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Brasil espera taxação de super-rico enquanto Congresso vive farra do lobby

É boa notícia que a proposta do governo Lula de regulamentação da primeira etapa da reforma tributária, aquela relativa aos impostos sobre o consumo, esteja tramitando no Congresso Nacional. Mas o Brasil não chegará nem perto de justiça tributária se não aprovar a segunda parte, a que deveria taxar a renda e riqueza dos muito ricos.

O governo não deve cumprir o prazo de 90 dias, previsto na emenda constitucional da primeira etapa da reforma, para apresentar a segunda. A justificativa vai ser de que ela já está sendo entregue de forma fatiada através da taxação de fundos para super-ricos e offshores, além de medidas de desoneração de folha de pagamento.

A justificativa pode funcionar para adiar o debate da pauta espinhosa em ano eleitoral que esvazia o parlamento. Mas deputados do PT e do PSOL com quem a coluna conversou reconhecem que a taxação dos fundos não faz nem cócegas sobre o tema – historicamente caro ao críticos da desigualdade.

Essa nova etapa afetará diretamente o poder econômico, que conta com muita gente para defendê-lo, inclusive na imprensa, além dos próprios parlamentares, seus parceiros e sócios.

O país vai viver meses de lobistas gastando sola de sapato nos gabinetes de deputados e senadores para encaixar os interesses dos setores que representam na regulamentação da primeira etapa da reforma. Não será uma batalha silenciosa porque usarão a mídia para tentar convencer que seu interesse é o de todos os brasileiros. Mas, ainda assim, a batalha será menor do que a tentativa de colocar os muito ricos no Imposto de Renda, promessa de campanha de Lula.

Isentos de serem tributados pelos dividendos que recebem, os superricos no Brasil pagam proporcionalmente menos impostos que os pobres (via consumo) e a classe média (via renda). Atenção a quem parcelou seu Renegade em 24 vezes: você não é super-rico, então pode baixar as armas que não estamos falando da sua situação.

Mesmo assim, sua condição privilegiada é defendida com unhas e dentes pelos terríveis Guerreiros do Capital Alheio, membros da classe trabalhadora que vão às últimas consequências para, patologicamente, defenderem os privilégios dos bilionários e multimilionários.

Estes rangem os dentes quando ouvem que a segunda etapa da reforma tributária deve discutir a volta a taxação sobre dividendos recebidos de empresas (abolida por Fernando Henrique em 1995) e reajustar da tabela do Imposto de Renda (buscando isentar a maior parte da classe média e criando alíquotas maiores, acima de 30%, para os que ganham muito).

Vale lembrar que o próprio então ministro Paulo Guedes, durante o governo Bolsonaro, propôs taxar dividendos. Em contrapartida, sugeriu reduzir o Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas a fim de aumentar investimentos. Foi bombardeado.

O texto da primeira etapa da reforma aprovado pelos deputados e senadores aponta que caso uma nova taxação de renda gerar excedentes, eles podem ser usados para reduzir o custo da folha de pagamento e os tributos sobre o consumo. Pois é através do imposto pago na compra de produtos que os muito pobres, isentos do imposto de renda, contribuem proporcionalmente bem mais que os super-ricos.

Também de acordo com o texto já aprovado no Congresso, há a obrigatoriedade da progressividade do ITCMD, o imposto sobre heranças e doações – progressividade que já é adotada por parte dos estados. Mas isso não basta, pois ele continua com teto de 8%, enquanto as alíquotas chegam a 30% na Alemanha, 40% nos Estados Unidos, 45% na França e 50% no Japão. Taxar melhor as heranças, a grande meritocracia hereditária brasileira, é, portanto, outro tema para a segunda etapa.

Levantamento do Congresso em Foco entre deputados e senadores, divulgada em 31 de outubro do ano passado, aponta que são baixas as chances de aprovação da taxação de dividendos e de grandes fortunas.

Sim, a reforma tributária pode vir a sair da agenda porque o poder econômico não quer tributada sua riqueza e renda.

A questão é que o governo, mesmo com todas as formas de “convencimento” através de liberação de emendas e concessão de cargos, não conseguirá aprovar essa medida sem a devida pressão popular.

Por isso, se a primeira parte da reforma tributária passou meio despercebida do cidadão comum, há grande chance dessa segunda entrar em nossa discussão cotidiana através de movimentos sociais, sindicatos, coletivos. O que faz sentido porque, a depender do que acontecer (ou não acontecer), está em jogo se queremos uma democracia saudável ou a lei do mais rico.

Fonte: Coluna Leonardo Sakamoto no UOL