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Mil denúncias de escravidão estão paradas devido a protesto de auditores

Pelo menos mil denúncias de casos de trabalho análogo ao de escravo deixaram de ser apuradas, desde janeiro, por conta de protesto de auditores fiscais do trabalho. Eles exigem que o governo federal cumpra um acordo firmado com a categoria em 2016. A demora em resolver o impasse pode levar a consequências “catastróficas” na avaliação da sociedade civil.

Auditores que atuam no combate à escravidão afirmaram à coluna que os grupos e profissionais dedicados ao tema nas Superintendências Regionais do Trabalho nos estados estão paralisados. E das cinco equipes nacionais do grupo especial de fiscalização móvel, apenas três estão operando – e parcialmente.

Outras 200 denúncias estão em triagem, o que pode aumentar o número de casos não fiscalizados. Minas Gerais, São Paulo, Pará, Rio de Janeiro e Goiás são as unidades com maior quantidade de denúncias não atendidas.

De acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), houve uma redução de 65% nas ações de enfrentamento ao trabalho escravo em fevereiro deste ano se comparado ao mesmo mês em 2023.

A maioria das denúncias se refere a atividades de safristas de curta duração que, por isso, demandam rápido atendimento.

“É importante entender que boa parte do trabalho escravo ocorre em atividades sazonais. E uma denúncia que não for averiguada em tempo útil está definitivamente perdida, ou seja, o trabalhador vai perder seus direitos e ponto. Não haverá nenhuma reparação do dano sofrido.” A avaliação foi feita à coluna por Xavier Plassat, coordenador da campanha nacional da Comissão Pastoral da Terra para a erradicação desse crime.

Ele explica que cerca de 30% dos resgatados em lavouras em 2023 foram encontrados entre janeiro e março. E dois terços dos mais de 600 escravizados na cana-de-açúcar ganharam a liberdade nos primeiros três meses do ano.

“Essa paralisação, resultado de uma mobilização justa por parte dos auditores fiscais, vai ter consequências definitivamente catastróficas, sem possibilidade de ser remendadas, porque não se recupera o que foi impossível de fiscalizar no tempo adequado”, afirma.

Esta coluna já havia adiantado, em janeiro, que auditores fiscais do trabalho que atuam no combate ao trabalho escravo estavam entregando seus cargos e que, com isso, operações de resgates de trabalhadores iriam ser suspensas na maior parte do país.

A principal demanda dos auditores é a regulamentação do bônus de eficiência, que pode aumentar a remuneração deles diante do cumprimento de metas de produtividade, acordado em 2016. Isso equipararia a categoria a outras no governo. Também pedem o aumento dos recursos à Inspeção do Trabalho e a melhoria das condições de trabalho.

Além do combate ao trabalho escravo, outros setores da fiscalização trabalhista também estão com atividade reduzida.

A coluna apurou no governo federal que a questão da regulamentação está pronta para análise da Casa Civil.

“Não dá para entender. Em dezembro, foi fechado acordo salarial com a Polícia Rodoviária Federal, que foi usada para tentativa de golpe de Estado pelo governo anterior, mas as categorias que resistiram ao processo de desconstrução, como nós e as equipes do Ibama e do ICMBio, estão sendo ignoradas”, afirmou à coluna um auditor fiscal do trabalho envolvido na mobilização.

No Concurso Nacional Unificado, o governo abriu 900 vagas para repor o déficit de auditores fiscais do trabalho. O salário inicial é de R$ 22.921,71.

Brasil flagrou, em 2023, maior número de escravizados desde 2009
O Brasil encontrou 3.190 trabalhadores em condições análogas às de escravo em 2023. O número é o maior desde os 3.765 resgatados em 2009. Foram 598 operações de fiscalização e mais de R$ 12 milhões de verbas trabalhistas pagas nos resgates, dois recordes no período de um ano, segundo dados da Coordenação-Geral de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravizado e Tráfico de Pessoas (CGTRAE) do Ministério do Trabalho e Emprego.

Com isso, o país ultrapassou 63,4 mil trabalhadores flagrados desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, base do sistema de combate à escravidão no país, em maio de 1995. A totalização está passando por revisão e pode oscilar para cima.

A atividade de onde mais trabalhadores foram resgatados foi o cultivo de café, seguida pelo plantio de cana-de-açúcar. Mas considerando a quantidade de operações de resgate, a atividade econômica campeã foi a criação de bovinos de corte, seguida por serviços domésticos. Goiás foi o estado com o maior número de resgatados, acompanhado por Minas Gerais.

Desde a década de 1940, a legislação brasileira prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir); servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas); condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) e/ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

Fonte: Coluna Leonardo Sakamoto no UOL