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Tirar leite no banheiro, peito pingando: a volta à firma para quem amamenta

Mulher utiliza bomba de extração de leite – Imagem: Asawin_Klabma/Getty Images/iStockphoto

No meu trabalho só tinha uma única sala de reunião que, além de tudo, não tinha janelas. Eu reservava para usar na hora do almoço, só que às vezes a sala já estava ocupada e eu não tinha coragem de expulsar as pessoas de lá. Aí para onde eu ia? Claro, para o banheiro, mesmo sabendo que não é recomendado”.

O relato é da assessora de imprensa Bianca Ferreira de Carvalho, 36, sobre sua dificuldade para manter a alimentação da filha, na época com quatro meses, exclusivamente com leite materno. “Me constrangia estar na cabine do banheiro e ouvir gente do lado, sabendo que estavam ouvindo o barulho do motor da bomba de extrair leite. Até hoje tenho horror desse barulho”, conta. “E se eu atrasasse no final do dia para ir embora, meu peito vazava”.

A conta não fecha. A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda, e o Ministério da Saúde também, que os bebês sejam alimentados exclusivamente com leite materno até os seis meses de idade. No Brasil, essa média é de 3 meses. Mas já foi pior: em 2006, eram 56 dias.

No entanto, a maioria das mulheres que exercem um trabalho remunerado e são respaldadas pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) voltam da licença-maternidade quando o bebê completa quatro meses. A legislação brasileira garante então que, até que o bebê complete seis meses, a pessoa que amamenta tem o direito de fazer dois intervalos de meia hora para amamentar, extrair o leite ou mesmo descansar.

No papel parece funcionar. Mas na prática é bem diferente. Ainda que a lei garanta uma hora por dia, no total, para a amamentação ou extração do leite, nada obriga que as empresas tenham uma sala específica para isso. “Há uma orientação da Vigilância Sanitária junto ao Ministério da Saúde
sobre como deve ser a sala de ordenha dentro das empresas”, explica a fonoaudióloga e consultora internacional de amamentação Kely Carvalho. A cartilha sugere, por exemplo, o tamanho que a sala deve ter, a garantia de um ponto de água para lavar as mãos e uma geladeira ou freezer para o
armazenamento do leite. “Mas esse espaço não é obrigatório. As empresas podem se organizar como quiserem”, lembra Kely.

Assim como Bianca, a professora Ana Flávia Valente Buscariolo, 41, também não tinha um local adequado para extrair o leite, mesmo trabalhando em uma escola. “Eu ordenhava na madrugada e pela manhã bem cedo”, conta. “E o leite que eu tirava na escola ia para o lixo, infelizmente, pois eu tinha que ordenhar no banheiro e a orientação que recebi era para descartar, já que não tinha a assepsia necessária”.

De fato, não é recomendado que a extração seja feita no banheiro. “Ninguém come no banheiro.

Ninguém põe um prato de comida num banheiro. Por que então um bebê pode consumir um leite tirado no banheiro?”, questiona Kely. “Mas a verdade é que muitas vezes esse é o único lugar onde a pessoa consegue tirar”. Ela lembra que a recomendação é fazer a extração em um local bem
limpo e agradável, já que o estresse influencia diretamente na produção do leite.

Além disso, é preciso lavar bem as mãos antes da ordenha, esterilizar os equipamentos todos os dias, colocar imediatamente o leite extraído em um recipiente também esterilizado e manter na geladeira ou no congelador. O transporte desse leite deve ser feito em bolsa térmica com gelo e, chegando em casa, deve ser colocado imediatamente no congelador, onde tem validade de 15 dias.

Se for na geladeira, são 12 horas.

Todos esses passos envolvem algum desafio quando se está em um ambiente que não foi pensado para isso. “Escrevi bem grande: ‘leite materno. Não mexer’. Para que não tirassem do lugar, porque mais de uma centena de pessoas usava o mesmo refrigerador”, lembra a jornalista Sumaia Villela, 35.

Ela conta que a creche onde seu filho estava matriculado não permitia nem a amamentação no local e nem o envio do leite materno. Ainda assim, ela extraía para doar. “Sentia necessidade de aliviar o peito cheio de leite. Mas o processo dava tanto trabalho que desisti”.

Do cafezinho ninguém reclama
Na semana que vem será celebrada a Semana Mundial de Aleitamento Materno, evento anual dedicado à proteção da amamentação. Neste ano, o tema será justamente a amamentação e a volta ao trabalho. “As pessoas que amamentam têm medo de, na volta ao trabalho, questionarem seus
direitos e necessidades, porque sabemos que mais de 50% delas são demitidas quando retornam da licença-maternidade”, diz Kely.

Ela se refere a um estudo realizado pela FGV-Rio (Fundação Getúlio Vargas) que aponta que metade das mulheres são desligadas das empresas até dois anos após a licença-maternidade. “Por isso ninguém fala sobre amamentação. Quem volta da licença já está com o coração apertado pensando com quem seu bebê vai ficar, como ele vai se alimentar, e ainda precisa se preocupar em pensar na estrutura da empresa para tirar leite e mandar para o bebê”, afirma a consultora de amamentação. “Por isso precisamos chamar a atenção para esse tema”.

“Eu amei amamentar meus filhos. Mas dava um trabalho surreal tirar o leite no serviço —eu também tinha medo de que, no transporte até minha casa, o leite estragasse. Isso sem falar na preocupação de não ser suficiente para alimentá-los”, diz a administradora Bianca Giopato, 34.

“Tirei leite diariamente para os dois até que eles completassem um ano, mas não entendia por que não me deixavam trabalhar de casa enquanto eles precisavam literalmente de mim como alimento”.

Esse é outro obstáculo que entra na conta da falta de preparo das empresas. “As pessoas olham para quem volta de licença-maternidade como se elas estivessem voltando de férias e precisassem voltar a uma produtividade absurda”, diz Kely. “É aquela máxima: trabalhe como se você não tivesse
filho, tenha filho como se você não trabalhasse. Isso faz com que a pessoa que amamenta se sinta pressionada e culpada por fazer pausas para ordenhar”, afirma. “Sendo que o tempo que as pessoas usam para tirar leite é o mesmo que gastam para fumar e tomar um cafezinho. Mas disso ninguém reclama”.

Fonte: Coluna Marina Rossi, no Universa/UOL

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