Slides do governo Tarcísio têm erros de informação e português e cópias
Erros de português e de informação e falta de aprofundamento são alguns dos problemas dos slides usados nas escolas estaduais de São Paulo. É o que mostra uma análise feita pela Abrale (Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos), obtida pelo UOL com exclusividade.
O diagnóstico é que os slides do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) seriam reprovados pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) do governo federal.
O que aconteceu
A associação analisou os materiais usados ao longo de um mês nas turmas de 6º ano do ensino fundamental.
“O pedaço de carne caíram [sic] na água”, diz slide de uma aula de Língua Portuguesa. Há falhas ao explicar conceitos da disciplina como o uso de charge — o material apresenta uma ilustração e diz que é charge — e pontuação.
“Isso nos permite recomendar que todo material sofra uma análise criteriosa. É um material descartável, porque dificilmente é recuperável.” – Marcia Cecilia Condeixa, presidente da Abrale e autora de materiais educativos há mais de 40 anos
A análise feita pela Abrale envolveu autores para cada disciplina. São especialistas responsáveis pela produção de livros que passam pelo crivo do MEC (Ministério da Educação).
“O material é raso, superficial, enfadonho e prejudicial à formação da cidadania, por não fornecer textos, contextos e argumentos extraídos do mundo real — e, quando lá estão, o uso é insatisfatório.” – Abrale
Os slides são uma proposta do governo paulista para ter um material 100% digital produzido pela pasta. Em agosto, o secretário da Educação, Renato Feder, chegou a anunciar que a gestão Tarcísio recusaria os livros do PNLD — algo inédito para o estado. A decisão repercutiu mal. Especialistas e professores criticaram, e o assunto virou alvo da Justiça. O governo paulista recuou.
“Essa análise amostral dos slides do 6º ano não é pontual, nem descontextualizada. A Seduc São Paulo já foi um exemplo para o país e hoje apresenta isso aos seus alunos.” – Marcia Cecilia Condeixa, da Abrale
Capital de SP tem praia, e Dom Pedro 2º assinou a Lei Áurea — e não sua filha, Princesa Isabel. O UOL já havia mostrado ontem problemas nos slides.
Após a reportagem, a Seduc (Secretaria da Educação do Estado de SP) afastou os servidores responsáveis. Procurada novamente, reciclou a mesma nota enviada ontem ao UOL.
Veja alguns dos erros
Slides copiam textos na íntegra de outros sites e artigos, mas sem dar os devidos créditos. A situação foi observada em materiais de geografia, segundo a associação de autores de livros educativos.
Mapas com ou sem título. O material também entra em contradição ao afirmar sobre a importância de incluir títulos em mapas. Entretanto, há slides que apresentam mapas sem títulos e nem legendas.
A reportagem procurou a secretaria e citou detalhadamente cada erro encontrado. A pasta, porém, não respondeu especificamente sobre eles.
“A coordenadoria pedagógica da instituição vai reforçar a equipe de revisão para que haja aprimoramentos constantes nos recursos didáticos, sempre em total harmonia com o Currículo Paulista.” – Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
Em outro slide da aula de Língua Portuguesa, há erro de crase no enunciado da atividade — o correto deveria ser “adaptando a gíria à norma-padrão”.
Material das aulas de matemática: os especialistas analisaram que “isoladamente cada uma das falhas pode ser considerada de pouca relevância”, mas, ao olhar o conjunto de aulas, há uma série de erros e equívocos.
Um deles é o uso errado do sinal de igualdade na escrita da fração (veja imagem acima). Há também falhas ao explicar conceitos como ângulo e plano cartesiano.
A associação cita o slide acima para apontar diversos erros, como o idioma espanhol na disciplina de ciências. O uso de ilustrações e mapas em outra linguagem é motivo de reprovação no PNLD, diz a Abrale.
O texto também apresenta um erro de informação. O termo célula foi usado pela primeira vez pelo britânico Robert Hook em 1665, em seu livro Micrographia.
Em outra aula de ciências, o slide indica que a parasitose pode ser controlada com remédio. “Mas isso não acontece sempre. Entre os cães, por exemplo, a cinomose canina não pode ser curada com medicação. Ela é uma virose que depende da reação do organismo do animal para ser combatida. O melhor é prevenir com vacinação”, explica a associação.
Vacinação é ignorada. Na mesma apresentação, os alunos conhecem outras doenças, mas em nenhum dos slides é citada a prevenção com vacina.
“É inconcebível a permanência desse material em sala de aula, deformando a visão de mundo e a capacidade de continuar aprendendo de nossos estudantes, submetendo professores a corrigir textos incompreensíveis ou mesmo bizarros. Com certeza, um desvio na história da Seduc, que já viveu dias melhores.” – Abrale
“Você tem provas feitas pelo Estado que vão utilizar esse material. A gente deve se perguntar: o erro vai aparecer na prova? Se ele aparecer, é capaz de o aluno acertar. Se o erro não aparecer, o aluno também pode errar, porque não foi apresentado ao certo. É uma incidência de erros.” – Maria Cecilia Condeixa
Fonte: UOL