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Negros dão mais importância à educação do que brancos no Brasil, diz estudo

A Educação é um valor importante para 44% dos pretos e pardos do Brasil. O percentual é maior que o verificado na população como um todo (42%), de acordo com um estudo da HSR.

O que aconteceu
A Educação é o único valor, analisado pelo estudo, considerado mais importante para negros do que para a média dos brasileiros.

Família, Qualidade de Vida, Saúde Mental, Saúde e Bem-Estar, Segurança Financeira, Moradia, Trabalho, Lazer e Espiritualidade registram percentual igual ou menor do que o verificado no total de entrevistados.

Os organizadores do estudo associam os números ao histórico de desigualdade e ao desejo de construir um “futuro seguro”. Segundo Valeria Rodrigues, sócia-diretora da Shopper Experience e membro da HSR, há uma preocupação recorrente entre negros de oferecer melhores condições de vida aos filhos, por exemplo.

O levantamento entrevistou 2.786 pessoas. Do total, 48% eram negros — proporção próxima à verificada na sociedade brasileira pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2010 (50,7%).

As entrevistas foram feitas virtualmente, por meio de formulários. A margem de erro é de 1,6 ponto percentual para mais ou para menos.

Acesso pleno à Educação ainda é desafio
Parte da população negra precisa se dividir entre escola e trabalho. O universitário João Gabriel dos Santos começou a trabalhar aos 15 anos. Ele lembra de sentir sono na escola e de ver colegas de sala dormindo. Para o estudante, isso dificulta o acesso de pretos e pardos a melhores oportunidades profissionais.

Manter-se na escola é mais difícil para meninos negros. Professor e membro do movimento Uneafro, José Henrique Lemos afirma que há uma pressão maior para que garotos pretos e pardos comecem a trabalhar logo. Ele conta que uma das turmas de pré-vestibular do movimento chegou a ter 47 meninas e apenas quatro alunos do sexo masculino.

Desigualdade prejudica inserção no mercado de trabalho. Executivo de vários bancos, Deives Rezende Filho lembra de candidatos a estágio que nunca tinham ido à Avenida Paulista ou à região da Faria Lima, dois centros comerciais e financeiros de São Paulo. Para ele, a distância em relação à vivência dos outros colegas dificulta o entrosamento de negros nesses ambientes.

Educação é importante, mas não resolve tudo. Tainá Medeiros traz o exemplo da diferença salarial entre negros e brancos, que se manteve estável apesar de avanços educacionais de pretos e pardos nas últimas décadas. Ela é coordenadora de programas do Fundo Baobá, que financia bolsas de estudos a jovens negros.

Apoio financeiro e suporte
psicológico fazem diferença. Para Tainá, esses recursos ajudam pretos e pardos a desenvolver habilidades sócio-emocionais e ir mais longe profissionalmente. Ela afirma ainda que, além de qualificar, a Educação permite que negros estejam mais preparados para enfrentar o racismo.

Negros têm mais orgulho de serem brasileiros
A pesquisa identificou que 54% dos negros têm orgulho de ser brasileiros. O indicador é superior ao verificado na população como um todo (51%).

Otimismo em relação ao futuro do país chega a 49% entre pretos e pardos. Já na sociedade como um todo, a fatia é de 46%.

Orgulho e otimismo estão diretamente ligados a um maior número de oportunidades para negros nos últimos anos. Para especialistas, iniciativas como as cotas raciais nas universidades e concursos públicos têm estimulado novas gerações a se manter ativas na luta por direitos e contra a desigualdade racial.

Ainda há longo caminho a ser percorrido, dizem estudiosos. De acordo com a pesquisa, 35% dos entrevistados negros não se sentem otimistas em relação ao futuro do país. Para eles, é preciso investigar se essa insatisfação estaria relacionada com o que o Brasil ainda deixa de oferecer a pretos e pardos.

O que dizem os envolvidos
“Há dois desafios. Um é o acesso dos negros às oportunidades. Outro é a manutenção deles nesses espaços. Às vezes, o tempo do trabalho tira o tempo do estudo. Muitos precisam ajudar em casa. Isso prejudica o desempenho e a possibilidade de se desenvolver de cada um”, Tainá Medeiros, coordenadora de programas do Fundo Baobá.

“A gente não só quer, mas precisa ganhar mais para ter acesso aos mesmos direitos que os outros. Existe até uma culpa nossa de gastar dinheiro com lazer, que é uma coisa essencial para se construir como indivíduo e questionar o racismo. Temos direito e não podemos exercer por ter que brigar pelo básico“, João Gabriel dos Santos, estudante de pedagogia e ex-bolsista do Fundo Baobá.

“Historicamente, os negros têm um ponto de partida desprivilegiado e, por isso, estão mais atentos à importância do estudo e do bem-estar financeiro como fatores para uma vida melhor no futuro. Essa desigualdade também se reflete na preocupação com a saúde, por exemplo. Eles estão correndo atrás”, Valeria Rodrigues, sócia diretora da Shopper Experience e membro da HSR.

“Sou biólogo e sempre trabalhei em laboratórios e hospitais. Em várias ocasiões, eu era o único negro no meu ambiente de trabalho. Hoje, há um esforço geral para aumentar a diversidade. Se eu falar que nada mudou, jogo no lixo uma luta de décadas. Mas acho que as mudanças precisam ser maiores e mais rápidas”, José Henrique Lemos, professor e membro do movimento Uneafro.

Ser o primeiro representante de um grupo a desempenhar uma certa função pode nos levar a ficar na defensiva e nem sempre fazer as melhores escolhas. Precisamos ter modelos que nos sirvam de inspiração em relação a boas condutas e que nos permitam resolver conflitos com diálogo e outros instrumentos”, Deives Rezende Filho, ex-executivo de bancos e fundador da Conduru Consultoria, focada em diversidade.

Fonte: UOL Educação