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Separar salário mínimo, aposentadoria e inflação é sonho antigo de Guedes

O ministro da Economia, Paulo Guedes, é definitivamente uma pessoa de ideias fixas.

Quer um exemplo? Vira e mexe, ele ressuscita a proposta da Carteira Verde e Amarela, regime com menos direitos que os previstos na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

A proposta é baratear a contratação para gerar empregos, ainda que a literatura econômica não reconheça uma ligação direta entre uma coisa e outra.

Basta lembrar que, uma década atrás, a formalização avançava e a desocupação no Brasil girava no patamar mínimo histórico de 5,5%, com a CLT em pleno vigor.

O ponto é que os encargos trabalhistas influenciam mais no valor dos salários do que na criação de empregos propriamente dita. Mas esse não é o assunto da coluna de hoje.

A bola da vez é o plano de Guedes para mudar a política de valorização do salário mínimo, vazado pelo jornal Folha de S. Paulo na semana passada.

Basicamente, a reposição das perdas levaria em conta o tal “centro da meta da inflação” — e não a inflação medida na ponta do lápis. Na prática, haveria grandes chances de o salário mínimo perder ainda mais poder de compra.

E qual seria o objetivo dessa manobra? Acima de tudo, suavizar o impacto orçamentário sobre as contas da Previdência e da Assistência Social.

Hoje, ninguém que recebe aposentadoria ou Benefício de Prestação Continuada — o BPC, pago a pessoas muito pobres — pode ganhar menos que um salário mínimo. Ou seja, se o valor do mínimo sobe, as despesas do governo também crescem.

No já distante ano de 2019, quando ainda gozava do status de “Posto Ipiranga”, Guedes jogou no ar a história dos 3Ds (desindexar, desvincular e desobrigar) que, nos últimos dias, voltou com força.

Era uma tentativa de reformar o orçamento do Estado, engessado por uma série de gastos carimbados por lei.

O sonho do ministro sempre foi o de quebrar o elo obrigatório entre o salário mínimo e o piso das aposentadorias e dos benefícios sociais.

Nós íamos desindexar tudo. Mantivemos a indexação do salário mínimo e dos benefícios previdenciários a pedido do presidente Bolsonaro”, confessou Guedes em coletiva no dia 5 de novembro daquele ano.

Na verdade, o plano ia além: além de permitir que aposentados recebessem menos que um salário mínimo, a ideia era congelar o valor dos benefícios por até dois anos. Nas contas da equipe econômica, seriam liberados R$ 60 bilhões para bancar o programa que sucederia o Bolsa Família, então batizado de Renda Brasil.

Por determinação de Bolsonaro, que já temia o impacto político e eleitoral da medida, o plano foi abortado. Mas o espírito do projeto continuou pairando no ar e voltou à baila às vésperas da eleição, repaginado.

Em outras palavras, é como se Guedes dissesse: “entendemos o recado de três anos atrás: ninguém vai receber menos que um salário mínimo. Mas, em compensação, não podemos garantir que o salário mínimo vá recompor as perdas causadas pela inflação, talquei?”

O ministro até vem tentando com truques retóricos amenizar a confusão criada a poucos dias do pleito mais acirrado da história do país. Mas, no fundo, tudo não passa de um grande “eu avisei”.

Ou seja, se Bolsonaro for reeleito, ninguém poderá dizer que a proposta não veio à tona nas eleições, mesmo que parcialmente desmentida por Guedes.

É o mesmo teatro que o atual presidente faz em relação ao Supremo Tribunal Federal. Num dia, morde com a possibilidade de intervir na corte máxima, aumentando o número de juízes ou destituindo desafetos do cargo. No outro, assopra com o papo de que só quer paz.

Fonte: Coluna Carlos Juliano Barros/UOL

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