Plataforma conecta profissionais trans e não-binários a empresas que buscam por diversidade
Plataforma que conecta banco de currículos às vagas de empresas parceiras foi responsável pela contratação de 797 pessoas trans em 2021
Em julho do ano passado, a vida de Keron Ravach, de 13 anos, valeu menos de 50 reais. A jovem trans foi assassinada a pauladas, chutes e socos em Camocim, região Norte do Ceará, ao tentar cobrar uma dívida após um encontro sexual que teve com o assassino, um jovem de 17 anos. Keron foi encontrada morta em um terreno baldio no Bairro Apossados.
Segundo levantamento quantitativo da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais, a ANTRA, Keron Ravach é a vítima fatal mais jovem do crime de transfobia e integra o registro de 140 pessoas trans assassinadas no ano de 2021. Esse ciclo de violência afeta principalmente mulheres trans e travestis, para as quais a morte costuma ser o ponto final de uma série de violências anteriores.
Há trezes anos consecutivos, o Brasil é considerado o país onde mais se mata essa população pela ONG Transgender Europe (TGEU), que reportou 375 assassinatos em todo o mundo no ano passado. Em segundo e terceiro lugar no ranking estão, respectivamente, o México e os Estados Unidos.
Márcia Rocha entendeu que a ausência de oportunidades no mercado de trabalho formal pode ser um dos fatores decisivos na perpetuação desse caminho.
Outro mundo possível
Para mudar essa realidade, a empresária convidou a cartunista Laerte Coutinho, a atriz Maitê Schneider e outros ativistas trans para dar vida ao Transempregos, maior plataforma de empregabilidade trans do País. Lançado em 2014, o projeto une um banco de currículos às vagas de empresas parceiras, além de oferecer cursos de formação e auxiliá-las na busca por mais diversidade.
Em 2021, a plataforma recebeu mais de 4.204 vagas e foi responsável pela contratação de 797 profissionais, um aumento de 11% em relação ao ano anterior, mesmo em meio à recessão econômica. Atualmente, o portal conta com mais de 21.477 usuários ativos, um crescimento de quase 300% em relação a 2020, e 1.434 empresas parceiras que oferecem vagas em diversas áreas, principalmente em tecnologia e comunicação.
Ao analisar o crescimento em meio a pandemia e à recessão econômica, Márcia o atribui a três fatores: uma pausa prolongada na contratação em 2020, oportunidades home office e a forma como empresas passaram a enxergar funcionários trans. Segundo a empresária, a ideia de que o funcionário transgênero carrega um baixo grau de escolaridade está sendo derrubada, mas ainda precisa ser combatida.
“A ideia de que pessoas trans não têm qualificação não é verdadeira. Se você pegar nossos números, verá que 38% têm nível superior ou elevado e 58% possuem o ensino médio”. Para Márcia, o discurso de que 90% das pessoas trans têm a prostituição como única fonte de renda é um recorte falso.
Vulnerabilidades
Na visão da empresária, a espera até os 18 anos para iniciar legalmente o processo de transição permite que jovens ocupem anteriormente espaços acadêmicos e invistam na formação pessoal. “Existem meninas que se assumem aos 13 ou 15 anos, iniciam a transição por conta e às vezes vão para a rua – a família não aceita. É uma parcela da população que está em extrema vulnerabilidade. Ela é grande, mas não representa a maioria”, conclui.
Marcia pontua ainda que, além do grande número de profissionais trans capacitadas, a fidelidade às organizações tem sido vista como um diferencial. “Nesse mercado volátil, o concorrente vai lá e oferece mais para o seu funcionário com qualificação. Primeiro que, não é toda empresa que vai aceitar uma trans, ainda tem muito preconceito. E em segundo, ela vai valorizar a oportunidade e buscar por estabilidade”.
Homens trans, não-binários e outras expressões de gênero também são destaque na plataforma
Minoria nos recortes de violência e invisibilizados nas maiorias das discussões que pautam a transexualidade, homens trans representam 42,2% do total de currículos recebidos pela plataforma e são maioria no mercado de trabalho.
A Transempregos também possibilita o ingresso de pessoas não-binárias ou que se identificam com outras expressões de gênero no mercado de trabalho que, ao todo, somam 15% dos candidatos. Segundo a idealizadora da plataforma, a maioria encontra espaço nas áreas de telemarketing, em grandes empresas como Vivo e Atento. A aparência ‘fora do padrão cis’ ainda é uma barreira para o grupo em outras áreas.
Fonte: Carta Capital/ na Rede Brasil Atual