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Seção Burnout parental: como diferenciar o esgotamento do cansaço normal?

A síndrome de burnout está listada na CID (Classificação Internacional de Doenças) como uma condição específica do contexto do trabalho. Mas o estresse crônico não gerenciado, que caracteriza o quadro, também ocorre em outras áreas da vida, inclusive a parental.

Cuidar de crianças é exaustivo, são muitas e novas demandas a todo tempo, com gestão complexa. Ao mesmo tempo, os pequenos dão sentido à vida dos pais, levando-os a querer desempenhar um bom papel como cuidadores.

Por essas questões, pesquisadores entendem que a parentalidade é capaz de produzir esgotamento, e o termo vindo do mercado de trabalho foi adotado recentemente.

Num primeiro momento, as duas formas de burnout têm características semelhantes, como sintomas físicos intensos e distúrbios do sono. Artigos que apresentam o conceito no âmbito parental falam em quatro dimensões da condição:

  • Exaustão no papel parental
  • Contraste com a figura parental anterior
  • Sentimentos de estar farto do papel parental
  • Distanciamento emocional dos filhos

São aspectos semelhantes ao burnout laboral, mas o esgotamento parental se difere pelo efeito significativo do comportamento de pais e mães em relação às crianças, com ações negligentes e até violentas.

A pedagoga e educadora parental Maya Eigenmann pondera que a agressividade não é intencional. “A pessoa com burnout não está nesse lugar porque foi fraca ou porque queira e esteja consciente de todas as questões estruturais”, diz.

Mas diante do fato, é preciso compreendê-lo e construir mecanismos para compensar a fadiga extrema e evitar a síndrome, como:

  • Praticar exercícios físicos, ioga, meditação;
  • Buscar autoconhecimento;
  • Praticar o ócio –sem cobrança de ser produtivo, pois fazer nada também é importante;
  • Se possível, compartilhar as responsabilidades, solicitar e permitir que outras pessoas participem do cuidado da criança.

Sem manejo, a situação intensifica a desconexão entre pais e filhos, porque o adulto que representa uma segurança para a criança já não está mais disponível mentalmente para ela.

Entre as consequências, Eigenmann destaca o aumento do nível de cortisol no organismo dos pequenos. “Se for de maneira constante, vai influenciar o sistema imunológico dela, atrapalhar o aprendizado e o cérebro até atrofia em casos extremos.”

Por isso, a especialista em educação positiva fala da importância da honestidade emocional, nomeando o que se está sentindo e, se possível, explicar para a criança o que está acontecendo.

Cansaço ou burnout parental?
Se cuidar de crianças é exaustivo, o que diferencia o cansaço inerente a esse papel do cansaço que leva ao burnout parental?

“No burnout, não adianta ter um tempo de qualidade. Independente disso, a pessoa vai estar se sentindo mal”, diz a psiquiatra perinatal Layla Campagnaro, do Centro de Medicina Integrativa da Pro Matre, na capital paulista.

Assim, quando o cansaço e o estresse são manejados e a pessoa sente que voltou ao equilíbrio, entende-se que é um cenário natural da parentalidade. Mas quando a tentativa de voltar aos eixos não surte efeito e os sintomas prevalecem, a síndrome é considerada.

Campagnaro explica que, por ser uma síndrome, o burnout é um conjunto de sinais e sintomas secundários ao esgotamento físico e mental. Alguns dele são:

  • Pensar ou verbalizar que não dá conta de cuidar da criança, que não consegue se aproximar dela ou amá-la como antes;
  • Evitar ficar com a criança, por saturação;
  • Distanciamento dos filhos pela exaustão emocional;
  • Sensação de perda de realização no papel de mãe ou pai.

A síndrome é sinal de que a pessoa chegou e até ultrapassou o próprio limite, podendo desenvolver doenças como depressão e ansiedade. “Se sinais se perpetuam e geram cada vez mais sofrimento, não é burnout, é comorbidade associada”, diz a psiquiatra.

Repertórios diferentes
Outra pergunta que surge é: se é difícil para todos os pais e mães, por que só alguns teriam burnout parental?

Para responder, Eigenmann recorre aos estudos sobre traumatologia e à teoria polivagal, desenvolvida pelo psicólogo e neurocientista americano Stephen Porges.

Em resumo, o nervo vago cuida da regulação do corpo e do emocional, e ele pode ser fortalecido ou enfraquecido conforme as experiências de vida.

Se uma criança cresce em ambiente acolhedor, ela vai passar por frustrações com um adulto disponível emocionalmente para acompanhá-la. “A certeza de não estar bem e ter com quem contar fortalece o tônus vagal”, ela diz.

Mas se o ambiente é repressor, sem escuta nem acolhimento, a capacidade de tolerar frustrações é menor. Os desequilíbrios da vida são mais difíceis de lidar e a regulação é mais demorada.

Por isso, na vida adulta, os desafios da paternidade ou maternidade serão encarados com menor tolerância, muitas vezes repetindo o padrão negativo vivido na infância.

“A maioria de nós passou por traumas e não tem consciência disso. Por sermos uma sociedade feita de crianças feridas que sobreviveram, temos uma sociedade extremamente violenta com as pessoas e que não pensa na família e na infância”, Maya Eigenmann, pedagoga e educadora parental.

Outra resposta vem da autocobrança e cobrança social. “O que mais ocasiona sintomas nos pais é uma expectativa muito excessiva do que é ser pai e mãe, do que é cuidar da criança, do que é cuidar da criança, da pressão que a sociedade faz para ser bons pais”, diz Campagnaro.

Sobrecarga feminina

“A gente compreende que cuidar de uma criança é, sim, um trabalho, mas não remunerado”, Layla Campagnaro, psiquiatra perinatal.

Nesse entendimento, as mulheres se sobrecarregam mais do que os homens.

Segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, com dados de 2022, as mulheres despendem quase 10 horas a mais do que os homens aos cuidados domésticos e de outras pessoas, por semana.

Se alguém que se dedica integralmente a cuidar dos filhos e da casa fosse remunerado, deveria ter um salário mensal de, no mínimo, R$ 7.392.

No doutorado, Carine Valéria Mendes dos Santos pesquisou sobre o cuidado igualitário na parentalidade e encontrou dois modelos: o do homem que assume o papel secundário nas funções —mais tradicional — e do mais participativo, que assume responsabilidades.

Ela observa que, embora eles despendam menos horas com trabalhos domésticos e filhos, a participação é efetiva quando intencional.

“À medida que os homens se implicam, não ficando em posição de assistência, eles tomam controle e não demandam tantas orientações”, diz a pesquisadora, professora no Centro Universitário Cesmac e na UFAL (Universidade Federal de Alagoas).

Santos e Campagnaro apontam que o desafio para algumas mulheres é abrir mão da posição de cuidado para permitir que o homem ou outras pessoas ajudem. Não porque querem controlar tudo, mas porque essa é a construção social a que foram submetidas.

Além disso, a sobrecarga parental tem preocupações de outra ordem quando se olha para as diferentes configurações familiares: mães solo, mulheres pretas, famílias de crianças atípicas ou em vulnerabilidade social e casais homoafetivos.

Redução de danos
As fontes ouvidas na reportagem apontam que a responsabilidade do cuidado é coletiva, não se restringe ao núcleo familiar. Algumas mudanças são necessárias:

  • Ressignificar a própria parentalidade;
  • Ampliar a participação dos homens no cuidado;
  • Discutir licença para mães e pais no trabalho;
  • Entender as crianças em seu desenvolvimento;
  • Jogar luz sobre o invisível trabalho do cuidado –que inclusive foi tema da redação do Enem deste ano.

Para Santos, é preciso também compreender o sentimento de culpa que ronda as mulheres. “Essa competição simbólica entre trabalhar e maternar faz parte dessas autoexigências que se constrói estereotipadamente sobre o que a mulher tem que fazer, como se outras pessoas não pudessem estar junto.”

Eigenmann reforça o poder da colaboração, que dá respiro a quem vive a crise emocional. Assim, outra pessoa que observa a família pode se tornar o adulto de segurança para a criança enquanto o cuidador principal não está disponível.

“E como a pessoa precisa de acompanhamento especializado, mas nem todos têm condições, a traumatologia acredita nas micro curas, em não desprezar o poder da conversa e do colo, que todo mundo poderia dar”, diz a pedagoga.

Fonte: VivaBem/UOL