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Número de acidentes de trabalho cai, e especialistas veem subnotificação

Com a recessão de 3,8% em 2015, os números divulgados de acidentes de trabalho trouxeram um alento, mas que não resistiu à primeira análise mais apurada dos dados. Houve queda de 14% nas ocorrências. Foram 612.632 casos, o que significa uma redução de quase cem mil feridos em relação a 2014. Especialistas alertam que o aumento da falta de registro de acidentes — e não a recessão ou a melhoria das condições de segurança nas empresas — poderia ser a explicação para essa queda.

O número de empregados com carteira assinada, naquele ano, caiu 3,04%, bem abaixo do patamar de 14% do total de acidentes. A médica Maria Maeno, pesquisadora da Fundacentro, órgão de pesquisa em segurança e saúde vinculado ao Ministério do Trabalho, não crê em melhoria na segurança:

— Num panorama heterogêneo, como é o do Brasil, as reduções de acidentes e, principalmente, de doenças relacionados ao trabalho não seriam bruscas, pois inúmeras são as causas e atividades envolvidas nesses acidentes e doenças. Acompanhamos as evoluções das condições de trabalho e podemos afirmar que nada significativamente positivo aconteceu nos últimos dois ou três anos.

Previdência culpa greve
A Previdência Social prepara o anuário com base nas comunicações de acidente de trabalho feitas pelas empresas e no reconhecimento pelos peritos do INSS. Nesse cálculo, ficam de fora os trabalhadores informais e funcionários públicos. Vilma Santana, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), afirma que é possível constatar o sub-registro:

— Em algumas análises de ramos de atividade especificos é evidente a queda no número de benefícios e da incidência para todas as enfermidades, o que demonstra subnotificação.

O número de mortes também caiu. Foram 2.502 acidentes fatais em 2015, o que corresponde a uma morte a cada três horas e meia. O número é 11,2% menor que em 2014, mas a queda foi em ritmo inferior à dos acidentes totais. Vilma, da UFBA, que analisa os dados de acidentes no SUS, afirma que esse recuo menor é outro indício de subnotificação:

— Pode indicar que estão deixando de notificar acidentes mais leves. Os mais graves são mais difíceis de esconder.

Mas há falta de registro inclusive de acidentes com morte. Em 2014, último dado disponível, o Sistema de Informações de Mortalidade do Datasus indicava 3.614 mortes no trabalho, número 28% maior que os números da Previdência.

Benedito Brunca, secretário de Políticas de Previdência Social, atribui a queda à greve no INSS:

— As comunicações e o reconhecimento de direitos de enquadramento da doença ou acidente foram bastante afetados pela greve dos peritos, que durou de 4 de setembro de 2015 a janeiro de 2016. Entre julho e setembro, houve a greve do setor administrativo. O número de concessões de auxílio-doença caiu de 2,3 milhões em 2014 para 1,8 milhão em 2015. As concessões por acidente de trabalho caíram de 279 mil para 196 mil, queda de 29,7%. Não é o único fator, mas foi o mais relevante.

Mobilização de entidades
A insegurança no trabalho tem provocado mobilizações de entidades além dos sindicatos na defesa de segurança maior no trabalho. Foi o caso de Volta Redonda. Na cidade onde fica a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), renasceu o Fórum de Resistência, que surgiu alguns anos antes da greve de 1988, quando três trabalhadores foram mortos numa invasão do Exército para tirar grevistas que haviam ocupado a siderúrgica. Em dezembro de 2015, a companhia anunciou a demissão de 3 mil funcionários. A sociedade se mobilizou, e as demissões caíram para 700.

Vitor Raimundo Junior, do Fórum de Resistência, diz que as condições de segurança ficaram piores desde então. Ele era da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) e foi demitido este mês. O Fórum contabiliza sete mortes de 2014 a 2016: uma em 2014, duas em 2015 e quatro em 2016. E 178 acidentes de janeiro a outubro do ano passado:

— Já enviamos 12 representações para o Ministério do Trabalho e para o Ministério Público do Trabalho, denunciando os acidentes — conta Junior.

A CSN apresenta, em nota, outros números: duas mortes em 2015 e quatro em 2016 na Usina Presidente Vargas. A morte de 2014 aconteceu na unidade de Porto Real. A CSN informou que foram 155 acidentes durante o ano na siderúrgica, uma queda de 22% frente a 2015, na média do setor siderúrgico.

A expedidora Paula Valéria da Silva foi uma das trabalhadoras mortas em 2015 na CSN. Foi atropelada por uma empilhadeira. Segundo os pais, Maria Iolanda e Paulo Cezar da Silva, o sonho da filha desde pequena era trabalhar na siderúrgica. Depois de dois anos numa terceirizada da CSN, conseguiu ser contratada pela empresa e ligou imediatamente para o pai, lembra Maria Iolanda:

— Ela disse: “Pai, realizei meu sonho, consegui entrar na CSN”.

Cinco anos depois, morreu aos 35 anos, deixando as filhas Admila, de 14 anos, e Ádila, de 12 anos.

Em 31 de agosto do ano passado, um vazamento de gás atingiu quatro trabalhadores. Flávio Cambraia, montador de andaime que trabalhava numa terceirizada da CSN, foi um deles. Passou quase dois meses no hospital. Ficaram sequelas permanentes: perda de parte da memória e da memória recente. A mulher, Mirian de Souza Cambraia, parou de trabalhar para cuidar do marido, que também ficou com problemas de pulmão. A renda da família caiu de R$ 5.700 para R$ 1.800:

— Ele precisa de atenção constante. Minha filha Micaela (de 16 anos) repetiu o ano e perdeu o emprego de jovem aprendiz.

A CSN, por nota, informou que “realizou uma rigorosa investigação dos acidentes referidos e tomou as providências cabíveis para reduzir os riscos em situações desse tipo. A empresa prestou toda assistência à família de Paula Valéria da Silva, desde o acidente até a homologação da indenização”.

Em relação ao caso de Cambraia, a CSN informou que o trabalhador é terceirizado e que a empresa está acompanhando o caso.

João Carlos Cruz Cunha, de 21 anos, assistiu ao último acidente com morte na Usina Presidente Vargas, da CSN, que aconteceu em março do ano passado, quando quatro trabalhadores morreram em um incêndio, assim como João Paulo da Silva, de 22 anos. Ambos foram demitidos da CSN, por justa causa. Segundo eles, por terem filmado o incêndio.

— Estávamos tentando ajudar nossos amigos feridos, não filmamos — afirma João Carlos, que viu o segundo acidente fatal em um ano.

A CSN não comenta as demissões.

Especialistas alertam que as mudanças propostas no cálculo de seguro de acidente de trabalho e a tentativa dos empregadores de mudar as normas de trabalho em máquinas, a NR-12, podem aumentar a insegurança no trabalho. No primeiro caso, foram excluídos os acidentes de trajeto e os casos com até 15 dias de afastamento para o cálculo do seguro. No segundo caso, os empregadores querem mudar normas que estão em vigor desde 2010, negociadas entre patrões, empregados e governo.

— Há proposta de que a regra só seja aplicada a máquinas novas. Seria um retrocesso muito grande. Teríamos categorias diferenciadas: uns trabalhadores com proteção, e outros, não — afirma um auditor fiscal que não quis se identificar.

Pelos números do Ministério do Trabalho, foram 350.558 acidentes com máquinas de 2011 a 2015, com 994 mortes e 21.271 amputações. A pasta diz que os casos vêm caindo, com regras adotadas a partir de 2010, de maior proteção às máquinas.

— Acidente leve é um evento sentinela de que alguma coisa na gestão da segurança do trabalhador não está indo bem — destaca Letícia Nobre, diretora de Vigilância e Atenção à Saúde do Trabalhador da Secretaria da Saúde da Bahia.

Fonte: O Globo

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