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132 anos de STF e nunca tivemos uma mulher negra como ministra

147 dias atrás escrevi por aqui: “o STF nunca teve uma ministra negra; Lula pode fazer história ou repeti-la”. Escolheu repeti-la. Indicou Cristiano Zanin. Perdeu a chance de ser celebrado como alguém que reduziu as desigualdades do sistema brasileiro de justiça e está sendo cobrado como quem tem uma segunda oportunidade de fazer isso. Mas, antes tarde do que mais tarde.

Se o Brasil não muda, os nossos pedidos fundamentais também não mudam. Requento as palavras de abril sobre um país que, vira e mexe, requenta os seus pactos pelo alto. Aquilo que defende Luiz Simas nunca foi tão verdade: existe o Brasil, e existem os brasis. Mas, insistimos.

O STF (Supremo Tribunal Federal) existe há 132 anos. Nesse tempo, 170 pessoas ocuparam a mais alta Corte de justiça do Brasil. Três eram homens negros. A primeira mulher, e branca, chegou apenas em dezembro de 2000.

Você leu direitinho: o ano é 2023, e nunca tivemos uma ministra negra nos mais de 130 anos de história do órgão. Quase um século e meio.

Quando chegam aos 75 anos, ministros são aposentados de suas funções. Ricardo Lewandowski deixou a Corte em maio e Rosa Weber sairá em outubro. Desta forma, duas das 11 cadeiras serão indicações do presidente Lula. Ao indicar Zanin, escolheu repetir a história no primeiro semestre. Vai fazer o mesmo dessa vez?

Em março, durante as movimentações pela primeira vaga, 87 organizações divulgaram um documento que defende a indicação da primeira mulher negra para a Suprema Corte brasileira. Diz um trecho do documento:

“Sobre o sistema de justiça que buscamos (…) a composição dos órgãos deve guardar consonância com a diversidade da população ou, noutros termos, há que se ter o máximo espelhamento das diversidades humanas do povo da Nação que se quer construir”.

Agora, duas dezenas de organizações dão movimento a uma campanha internacional que foi parar na Times Square e nas reuniões do G20, em Nova Deli, Índia. O pedido é o mesmo: uma ministra negra e progressista no STF.

Segundo a PNAD Contínua, que é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, mulheres (51%) e pessoas negras (54%) são a maioria da população brasileira. Então, até eu, que sou péssimo de matemática desde a 5ªB, sei que algo de muito errado não está nem um pouco certo. Você me entendeu, eu acredito nisso.

Inúmeras iniciativas têm buscado que os espaços de poder espelhem, verdadeiramente, o que é a sociedade brasileira. Mais feminina, mais negra. Ecoa, inclusive, já contou muitas dessas boas práticas por aqui. Não é uma tarefa fácil, nem rápida. Mas é urgente e inegociável. O Brasil do futuro só terá um futuro se fizer a sua lição de casa, que é adiada há 523 anos: que essa terra seja terra para todo mundo, não apenas para poucos alguns.

Diz a Constituição Federal:

Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

Não faltam opções que cumpram os critérios. Magistradas reconhecidas, respeitadas, com produção e atuação de excelência no campo do direito. Não sou eu que digo isso, são as próprias entidades de classe.

Para ficar em apenas dois nomes que têm sido cotados: Vera Lúcia Araújo e Adriana Cruz. Entre tantas coisas que já realizou, Vera já foi secretária adjunta de Igualdade Racial do Distrito Federal (DF) e diretora executiva da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (FUNAP).

Vera Lucia Santana de Araújo
Vera Lucia Santana de AraújoImagem: Arquivo pessoal

Já Adriana é juíza federal do Rio de Janeiro, professora, doutora, e uma das lideranças do movimento de juízes negros no Brasil. A lista é longa, o seu tempo para ler esse artigo, curto.

Se posicionar para que ao menos uma das duas vagas em 2023 seja ocupada por uma mulher negra e progressista é o mínimo que se espera de uma sociedade, de todos os segmentos dela, que esteve tão na beirada do abismo e conseguiu se salvar. Só resta saber por quanto tempo. Uma pista está nessa próxima decisão.

Fonte: UOL