Relatório da ‘Repórter Brasil’ sobre trabalho escravo na pecuária tem repercussão internacional
Investigações que mapearam os casos de trabalho análogo ao de escravos ligam fazendas flagradas aos maiores frigoríficos do Brasil
A oitava edição do relatório o “Monitor”, da Repórter Brasil, traz uma análise aprofundada da relação entre o trabalho escravo contemporâneo e a pecuária no Brasil – com casos de fazendeiros que usaram escravidão contemporânea e forneciam inclusive para gigantes do setor, como a JBS. O relatório teve repercussão internacional, com matérias publicadas no jornal britânico The Guardian, na agência de notícias estadunidense Bloomberg e na Reuters Foundation.
As histórias levantadas no relatório destacam como, após mais de 10 anos de políticas corporativas sendo anunciadas para enfrentar o trabalho escravo em fazendas de gado, a situação de muitos trabalhadores não mudou.
Historicamente, a maior parte dos casos de trabalho escravo acontece na região rural, e a pecuária é o setor onde o problema é bem evidente e documentado. De acordo com dados do Governo Federal sistematizados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), mais da metade dos casos de trabalho escravo flagrados no Brasil entre 1995 e 2020 aconteceu nas atividades relacionadas à pecuária.
Dez anos de escravidão
O relatório se aprofunda em diversos estudos de caso, incluindo um envolvendo seis trabalhadores – quatro deles migrantes paraguaios, resgatados de condições análogas às de escravo em 2019 da Fazenda Rodoserv IV, no município de Caracol, no Mato Grosso do Sul.
Na propriedade de Amarildo Martini, sócio do grupo “Rodoserv” – rede de postos de combustíveis e restaurantes de estrada –, os trabalhadores tinham de se abrigar em barracas improvisadas com retalhos de lona e galhos reunidos por eles mesmos. Sem acesso à água potável ou a banheiros, quatro dos funcionários da fazenda passaram dez anos submetidos a essas condições degradantes.
Segundo dados revelados pela apuração da Repórter Brasil, a fazenda forneceu gado diretamente ao frigorífico da JBS na região durante os meses de janeiro e outubro de 2019 (ano do resgate dos trabalhadores) e em fevereiro e abril do ano seguinte.
Repercussão internacional
Com essa base, a Bloomberg, publicou a reportagem Slave Labor at Brazilian Cattle Farms Focus of New Report (“Trabalho escravo em fazendas de gado no Brasil é o foco de novo relatório”, em tradução livre), destacando as dezenas de violações trabalhistas graves encontradas. A matéria ressalta a ligação entre fazendas flagradas utilizando trabalho escravo e as grandes companhias de frigoríficos brasileiras – especialmente a JBS, a maior do mundo. A agência também levantou o paralelo entre a taxa crescente de desmatamento na região amazônica e a expansão das áreas de pastagem (legais e ilegais).
“Fazendas de gado brasileiras ‘usaram trabalhadores em condições análogas à escravidão’” ou, no original em inglês,Brazilian beef farms ‘used workers kept in conditions similar to slavery’, foi o título da matéria do The Guardian – veículo parceiro da Repórter Brasil em matérias investigativas no campo.
A reportagem questiona a falta de rastreabilidade da carne processada nos frigoríficos da JBS e Minerva, citando casos de trabalho escravo em fazendas que forneceram carne para as companhias, e cobra respostas sobre a responsabilidade e a transparência das empresas na escolha de seus fornecedores.
Já a reportagem da Reuters, “JBS entre frigoríficos vinculados a fazendas contaminadas pela escravidão no Brasil” (JBS among meat firms linked to slavery-tainted ranches in Brazil, no original em inglês) enfatizou o abismo entre os bilhões de dólares de lucro dos frigoríficos brasileiros e as recorrentes condições degradantes que trabalhadores das fazendas que alimentam essa cadeia produtiva são submetidos.
Fonte: Repórter Brasil