia Militar de Pernambuco”. Esse comentário consta na notificação disciplinar que a soldado recebeu.

Mudança que atrapalhou tratamento. Ainda durante o processo, Mirella foi transferida da cidade de Goiana, na divisa com a Paraíba, para o Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife. Isso a prejudicou, segundo a militar. Natural da Paraíba, ela fazia tratamento em João Pessoa, e o batalhão onde atuava era o mais próximo.

Depressão grave
No processo, Mirella afirma que sofria de depressão grave (que a levou a ser internada uma vez), citando uma propensão ao suicídio. Desde 2019, ela passou pelo menos cinco vezes no serviço de saúde da PM, sempre recebendo atestados para que ficasse fora do serviço operacional e atuasse apenas desarmada em áreas mais burocráticas. O UOL teve acesso a todos os laudos.

Por conta disso, solicitou que fosse realizado um laudo de sanidade mental, pelo serviço de psiquiatria da PM. A resposta foi que ela não apresentava “supressão nem diminuição de suas capacidades de entendimento da ilicitude do fato.”

A soldado mostrou ainda cópias de documentos com informações relatando o problema de saúde e pedidos de ajuda aos seus superiores. “Eu já tinha tentado falar disso outras vezes, documentado isso, mas nunca era ouvida.”

Em um deles, de março de 2021, ela conta que, mesmo tendo sofrido um acidente com uma viatura por conta de problemas colaterais gerados por uma mudança de medicação, foi obrigada a trabalhar no dia seguinte.

Na nota técnica que baseou a decisão, assinada em 9 de junho de 2021 pelo corregedor auxiliar militar, tenente-coronel Marcos Sales, a conduta da militar foi classificada como “carregada de elevado grau de reprovação, malferindo gravemente preceitos éticos militares inerentes aos militares”. “A aconselhada não se adequou à vida castrense, e sua permanência na corporação só traria prejuízo a ambas as partes”.

Corregedoria da PM
A demissão do cargo foi um choque.

“É algo devastador. É como se me matassem de modo camuflado. Me colocaram como uma criminosa. Hoje eu estou sentindo um sentimento de injustiça. É como se tivessem atirado em mim, queriam que eu morresse mesmo, principalmente diante do meu quadro clínico”, Mirella.

Boa ficha
A ficha de trabalho de Mirella na PM tem seis elogios em 2018 e 2020 sobre metas alcançadas no batalhão onde atuava, em Goiana.

Em 2019, ela chegou a tomar advertência por “não guardar repouso familiar” e ter viajado a Salvador no réveillon 2018-19. As provas usadas foram “publicações em status de WhatsApp de imagens no Pelourinho e pontos turísticos da cidade, sem qualquer informação prévia à Companhia ou autorização de profissional de saúde da PMPE”.

Fonte: Coluna Carlos Madeiro no UOL