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Censo 2022 enfrenta ameaça de greve e desistência de recenseadores

Nas ruas há pouco mais de 20 dias, após dois anos de atraso, o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) enfrenta ameaça de greves entre os recenseadores, milhares de desistências e dificuldade para contratar novos trabalhadores.

O déficit de recenseadores prejudica o andamento da coleta, que está abaixo da média nacional em estados do Sudeste, Sul e Centro-Oeste, justamente as regiões onde o percentual de recenseadores contratados em relação ao número de vagas disponíveis é mais baixo.

O IBGE atribui a dificuldade de contratar às menores taxas de desemprego nessas regiões. Com relação às queixas dos trabalhadores, o instituto afirma que “os pagamentos aos recenseadores já foram regularizados em sua ampla maioria” e que demandas residuais estão sendo resolvidas caso a caso.

“O IBGE reconhece o papel fundamental dos recenseadores e dos outros servidores temporários para o sucesso da operação do Censo. Neste sentido, está atento às condições no processo de coleta e ao bem-estar destes servidores, respeitados os limites legais e orçamentário”, disse a autarquia, em resposta à BBC News Brasil.

Programado para acontecer em 2020, o Censo teve de ser adiado por conta da pandemia de covid-19. Em 2021, sofreu novo adiamento, por falta de orçamento – mais de 90% da verba prevista foi cortada na tramitação da lei orçamentária no Congresso.

Após determinação do STF (Supremo Tribunal Federal), o governo federal liberou R$ 2,3 bilhões para a realização da pesquisa, valor 26% menor que os R$ 3,1 bilhões inicialmente previstos.

‘Se não formos ouvidos, vamos parar’

Lucas Ferreira, da União dos Recenseadores de Salvador, é um dos trabalhadores que participam da mobilização da categoria por direitos.

Os recenseadores da capital baiana realizaram uma assembleia virtual no último domingo (21/8) e planejam uma manifestação nesta sexta-feira (26/8), às 9h, na sede do IBGE no bairro de Nazaré, em Salvador.

“A greve será em último caso. Estamos tentando um diálogo com o IBGE, lançamos uma carta aberta ao presidente nacional da fundação e estamos pedindo que o instituto olhe para nossa situação”, diz Ferreira.

“Mas, realmente, se não formos ouvidos, pretendemos fazer um movimento paredista, não só na Bahia, mas um movimento nacional”, afirma.

Segundo o representante, os três principais problemas enfrentados pelos recenseadores são atrasos nos repasses do auxílio-deslocamento, demora no pagamento por setores já concluídos pelos recenseadores e atraso na remuneração referente ao período de treinamento.

“Aqui em Salvador, o IBGE pagou uma média de R$ 40 para que o pessoal pudesse se deslocar durantes os 22 dias de trabalho. Muitos não receberam ou só receberam na primeira semana e depois mais nada. Quando cobramos, eles dizem que vão depositar e pedem para que continuemos a trabalhar, mas não temos mais dinheiro, não temos como tirar do nosso bolso para exercer uma função do IBGE”, diz Ferreira.

Os recenseadores também afirmam que falta clareza com relação à remuneração.

A remuneração da categoria é variável, dependendo do número de entrevistas e horas trabalhadas. Eles só recebem após a conclusão de cada setor, que passa por uma supervisão antes da liberação do pagamento, num processo que pode levar até 15 dias.

“Quando começamos a trabalhar, eles vieram com um regra que não tinha, que para podermos receber precisamos ter 95% de conclusão [do setor]. Meu setor são 600 domicílios, então se eu não fizer 570, eu não recebo meu dinheiro. Parece uma cilada para não pagar a gente. Sempre tem uma desculpa”, reclama o trabalhador temporário.

Ao longo desta terça-feira (23/8), chamados para greve passaram a pipocar nas redes sociais em diversos outros Estados, a exemplo de São Paulo e Rio de Janeiro, onde há previsão de protestos no próximo dia 1º de setembro.

Mais de 6 mil recenseadores abandonaram seus postos De acordo com o IBGE, mais de 160 mil recenseadores já foram contratados e outros 10 mil estão em treinamento. Até o momento, 6.550 rescisões foram registradas em todo o país.

Conforme o instituto, as rescisões representam menos de 5% do total de contratados e estão dentro do previsto.

Entre os fatores citados pelos recenseadores que estão abandonando seus postos estão a insuficiência de ajuda de custo para a realização do trabalho (como auxílio transporte e alimentação), atrasos nos pagamentos, além de episódios de ameaças, racismo e assédio sexual.

Milena Martins, de 25 anos e moradora do Rio de Janeiro, pediu seu desligamento após realizar pouco mais de 30% das entrevistas de seu primeiro setor, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

“Eu cheguei a ser seguida na rua por um homem. Um outro rapaz quis me agredir. E, por último, o que de fato motivou minha saída foi um rapaz que disse que daria entrevista, mas estava com as mãos para trás”, conta a ex-recenseadora.

“Ele perguntou diversas vezes para que servia o IBGE e se a pesquisa tinha motivação político-partidária. Eu expliquei que não, mas ele me mostrou que tinha um porrete nas mãos, o que é considerado uma arma branca. Ele começou a me ameaçar, dizendo que se tivesse alguma pergunta de política, era para eu ficar esperta. Eu tentei manter a calma até o final, mas me senti paralisada e desesperada. Então decidi pedir demissão, na minha primeira semana de trabalho, porque acho que minha vida vale mais do que qualquer salário.”

Milena avalia que o treinamento que ela recebeu foi insuficiente para lidar com as situações que enfrentou em campo.

E que a falta de divulgação sobre o Censo 2022 contribui para a resistência da população em responder, num momento em que proliferam os golpes no país, o que deixa muitas pessoas desconfiadas de compartilhar informações pessoais.

“Acredito que não houve uma divulgação adequada, o que pode ser um resultado da falta de verbas. Se tivesse uma divulgação mais ampla, a população estaria mais confiante de que aquele é um trabalho sério, que acontece a cada dez anos, e não teríamos todo um trabalho de ficar reexplicando a cada casa”, afirma.

Dificuldade para preencher vagas

Gabriela Santiago, de 23 anos e moradora de Duque de Caxias, conta que só não desistiu ainda porque não tem outra opção, mas avalia que as condições de trabalho dos recenseadores estão longe do ideal.

“Fiz meu treinamento em julho e deveria ter recebido uma ajuda de custo na semana de treinamento, mas só recebi um mês depois. O IBGE está muito enrolado na questão dos pagamentos, ninguém sabe informar como e quando vai ser”, critica a trabalhadora.

Ela afirma que, na sua região, havia uma promessa informal de que os recenseadores receberiam por uma parte do serviços ao concluírem 50% do setor. Mas, segundo ela, depois isso mudou e os supervisores passaram a exigir conclusão de 100% para liberação do pagamento, que acontece somente após o processo de supervisão, num prazo de até 17 dias.

“Ficou muita gente desmotivada e muita gente desistiu. Aqui onde eu moro, está toda hora abrindo vaga, porque muita gente está desistindo”, afirma.

Além das desistências, o IBGE tem enfrentado dificuldade para preencher vagas.

Dados internos do instituto, aos quais a BBC News Brasil teve acesso, mostram que a média nacional de recenseadores contratados, em relação ao número de vagas, estava em 76% no último dia 16 de agosto.

Em nove Estados, o percentual de contratação está abaixo da média nacional. As piores situações acontecem no Mato Grosso (51%) e São Paulo (57%), mas também estão abaixo da média: Espírito Santo, os três estados da região Sul, Mato Grosso do Sul, Goiás e Rondônia.

“[Sudeste, Sul e Centro-Oeste] são regiões historicamente com taxas de desemprego menores. Como de praxe nos Censos, os processos seletivos seguem em andamento também durante a operação censitária”, disse o IBGE, em nota, quando questionado sobre o baixo preenchimento de vagas nessas regiões.

Até o dia 17 de agosto, quase 17% da população já havia sido recenseada. As regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste concentram a maior parcela de Estados abaixo dessa média.

A evolução do Censo estava indo em ritmo parecido com o de 2010 até a segunda semana da pesquisa em campo, mas recentemente perdeu ritmo. Naquele ano, 27% da população já havia sido recenseada a essa altura, contra 18,6% até o último dia 18.

“São épocas distintas, muito diferentes (2022 e 2010). Os problemas atuais, especialmente os observados nas três regiões acima citadas, não são os mesmos de 12 anos atrás”, disse o IBGE, sem dar mais detalhes sobre quais são os problemas atuais.

Racismo, assédio e fake news

Além dos problemas de segurança, trabalhadores do Censo têm relatado episódios de racismo e assédio sexual.

Em Belo Horizonte, Augusto César Carvalho foi vítima de racismo no seu primeiro dia de trabalho. No grupo de troca de mensagens de um condomínio no Sagrada Família, bairro onde vive há 30 anos, foi compartilhada a sua foto, para que os moradores soubessem quem iria entrevistá-los.

Uma moradora comentou que Augusto, que é negro, tinha “pinta de assaltante”. O caso foi denunciado pelos outros vizinhos, segundo o jornal Extra. Carvalho foi à Delegacia Especializada de Crimes Raciais e registrou boletim de ocorrência.

Em Jequiá da Praia, litoral sul de Alagoas, um homem foi preso pela Polícia Civil suspeito de tentativa de estupro contra uma recenseadora, conforme jornais locais.

Segundo o IBGE, em casos de agressão, ofensa ou outro tipo de violência, cabe à unidade estadual do instituto monitorar caso a caso. “A unidade estadual onde eventualmente há ocorrência é orientada a informá-la. O que é informado é encaminhado aos órgãos de segurança. Se necessário, o recenseador receberá apoio da área médica e social”, informou o órgão.

A recomendação do IBGE ao recenseador é registrar em delegacia um boletim de ocorrência e comunicar ao coordenador ou ao supervisor para as providências cabíveis.

O instituto ressalta ainda que agentes, pesquisadores e recenseadores são servidores públicos federais e, por isso, crime contra eles são sujeitos a investigações federais com base na Constituição.

Por fim, um último problema que vem afetando a coleta do Censo em 2022 são as fake news, notícias falsas que têm circulado entre a população, descreditando o trabalho do IBGE.

Um exemplo é um áudio de WhatsApp que circulou em Curitiba, dizendo aos moradores de condomínio para não abrirem as portas a ninguém, pois bandidos teriam falsificado coletes e crachás usados pelos recenseadores para realizar assaltos.

O IBGE admite que o problema tem atrapalhado a coleta de dados, mas dentro do esperado.

“O IBGE faz esforços de esclarecimentos tanto junto aos condomínios, quanto junto à imprensa em geral, em alguns casos, com apoio de agências de checagem”, informou o instituto, sobre como está combatendo as fake news e a resistência da população a responder à pesquisa.

Fonte: UOL/texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil62654676

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