Seção Coisa da cabeça? Escolhas após os 45 influenciam no envelhecimento da mente
A expectativa de vida do brasileiro segue em ritmo ascendente: cresceu 40% nos últimos 60 anos e hoje é de 77 anos, de acordo com o levantamento mais recente do IBGE, publicado em 2022.
Nada mais natural, portanto, que a geração acima dos 45 anos repense a forma de viver esse tempo “extra”, buscando novos aprendizados e reviravoltas na carreira. A boa notícia é que a ciência mostra que o envelhecimento do cérebro é muito mais influenciado por hábitos e escolhas do que pela idade de fato.
No painel “É coisa da sua cabeça”, o terceiro de VivaBem no Seu Tempo, evento realizado por VivaBem para discutir o envelhecimento sem tabus, a psicanalista Vera Iaconelli, a jornalista especialista em comportamento feminino Fabiana Scaranzi e o ator e educador físico Mateus Carrieri conversaram sobre aprendizado, carreira e equilíbrio entre corpo e mente na maturidade.
“Somos de uma época em que, quando crianças, escutávamos muito aquela frase que dava até arrepio: ‘O que você quer ser quando crescer?’ E não
sabíamos nem o que queríamos comer na próxima refeição”, disse a moderadora do painel, Camila Faus, cofundadora da plataforma SHE_Talks, ao iniciar o bate-papo. “Eu quero agora fazer essa provocação para vocês: ‘O que vocês querem ser quando envelhecer?'”
Para responder, Vera Iaconelli citou personalidades como o cantor Caetano Veloso, que, segundo ela, afirma ser curioso a ponto de querer saber como é envelhecer, e o psicanalista inglês Donald Winnicott, falecido em 1971: “Ele dizia que, quando morresse, queria morrer vivo, estar vivo até o último instante.
O que eu quero é viver até o último instante.”
“Eu quero envelhecer fazendo o que me dá prazer, o que alimenta a minha alma”, acredita Fabiana Scaranzi, que, ao contrário de muita gente, gosta de revelar seus 58 anos. “Porque isso começa a derrubar um tabu de que eu não posso estudar porque eu tenho não sei o que ou eu não posso mudar de profissão porque eu tenho não sei o que. Eu me casei pela segunda vez aos 46, fiz uma transição de carreira aos 48 anos e comecei uma faculdade aos 54.”
Mateus Carrieri, 57 anos, acredita que ainda tenha muito para aprender e fazer e é isso que nos mantém vivos, saudáveis e com a cabeça produtiva. Para o ator e profissional de educação física, a palavra-chave do envelhecimento é independência.
“Quero ser independente e comecei a me preocupar com isso. Quero ter controle de tudo que faço e não quero ser cuidado por ninguém. Quero caminhar, quero poder sentar e levantar. Seja com 60, 70, 80, 90”, Mateus Carrieri.
“Fazer 50 pra mim foi emblemático, pois comecei a fazer aquela retrospectiva de tudo que eu fiz e me dei conta que tem muita coisa ainda pra fazer. Eu não sou aquele velho que eu imaginava que ia ser. Não estou com a vida ganha aos 57: ainda preciso trabalhar muito, tenho três filhos”, contou Carrieri, que considera, inclusive, reverter uma vasectomia e já começou a pensar no que fazer dos 50 aos 100 —nos planos está ainda fazer uma faculdade de cinema.
Processo de reinvenção
Sobre a necessidade de se reinventar trazida pela vida mais longa, Scaranzi contou sobre sua transição da carreira de jornalista para psicóloga —ela está no quarto ano da faculdade.
“Sou uma pessoa intensa e tinha uma coisa dentro de mim inquieta de achar que o que me trouxe até aqui não seria o que me levaria para frente. Mas como é que eu saio de uma profissão em que eu sou reconhecida tecnicamente pelo que eu faço e ganho bem pelo que eu faço?
Eu precisava rever alguma coisa, mas não fiz isso e fui empurrando para debaixo do tapete. Até que um dia eu tive uma dor horrorosa no estômago, fui levada para o hospital e estava com uma úlcera aberta. Foi aí que comecei a racionalizar a mudança.”
Carrieri, que tem duas carreiras muito afetadas pelo etarismo, contou que sempre percebeu que precisava se movimentar porque, em algum momento, as coisas param de acontecer e ele não queria se manter estagnado, reclamando.
“Como professor de educação física, o meu próprio corpo vai me dizendo — não aguento mais dar quatro aulas de spinning como eu dava quando eu tinha 30 anos— e, como ator, apesar de uma campanha recente contra o etarismo, vejo que os personagens, influencers e pessoas mais jovens ainda têm mais trabalho.”
Convivência entre gerações
Perguntada sobre sua conexão com o público jovem, principalmente nas redes sociais, Iaconelli contou que o contato com as filhas adolescentes e ouvir o que elas têm a dizer e levar isso em consideração diariamente tem sido muito rejuvenescedor.
“Os jovens trazem o novo. Abrir-se para o que eles têm a dizer e transformar esse choque de gerações em alguma coisa produtiva, para mim, tem sido muito legal. Mas tem que aguentar o tranco porque eles falam coisas muito disruptivas”, afirmou a psicanalista.
Essa convivência e troca são fundamentais, inclusive, para combater o etarismo, de acordo com Scaranzi, que citou o caso que viralizou na internet em que jovens satirizaram uma estudante de faculdade mais velha.
“Por que que as pessoas têm que se sentir mal, estranhas, rejeitadas, esquisitas?
Por quererem estudar, por estarem aptas? Se você quiser, faça. Somos economicamente ativas. Contribuímos muito com a economia nesse país. Já estamos bem-sucedidas porque já realizamos.”
“Primeiro, eu sou velha. E tudo bem, graças a Deus, eu sou velha. É isso. Se as pessoas acham que isso é um palavrão ou não, o problema é delas, para mim não”, Vera Iaconelli, psicanalista.
Corpo e mente
Se a cabeça da geração 45+ continua a mil, muitas vezes o corpo sente a passagem do tempo. Carrieri, que trabalha os dois lados, contou que a terapia foi fundamental para ele entender que a cabeça funciona de um jeito, o corpo funciona de outro e é preciso equilibrar essa relação.
“Eu tinha, confesso, um certo preconceito com terapia. Para os homens sempre foi mais difícil assumir que não se está bem. Mas chegou um momento que eu comecei a fazer terapia por indicação de amigos. Nos primeiros seis meses, eu não me soltei, ia lá quase que por obrigação, mas depois fui me entregando e comecei a cutucar em certas coisas. Hoje, fazer terapia, está completamente atrelado ao exercício físico pra mim. Preciso ter o equilíbrio das duas coisas.”
Para Scaranzi, a menopausa foi o grande marco da diferença de disposição de cabeça e corpo. Sempre muito produtiva, passou a se sentir mais cansada.
Por isso, procurou ajuda médica e fez reposição hormonal.
Futuro longevo: otimismo ou pessimismo?
No entanto, uma pesquisa da professora de ciências sociais e comportamentais da Universidade de Yale Becca Levy mostrou que não é só o declínio físico que faz a geração acima dos 45 anos passar por situações como esquecer as coisas e ouvir mal. Seu trabalho mostra que essas questões também são influenciadas por pensamentos negativos sobre o envelhecimento.
Para finalizar o bate-papo, Faus pediu que os participantes deixassem de lado qualquer positividade tóxica ou romantização do envelhecer para responder se são otimistas ou pessimista com o futuro longevo.
Iaconelli destacou que estamos em um mundo com ameaças muito sérias para existência e questões ecológicas. “Não podemos nos fechar no nosso mundo e achar que nos bastamos. Temos que nos afetar por isso e mexer nisso e isso já implica num certo otimismo, numa certa visão de que dá pra ainda fazer alguma coisa. Isso nos move, nos faz mais atentos, mais potentes e menos passivos diante do horror.
Para Scaranzi, o otimismo ganhou espaço justamente quando percebeu que causava impacto direto nas mulheres a partir de 45 anos em transição de carreira que participavam de seu trabalho de mentoria.
“Quando vejo uma turma se encontrando, achando um norte, achando um outro sentido na vida que não tinha, então me sinto muito bem por
poder contribuir com pessoas que vão contribuir com as famílias, comunidades. Então, se cada um de nós tiver um projeto, pequeno, médio, grande, que beneficie várias outras pessoas, para mim faz mais sentido.”
“Eu acho que o pensamento otimista sempre ajuda e cada um tem alguma coisa pra contribuir, dentro da sua própria área, dentro das suas
habilidades, dentro daquilo que sabe fazer”, finalizou Carrieri.
Fonte: VivaBem/UOL