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Negros são agredidos no Carrefour após Lula dizer que não permitiria isso

O Brasil registrou mais um caso de pessoas negras sendo agredidas em um supermercado, e mais uma vez o crime ocorre nas dependências do grupo Carrefour. Um casal foi torturado e humilhado por supostamente furtar leite em pó no Big Bom Preço, do bairro São Cristóvão, em Salvador, na sexta (5).

Após um caso envolvendo a professora negra Isabel Oliveira, em abril, o presidente Lula afirmou, em reunião ministerial, que “o Carrefour cometeu mais um crime de racismo com uma cliente negra” e que “a gente não vai admitir o racismo que essa gente tenta impor ao Brasil”. Apesar da promessa, uma nova agressão ocorreu.

O caso gerou comoção após um vídeo com as agressões e a justificativa de ambos, de que o produto era para alimentar a filha, viralizar nas redes sociais. O grupo de origem francesa afirmou, em nota, que os líderes da loja foram demitidos e o contrato com a empresa que cuidava da segurança externa, rescindido.

Mas não adianta soltar repetidas notas dizendo que não compactua esse tipo de crime se ações justiceiras e milicianas, que atropelam a Constituição Federal, continuam ocorrendo em suas lojas através de funcionários sob sua responsabilidade. Pois vai ficando a impressão de que, quem visitar o mercado, a depender da classe social e cor de pele, vai encontrar carne, frutas, pilhas, amaciante, mas também tortura.

O grupo é o maior do país, segundo levantamento da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), com faturamento de R$ 108 bilhões em 2022. Isso é mais que a somatória do segundo colocado (Assaí, com R$ 59,7 bi), do terceiro (Grupo Mateus, R$ 24,6 bi) e do quarto (Grupo Pão de Açúcar, R$ 18,5 bi). Mas não explica sozinho, dada a frequência.

Com esse tamanho, o senso comum apontaria que a incidência de problemas tende a ser maior. Mas a lógica de responsabilidade empresarial não funciona dessa forma. Pois, muito mais dinheiro à disposição pode significar mais dividendos pagos aos acionistas ou mais recursos para uma empresa implementar protocolos de salvaguardas a fim de garantir que a vida seja respeitada em suas dependências.

A menos que, entre os motivos dos lucros, estejam a contratação de empresas desqualificadas para cuidar da segurança, a falta de investimento em treinamento de funcionários e uma política interna que proteja o patrimônio acima da dignidade humana. O que mostraria um alinhamento do grupo francês à nossa herança escravista, que ainda permite que pessoas em posição de poder sintam-se gestoras do pelourinho.

O fato é que a principal rede varejista do Brasil continua dando condições para que agressões, torturas e racismo continuem ocorrendo pelas mãos de seus funcionários. E não importa que sejam empregados diretos ou terceirizados, a responsabilidade é sempre do Carrefour.

Uma empresa à frente de seu segmento não deveria nortear só pelo faturamento, mas também pelo bom exemplo. Mas ela vem liderando pelo péssimo exemplo.

Para citar casos recentes: no último dia 7 de abril, a professora negra Isabel Oliveira foi perseguida por um segurança enquanto fazia compras no Atacadão Parolin, em Curitiba, que pertence à rede francesa. Depois, retornou ao estabelecimento e tirou a roupa em forma de protesto, mostrando a frase que escreveu no próprio corpo: “sou uma ameaça?”.

No mesmo dia, Vinícius de Paula, marido de Fabiana Claudino, bicampeã olímpica de vôlei, diz ter sofrido racismo em uma unidade do Carrefour, em Alphaville, condomínio de alta renda próximo a São Paulo. Ele teve atendimento negado em um caixa preferencial vazio, que depois aceitou uma cliente branca que também não se enquadrava nos requisitos.

Ou um caso emblemático: Em 19 de novembro de 2020, João Alberto Silveira Freitas foi assassinado em uma unidade do Carrefour, em Porto Alegre, na véspera do Dia da Consciência Negra. Imobilizado, acabou sufocado e espancado até a morte no estacionamento por um segurança e um policial militar temporário. O caso levou a empresa a fechar um acordo para mudar o comportamento em suas lojas – o que claramente não ocorreu.

E os casos não são de hoje, claro. Por exemplo, em agosto de 2009, Januário Alves de Santana, acusado de estar roubando um automóvel em uma loja do Carrefour, em Osasco (SP), foi submetido a uma sessão de tortura. “O que você fazia dentro do EcoSport, ladrão?”, perguntaram, enquanto cinco pessoas davam chutes, murros, coronhadas, na sua cabeça, na sua boca. O carro era dele, comprado em 72 vezes.

E não é só o Carrefour palco de tortura e morte

Claro que o Carrefour não é o único palco de tragédias como essas, os crimes ocorrem em outras empresas.

Em outubro do ano passado, dois homens foram torturados e extorquidos por cinco seguranças do UniSuper, em Canoas (RS), diante do gerente e do subgerente da loja, após tentarem furtar duas peças de picanha. Vítima das piores agressões, um homem negro foi colocado em coma induzido no hospital com fraturas no rosto e na cabeça. Após o espancamento, o gerente ainda tirou uma foto para comemorar.

Em abril de 2021, Bruno Barros e Yan Barros, tio e sobrinho, que furtaram carne de uma unidade do supermercado Atakadão Atakarejo, em Salvador, foram encontrados mortos com sinais de tortura e marcas de tiro. Os seguranças do mercado teriam entregue ambos a traficantes para que fossem punidos e mortos.

Em 14 de fevereiro de 2019, Pedro Henrique de Oliveira Gonzaga foi morto por um segurança do supermercado Extra na Barra da Tijuca. Ele deu uma gravata e jogou seu peso sobre o jovem negro. Pessoas alertaram que Pedro estava sufocando, mas a sessão de tortura continuou. A mãe do rapaz presenciou a cena. Pedia para o segurança parar.

Em julho de 2019, um jovem negro de 17 anos foi despido, amordaçado e chicoteado por dois capatazes após tentar um furto barras de chocolate de uma unidade do supermercado Ricoy na periferia de São Paulo. Como em Abu Ghraib, no Iraque, os próprios algozes gravaram as cenas.

Tudo isso se repete já fazendo parte da paisagem de um país definido pelo racismo em todos os níveis de suas relações sociais. A diferença é que, nos últimos anos, as agressões, que sempre ocorreram, podem ser assistidas por milhões gravadas por câmeras de segurança ou celulares.

Empresas podem ser motores do desenvolvimento social ou vetores de manutenção da violência. É hora delas apontarem de que lado querem estar. E o governo de punir economicamente as empresas e seus gestores que insistirem em ficar no segundo grupo.

Para evitar esse padrão, o governo Lula terá que buscar mudanças na legislação para aumentar a responsabilização das empresas por crimes contra direitos humanos e aumentar a atuação de auditores fiscais do trabalho sobre empresas e suas terceirizadas.

Em um momento em que vozes dentro do próprio governo sussurram medidas que significam afrouxar a punição a empresas em nome do “crescimento econômico” e da “governabilidade”, isso vai ser uma prova de fogo para um governo que se elegeu com o discurso de respeito aos direitos humanos.

Fonte: Leonardo Sakamoto Colunista do UOL

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