Quando as piadas viram assédio: como reconhecer situações de abuso no trabalho
Conduta se manifesta por meio de gestos, palavras e comportamentos que causam dano à personalidade da vítima. Assédio moral é toda conduta que, intencional e frequentemente, fira a dignidade de uma pessoa
Omitir informações necessárias para o desenvolvimento do papel profissional de um funcionário, insultar um empregado ou expô-lo a situações constrangedoras e sobrecarregar um trabalhador com atividades para testar seu desempenho são apenas algumas das várias maneiras de assediar moralmente uma pessoa em seu ambiente trabalho.
Abusos no campo profissional existem e podem comprometer a saúde da vítima e a vida empresarial de várias formas, mas costumam ocorrer de modo velado, por isso é importante que o funcionário saiba identificar quando uma brincadeira de mau gosto e aparentemente inofensiva se torna uma expressão de assédio.
“O assédio é algo recorrente, acontece com frequência no cotidiano da vítima, ao chegar e ao sair do trabalho e ao longo do dia; é diferente de uma brincadeira ou de uma declaração pontual”, explica a psicanalista e coach de Desenvolvimento Humano Andreia Rego.
Casos recorrentes
Em fevereiro deste ano, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou o Bradesco a indenizar em R$ 30 mil, por assédio moral, uma profissional chamada de “gerente Gabriela” pelo superior. O funcionário referia-se aos versos da música Modinha para Gabriela (Eu nasci assim, eu cresci assim, e sou mesmo assim, vou ser sempre assim”) para dizer que sua subordinada era incopetente para cumprir suas metas. Na ocasião, a relatora desembargadora afirmou que a atitude do gerente “era de contínua perseguição e prática reiterada de situações humilhantes e constrangedoras, caracterizando assédio moral”.
O presidente da Sociedade Latino Americana de Coaching, Sulivan França, explica que o assédio moral acontece quando o sujeito é exposto de alguma foram negativa diante de outras pessoas.
“Há pessoas que são expostas porque são ‘gordinhas’, outras por causa de sua orientação sexual, ou mesmo por causa de sua cor e etnia”, diz.
Foi o que aconteceu com uma funcionária da rede de supermercados Extra. Em 2015, a empresa foi obrigada a pagar indenização de R$ 10 mil a uma trabalhadora que sofria discriminação por excesso de peso. Ela teve seu nome escrito em um hipopótamos de brinquedo que ficou exposto na recepção por onde passavam os trabalhadores. A juíza do caso considerou que o supermercado não adotou uma conduta firme no sentido de inibir essas práticas de mau gosto pelos seus empregados no ambiente de trabalho. Segundo várias testemunhas, brincadeiras relacionadas à condição física da empregada eram recorrentes.
Outra maneira de assediar uma pessoa em seu ambiente de trabalho é desmerecer seu trabalho, exemplifica Rego. “Há quem, em uma reunião, por exemplo, aja de maneira agressiva em relação a quem está fazendo a apresentação, falando alto, discordando do entendimento apresentado pelo funcionário responsável pela exposição e até mesmo fazendo piadas”.
De acordo com o Ministério do trabalho, somam-se a essas condutas, dar instruções confusas e imprecisas ao trabalhador, dificultar o trabalho, exigir sem necessidade tarefas urgentes, impor horários injustificados, realizar ameaças e revistas vexatórias, além de restringir o uso de sanitários, fazer críticas ou brincadeiras de mau gosto ao(à) trabalhador(a) em público e isolar a vítima.
Em 2015, as Lojas Renner foram condenadas pelo TST a pagar indenização de R$ 6 mil a um funcionário deslocado para o “cantinho da disciplina”, local onde ficavam os empregados que não atingiam metas. Na ocasião, a Sétima Turma do TST entendeu que houve danos morais ao funcionário, que também era submetido a constrangimento com cobranças indevidas e lidava com restrições ao uso do banheiro.
A tecnologia, como todos sabem, podem ser usadas para o bem ou para o mal. E-mails e aplicativos são ferramentas que também podem ser usadas para assediar um funcionário. “Há casos em que o agressor, ao fazer um comunicado à vítima por e-mail, copia outros funcionários na mensagem, criando uma plateia e expondo a vítima, e ao compartilhar um vídeo ou uma mensagem de conteúdo impróprio seja nas redes sociais, seja em aplicativos, os correlaciona com a vítima, colocando-a em uma posição constrangedora”, conta França.
Uma funcionária das Lojas Americanas viveu uma situação semelhante. Em 2015, o TST decidiu manter sua indenização, no valor de R$3.750, pela divulgação de um e-mail com conteúdo ofensivo enviado a ela. O caso ocorreu em uma loja do Rio Grande do Sul quando uma mensagem eletrônica – inicialmente enviada pela gerente local ao gerente regional para justificar a dispensa da funcionária – foi distribuída a todos os profissionais da unidade. No texto, a funcionária dizia que a loja “não precisa de pessoas assim”, que a supervisora “fazia corpo mole”, estava “desmotivando a equipe” e apresentava atestados sem motivo.
Segundo França, existe uma mentalidade de que o assédio moral só existe quando é praticado por uma pessoa de patente mais alta, mas, na verdade, pode ser protagonizado por funcionários de cargos semelhantes, que muitas vezes, podem não se dar conta de que estão cometendo assédio, prejudicando o colega e o desempenho da empresa como um todo.
Consequências do assédio
A vítima de assédio tende a se tornar introspectiva, triste e desmotivada, e isso tem reflexos diretos no seu desemprenho e na obtenção de bons resultados. “Se a vítima é uma pessoa que já sofre com complexos, sejam eles relacionados à orientação sexual ou às condições físicas, ela pode desenvolver depressão”, ressalta França.
Por isso, os profissionais que são alvo de assédio são aconselhados a conversar com o agressor e expor seus sentimentos, buscar o equilíbrio e o entendimento, antes que a situação se agrave. Se essa atitude não resolver o problema, a vítima deve buscar seu superior imediato para que ele adote um posicionamento. Mas se o abuso partir do superior imediato, a saída é buscar o auxílio do departamento de recursos humanos.
Agora se nenhuma dessas medias solucionar o problema, é importante buscar representação no sindicato, ou até mesmo no Ministério do Trabalho. Caso o comportamento abusivo do agressor seja comprovado, ele pode ser demitido e se tornar alvo de um processo disciplinar, incluindo aqueles por danos morais ou até materiais.
Mas é preciso ter cuidado. Antes de adotar qualquer medida legal, o funcionário deve ter certeza de que é vítima de assédio, ou seja, alvo de um comportamento agressivo, grave, reiterado e que têm comprometido seu bem-estar, explica o advogado Danilo Pieri Pereira, do escritório Baraldi-Mélega Advogados.
“Além disso, ele deve ter em mente que, embora as autoridades determinem que a empresa repare financeiramente os danos morais causados pelo assédio, entrar com uma ação trabalhista contra o empregador não corrige o problema”. Em outras palavras, a proteção jurisdicional tem caráter reparatório e não inibitório; o diálogo é, sem dúvida, o melhor método a ser empregado.
Trabalhar a auto-estima para descobrir capacidades, identificar qualidades e trabalhar o auto-conhecimento também é indicado à vítima de assédio. Mas se nada disso resolver, talvez a solução seja buscar um psicólogo e até mudar de empresa.
Fonte: iG São Paulo