Globo é condenada por misoginia ao impor ‘padrão de beleza’ e discriminar repórter
Em uma decisão inédita, a Globo foi condenada a indenizar a jornalista Veruska Donato por impor uma “ditadura da magreza” que a deixou doente. É a primeira vez que a emissora é punida por estabelecer um “padrão Globo de beleza”, interpretado pela Justiça como prática misógina. A Globo também foi condenada a reconhecer uma série de direitos trabalhistas e poderá ter que desembolsar pelo menos R$ 3,5 milhões. A emissora não comentou. Veruska deixou a Globo em novembro de 2021, após ficar 77 dias afastada com síndrome de burnout (estresse e esgotamento físico devido a trabalho desgastante). Em janeiro do ano passado, ela entrou com uma ação trabalhista acusando a emissora de misoginia (ódio às mulheres) e etarismo (preconceito por idade).
A jornalista, que trabalhou na casa durante 21 anos, queixou-se que, ao se aproximar dos 50 anos de idade, passou a receber críticas da chefia da área de figurino “quanto a flacidez, ruga ou gordura fora do lugar”. Esse “ambiente misógino” a levou a “apresentar variação de humor com agressividade, isolamento, irritação, ansiedade e depressão”.
Os advogados de Veruska, Carlos Daniel Gomes Toni e Kiyomori Mori, anexaram ao processo um comunicado interno, distribuído em 2017 pela direção de Jornalismo de São Paulo, que listava regras de beleza apenas para mulheres, desde a cor de esmalte até a vedação do uso de franjas, porque dariam um “visual frágil e infantilizado”.
O documento recomendava também que se evitassem roupas de tecido aderente, pois marcam “um estômago mais avantajado e barriguinhas persistentes”.
Em sentença proferida na última segunda-feira (1º), o juiz Adenilson Brito Fernandes, da 37ª Vara do Trabalho de São Paulo, reconheceu que “a perseguição estética [da Globo] importava na ditadura da magreza”, configurando “misoginia intolerável”, e a condenou por dano moral, estabelecendo uma indenização de R$ 50 mil para Veruska. Escreveu o juiz na sentença:
O empregador pode impor padrões mínimos em seu ambiente de trabalho, mas não pode exigir condutas, comportamentos, padrões de vestimenta, de peso, de idade, aparência, de cor do cabelo, penteado, etc., pois isso tem a ver com autodeterminação individual e privada do trabalhador. Ainda que existam estudos, estatísticas de que a televisão pode ditar padrões, esse tipo de conduta se encontra superado atualmente, o próprio reclamado [Globo] tem procurado se adaptar a essas mudanças.
Para o magistrado, documentos e testemunhas do processo permitiram “concluir pela existência de discriminação face às mulheres” por “sexo, idade (etarismo), peso, cor, hipóteses de misoginia intolerável, evidentemente, já que toda forma de discriminação está proscrita desde o texto constitucional”.
“Fiquei convencido de que houve invasão e violação dos direitos de personalidade da reclamante [Veruska], como tais, o de intimidade, da vida privada, à honra e à integridade físico-mental”, concluiu o juiz.
Apesar de considerar a “culpa patronal grave” e a “gravidade da patologia”, Adenilson Brito Fernandes estipulou a indenização em apenas R$ 50 mil. Para o advogado Carlos Daniel Gomes Toni, experiente no ramo trabalhista, indenizações baixas por danos morais são comuns na Justiça Trabalhista, pois visam efeito pedagógico, e não meramente punitivo. Ele vai recorrer do valor.
Justiça reconhece direitos trabalhistas
A Justiça do Trabalho também declarou nulo o contrato de prestação de serviços como pessoa jurídica (PJ) que Globo e Veruska mantiveram entre abril de 2002 e junho de 2019 e determinou que a emissora anote esse período em sua carteira de trabalho, com um salário mensal final de R$ 52.582.
Para o juiz, sua sentença não afronta decisões recentes do STF (Supremo Tribunal Federal) e STJ (Superior Tribunal de Justiça), considerando legais relações chamadas pejotizadas, porque no caso de Veruska Donato havia claramente uma situação de subordinação, não de terceirização.
“O conteúdo jornalístico pertence com exclusividade à direção do reclamado [Globo], é este quem dita e determina o que será ou não veiculado, determina quais matérias serão preparadas, se serão exibidas ou não, edita, determina seu refazimento e etc.
Logo, não há autonomia, nem liberdade nesta tarefa”, defendeu Adenilson Brito Fernandes.
Assim, Veruska irá receber adicional por tempo de serviço, residuais de aviso prévio e 13º salário, vale refeição, FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), multa de 40% sobre o saldo do FGTS, horas extras, intervalos de refeição e adicional noturno.
Os direitos incidirão sobre os últimos cinco anos de relação trabalhista contados a partir da data de protocolo da ação, em janeiro de 2023. O juiz estimou a indenização em R$ 3,5 milhões, mas segundo os advogados de Veruska, esse valor é extremamente conservador, mais para estipular honorários advocatícios, e deve ficar acima de R$ 8 milhões.
Nem todas as indenizações pedidas por Veruska foram concedidas pela Justiça. Ela queria a nulidade de sua dispensa da Globo, o que o juiz não aceitou, pois foi dela a decisão de se demitir. O juiz também a condenou a pagar R$ 5 mil de multa por litigância de má-fé, porque seus advogados tentaram desqualificar testemunha da Globo, o que foi considerado um “incidente processual”.
A sentença determinou ainda que a Receita Federal e o INSS sejam oficiados para que a Globo seja multada pelo não recolhimento de impostos e contribuições previdenciárias nos 17 anos em que Veruska foi PJ.
Após deixar a Globo, Veruska se mudou para Campo Grande (Mato Grosso do Sul) e trabalhou durante dois anos como apresentadora da Record local. Atualmente, ela atua como assessora da Tereza Cristina (PP).
Procurada, a Comunicação da Globo afirmou que a emissora não comenta casos subjudice. Cabe recurso.
Fonte: Notícias da TV no UOL