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‘Grande renúncia’ no Brasil, diferente da dos EUA, é dos diplomados

Quase metade das demissões de profissionais com ensino superior no Brasil foi feita a pedido do trabalhador, mostra levantamento

A busca por melhores condições de trabalho e a possibilidade de crescer na carreira fizeram o profissional de TI (Tecnologia da Informação) Bruno Canolla, 26, trocar duas vezes de emprego no intervalo de menos de um ano. A última mudança ocorreu em maio e, assim como a anterior, partiu dele a decisão de deixar a empresa.

“Quando recebi a proposta achei o cargo mais interessante e eu ainda teria mais possibilidades de crescimento”, afirma. Atualmente, ele ocupa o cargo de coordenador de TI em uma empresa da área de comunicação visual em São José do Rio Preto e comanda uma equipe de três colaboradores.

Bruno faz parte do crescente movimento de profissionais que, por diferentes motivos, decidiram pedir demissão. E, nunca se pediu tanta demissão no Brasil quanto agora.

Levantamento da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), a partir dos dados do Caged, mostra que entre os meses de janeiro e maio deste ano 2,9 milhões de trabalhadores brasileiros pediram para sair do trabalho –34% de total de baixas na CLT. É o maior índice da série história iniciada em 2005. Na conta, não entram as demissões em comum acordo, quando a empresa e o colaborador entram em consenso e definem o encerramento do contrato.

O número aponta um aumento de 35,2% no volume de desligamentos por iniciativa do funcionário, se comparado com o mesmo período do ano passado.

O recorde anterior havia sido registrado em 2014, quando 2,7 milhões de trabalhadores com carteira assinada tinham pedido demissão de maneira voluntária.

A diferença é que em maio de 2014 a taxa de desemprego era de 7,1% –a menor para o mês. Já em maio deste ano, o índice estava em 9,8%, segundo o IBGE.

Apesar do fenômeno no mercado brasileiro coincidir com o movimento nos Estados Unidos batizado de “The Great Resignation” (a grande renúncia), a motivação do trabalhador brasileiro é diferente da do norte-americano, afirma Jonathas Goulart, gerente de Estudos Econômicos da Firjan.

Ele diz que nos dois casos, a pandemia contribuiu para uma mudança de comportamento das pessoas, sobretudo na percepção das relações de trabalho.

“A diferença é que no caso do Brasil esse movimento é mais restrito a um grupo pequeno, formado por jovens e, geralmente, pessoas com maiores níveis de escolaridade e que estão ligadas a atividades que podem ser feitas de maneira remota. Nos Estados Unidos, o movimento é mais geral”.

O levantamento aponta que, no Brasil, quase metade (48,2%) das demissões de trabalhadores de nível superior foram voluntárias. Já entre os menos escolarizados, que nem chegaram a concluir o ensino fundamental, apenas um em cada quatro pedidos de desligamento partiu do trabalhador.

Nesse sentido, se destacam os profissionais ligados à área de tecnologia. Segundo o estudo, os profissionais da informática foram o subgrupo ocupacional com maior proporção de desligamentos voluntários em 2022 (65,1%), seguidos pelos técnicos em informática (57,9%), pesquisadores (57,0%) e profissionais da medicina (56,5%).

Para o professor de economia da USP Paulo Feldmann, falhas na distribuição de renda fazem o Brasil ser um país de contradições, capaz de registrar altos índices de pobreza e de desemprego ao mesmo tempo em que um grande volume de trabalhadores optam por deixarem seus empregos.

“Somos três países em um só”, diz o pesquisador. “Dentro do Brasil temos uma Holanda, de pessoas com padrão de vida altíssimo e que encontram emprego com facilidade. Por outro lado temos a República do Congo, em que milhares de pessoas passam fome e vivem em situação de insegurança alimentar. No meio, temos a classe C, que é praticamente a Turquia, onde as pessoas não são ricas, mas conseguem sobreviver”.

Para Feldmann, dentro dessa população heterogênea é pequena a parcela que tem opção de escolha. “A grande maioria do país está completamente fora disso”.

Homens e jovens são os que mais pedem demissão

Os homens, maioria no mercado de trabalho formal, são os que mais pedem demissão, mostra o levantamento da Firjan. Desde o começo do ano, 57,3% do número total de pedidos de demissão foram de profissionais do sexo masculino, enquanto o sexo feminino representou 42,7%.

Entretanto, quando analisada a proporção sobre o total de desligamentos, as mulheres mais escolarizadas pediram demissão em 37,6% das situações de encerramento de contrato, enquanto os homens esse percentual foi de 30,6%.

Os jovens também se destacam. Dos total de contratos CLT encerrados no início do ano entre trabalhadores de idade até 17 anos, 39,4% dos pedidos partiram do funcionário. Entre os trabalhadores de 18 a 24 anos, o índice foi de 38,5%. No caso dos empregados de 50 a 64 anos, o número cai para 23,5%.

Setores aquecidos reforçam contratações

Leonardo Berto, gerente de operações da Robert Half, diz que o momento atual também é marcado por um maior protagonismo do candidato, que passou a ter mais opções de escolha, sobretudo em setores da economia que estão mais aquecidos.

Ele afirma que as empresas retardaram a recontratação de funcionários, mesmo após a retomada das atividades no final de 2020, e que essas reposições começaram a ocorrer somente neste ano. Dados do Caged mostram que, no acumulado de janeiro a maio, foram abertas 1,052 milhão de vagas no país.

“O que estamos vendo é um mercado bastante aquecido. As empresas voltaram a contratar nos mais diversos segmentos, ao mesmo tempo e em uma velocidade muito grande. Por isso, há uma busca muito intensa por profissionais qualificados”.

Segundo Berto, isso explica o alto índice de demissões voluntárias. Movimento protagonizado por pessoas que decidiram se dedicar na busca por um novo emprego, que deixaram de ver sentido no atual trabalho ou que, de fato, encontraram uma nova oportunidade.

Esse é outro ponto que distingue o fenômeno brasileiro do norte-americano, aponta o gerente de operações da Robert Half. Nos Estados Unidos, uma parcela grande de trabalhadores deixou o emprego por conta dos salários baixos e falta de perspectiva profissional para viver do auxílio federal.

“Lá fora, esse movimento é muito perceptível nos níveis de entrada, nas posições de atendimento e operacionais. No Brasil, a gente não vê esse movimento da pessoa que recebe o auxílio e pedir demissão do emprego para ficar em casa”.

Fonte: Folha de São Paulo/UOL

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