68,2% das juízas do Trabalho já sofreram com alguma atitude discriminatória, aponta pesquisa
53,9% alegaram terem sido vítimas de microagressões e 39,4% de agressões verbais, sendo os advogados os principais agentes desse tipo de violência
Uma nova edição da pesquisa “Dificuldades na carreira das magistradas da Justiça do Trabalho”, divulgada no último mês pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT), retrata as dificuldades das mulheres que trabalham no Judiciário trabalhista. O levantamento é uma continuidade ao primeiro estudo, realizado em 2019. A pesquisa foi coordenada pela ministra Kátia Magalhães Arruda, o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O estudo aponta que 68,2% das juízas do Trabalho já sofreram atitudes discriminatórias no exercício do cargo. 53,9% alegaram terem sido vítimas de microagressões e 39,4% de agressões verbais, sendo os advogados os principais agentes desse tipo de violência. Além disso, 39,4% declararam ter sofrido violência psicológica e 5,3% algum tipo de assédio sexual, apontando os juízes como principais responsáveis pelas agressões.
Diante dos dados, a ministra Kátia Arruda, ressalta a importância da pesquisa para entender os desafios enfrentados pelas magistradas e subsidiar a formulação de novas políticas públicas de atenção às magistradas.
“Precisamos fortalecer o combate à discriminação e promover a igualdade de oportunidades, garantindo um ambiente de trabalho seguro e justo para todas as profissionais”, pontuou. “Superar essas dificuldades permitirá ampliar a presença feminina, não apenas no ingresso como magistradas, mas também na promoção e ocupação de cargos de direção nos tribunais”, completou.
Um dos dados do levantamento aponta que em relação à autodeclaração de raça/etnia apontam que 79,4% das magistradas da Justiça do Trabalho se declaram como brancas, 12,6%, negras pardas. Apenas 2,1% se declaram negras pretas, 1,9% se identificam como amarelas e 0,4%, indígenas. No levantamento de 2023, eram 79,7% brancas, 15% pardas, 0,1% pretas, 1,3% amarelas e 0,2% indígenas.
(Foto: Reprodução)
Nesta edição, há uma abrangência nacional e a participação expressiva de magistradas de todos os Tribunais Regionais do Trabalho. “Essa nova edição permitiu compreender de maneira articulada os múltiplos fatores que influenciam a carreira das magistradas, destacando tanto avanços institucionais recentes quanto a persistência de desigualdades”, dizem os organizadores.
A pesquisa contou com a participação de 749 respondentes, o que representa 35,5% do universo das magistradas trabalhistas cadastradas na base de dados (2.107). As respostas abrangeram magistradas vinculadas a todos os TRTs do país.
A maioria das magistradas respondentes da Justiça do Trabalho se concentra nas etapas iniciais e intermediárias da carreira: 45% atuam como juízas substitutas e 43,8% como titulares de vara. Apenas
11,2% alcançaram o cargo de desembargadora.
Violência
Sobre a violência, as atitudes discriminatórias aparecem como a ocorrência mais frequente, assinalada por
511 magistradas (68,2%), seguidas pelas microagressões, com 404 respostas (53,9%). A violência psicológica e a agressão verbal registram percentuais próximos — 298 (39,8%) e 295 (39,4%), respectivamente —, enquanto o assédio sexual é indicado por 40 magistradas (5,3%).
68,2% relataram já ter sofrido esse tipo de violência de gênero no ambiente de trabalho. Sobre os agentes de discriminação, o maior percentual é atribuído a advogados, com 32,9%. Em seguida, destacam-se os magistrados, com 18,8%. As partes ou testemunhas do sexo masculino também aparecem de forma relevante, com 15,1%, e os servidores homens representam 8,8% dos casos.
Nos últimos cinco anos, 5,3% das magistradas trabalhistas respondentes relataram ter sofrido assédio sexual no ambiente de trabalho, enquanto 94,7% negaram ter sofrido tal experiência.
Perfil das magistradas
De acordo com a pesquisa, 70,1% das magistradas possuem entre 41 e 60 anos, sendo 37,7% entre 41 e 50 anos, e 32,4% entre 51 e 60 anos. 15,4% declararam ter entre 31 e 40 anos, enquanto 14% estão
acima de 60 anos. Apenas 0,5% têm entre 20 e 30 anos. Em comparação a 2019, a faixa etária compreendida entre 31 e 50 anos representava 70,5% das respondentes.
O estado civil das respondentes é majoritariamente de magistradas casadas (60,7%) e em união estável (12,3%). O número de magistradas separadas ou divorciadas é 15,9%, o de solteiras é 9,6% e o de viúvas é 1,5%. 98,7% são mulheres cisgênero (aquelas que nasceram com sexo biológico feminino e se identificam com o gênero feminino), com apenas 1,2% respondentes que preferiram não informar e 0,1% que se identificam como gênero fluido/não binário (pessoas que não se identificam com um papel ou identidade de gênero).
A pesquisa aponta, ainda, a alta incidência de magistradas nascidas em São Paulo, com 23%, seguidas por
nascidas no Rio Grande do Sul, com 13%, e em Minas Gerais, com 10,5%. Abaixo dos 10% e acima dos 5% estão Bahia, com 7,2%, Rio de Janeiro, com 6,8% e Paraná, com 5,9%. Os números revelam que a maioria das respondentes residia nos estados do Sudeste e Sul antes de ingressar na magistratura, com destaque para São Paulo, que concentra 25,2% do total.
Perfil socioeconômico
Sobre o perfil socioeconômico das magistradas da Justiça do Trabalho, a pesquisa aponta que 94,7% já havia exercido alguma atividade laboral antes de ingressar na magistratura do trabalho, com apenas 5,3% sem experiência profissional remunerada anterior. A maioria das respondentes ingressou na magistratura após terem ocupado postos com remuneração relativamente alta: 61,8% recebiam mais de 5 salários mínimos. Outras mulheres, no percentual de 22,7%, situavam-se na faixa de 3 a 5 salários mínimos, enquanto apenas 15,5% tinham renda entre 1 e 3 salários mínimos.
“Esses dados indicam que o acesso à magistratura tende a ocorrer entre mulheres que já possuíam inserção profissional bem remunerada, sugerindo barreiras socioeconômicas para quem parte de patamares de renda mais baixos”, diz a pesquisa.
A maioria das magistradas da Justiça do Trabalho respondentes, que afirma ter união estável ou estar casada, possui cônjuges com profissões de alto prestígio e estabilidade, sendo a mais frequente a de magistrado(a), em 34,8% dos casos, seguida por profissionais autônomos (23,2%), servidores públicos federais (9,8%) e empresários(as) (8,7%).
Questionadas sobre onde se graduaram em direito, 49,7% das magistradas respondentes disseram ter feito o curso em uma instituição pública e 46,2% em instituições privadas. Ainda, 3,9% disseram que estudaram em instituições privadas com o apoio de políticas públicas de financiamento, e 0,3% em instituições públicas com apoio de políticas de cotas ou ações afirmativas. A maioria (61%) buscou algum tipo de pós-graduação, prevalecendo a especialização (36,8%). O mestrado (17,1%) e o doutorado (4,7%) apresentam taxas menores que a formação lato sensu.
A maioria das respondentes declarou não ter deficiência: são 719 mulheres, o que representa 96% do total. Um reduzido número de magistradas (3,3%) se identificaram como pessoas com deficiência (PcD), enquanto 0,7% preferiram não informar.
Saúde mental
82,4% assinalaram possuir alguma condição relacionada à saúde mental. As mais frequentes condições de saúde que surgiram para as mulheres respondentes após o ingresso na magistratura trabalhista são estresse (58,1%), ansiedade (55,9%), insônia (46,1%) e esgotamento emocional (39,8%).
Com incidência um pouco menor, mas não menos significativa, foram relatadas dor crônica (23,6%), depressão (23,1%) e burnout (18,4%). Em valor inferior ao correspondente a dez por cento, figuram síndrome do pânico (8,5%) e fobia social (6,9%). Assim, apenas 17,6% afirmaram não apresentar nenhuma das condições listadas. Somente 3,1% das respondentes afirmaram que foram diagnosticadas antes do ingresso.
Maternidade
A grande maioria das magistradas respondentes tem filhos ou enteados (80,1%), com predominância das que têm dois filhos (41,1%), seguidas pelas que têm um (24,8%), três (10,5%) e quatro ou mais (3,6%). Cerca de um quinto das respondentes (19,9%) declararam não ter filhos.
Entre as magistradas que responderam possuir filhos ou enteados, prevalece (61,3%) a assunção da maior parte ou da totalidade da responsabilidade, dentre as quais 25,3% se identificam como principais responsáveis e 36% afirmam se encarregar da maioria dos cuidados. Apenas 25% relatam uma divisão igualitária das tarefas.
Fonte: ICL Notícias