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Do enriquecimento que empobrece o país ao alimento que sobra, mas não chega à mesa

Para o professor Ladislau Dowbor, casos como o do ministro da Economia escancaram o rentismo e a fuga de capitais, inclusive por quem deveria estimular o investimento

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Dinheiro brasileiro em paraísos fiscais, como ocorre com Guedes e Campos Neto, corresponde a pelo menos um terço do PIB – Jorge Araújo/Fotos Públicas

O professor Ladislau Dowbor considera “vergonhoso” o fato de o ministro da Economia (Paulo Guedes) e o presidente do Banco Centra (Roberto Campos Neto) terem dinheiro escondido no exterior. “Não é ilegal, mas seguramente não é legítimo: só não é ilegal porque quem faz as leis são eles. Trata-se de uma máquina de canalização de capitais brasileiros para paraísos fiscais, o BTG Pactual, do qual o Guedes foi co-fundador, tem dezenas de filiais de paraísos fiscais, e presta serviços de descapitalização do Brasil. É um enriquecimento que empobrece o país”, afirma.

Casos que estão longe de ser isolados. Dados de 2012 indicam um estoque de meio trilhão de dólares de dinheiro brasileiro em paraísos fiscais. Recursos que não vão para o setor produtivo e não pagam imposto, lembra o professor. “É fuga de capitais, por parte de quem deveria estimular o investimento dentro do país.”

E a pobreza brasileira não se explica por falta de recursos. Dowbor observa que a soma do Produto Interno Bruto (PIB), considerando a atua população, proporcionaria uma renda aproximada de R$ 11 mil por família. Da mesma forma, apenas grãos o país produz mais de 3 quilos/dia por pessoa. “Não é falta de alimento, é falta de vergonha.”

Chamávamos de “selvagem” o capitalismo do século passado. Mas, como o senhor já observou, aquele capitalismo pelo menos investia. O atual não investe, não produz e não paga imposto. Conseguimos piorar o que já não era bom?

A revolução digital está abrindo outros caminhos, em que se ganha mais dinheiro com atividades meio do que com atividades fins. Quem produz sapatos pode estar explorando os trabalhadores para aumentar os seus lucros, mas para explorar um trabalhador é preciso pelo menos gerar um emprego, e produzir alguma coisa que possa ser vendido.

É o que chamávamos de acumulação do capital. A agiotagem generalizada que se instalou no Brasil permite ganhar dinheiro com dinheiro dos outros, e permite explorar as pessoas endividando-as, sem precisar gerar emprego nem produto. Isso vale hoje para uma série de setores da economia imaterial, como intermediação comercial e de comunicação.

Os juros sobre o rotativo do cartão atingiram no Brasil 339% em fins de outubro. No Canadá, 11% ao ano. É rentismo, acumula fortunas pessoais, não capital produtivo. Vejam a revista Forbes sobre os 315 bilionários brasileiros.    

O recente episódio envolvendo o ministro da Economia, Paulo Guedes, além do presidente do Banco Central, reforça essa questão da opção capitalista por paraísos fiscais, entre outras modalidades?  

Os dados que temos sobre dinheiro brasileiro em paraísos fiscais, pesquisa da Tax Justice Network de 2012, indicavam que o estoque era da ordem de 520 bilhões de dólares, cerca de um terço do PIB do país. Não produz e não paga imposto. Segundo o Financial Times (24 de outubro), “talvez o mais preocupante seja o que os Pandora Papers dizem sobre a relutância dos ricos da América Latina em investir em seus próprios países.

A OCDE cita um valor de € 900 bilhões [R$ 6,3 trilhões] — em ativos latino-americanos mantidos no exterior”. É fuga de capitais, por parte de quem deveria estimular o investimento dentro do país. O ministro diz que devemos ter confiança na economia, e coloca o seu dinheiro no exterior.   

Ainda sobre esse caso, Paulo Guedes, justamente o ministro da Economia, seria um “entusiasta”, digamos assim, da economia improdutiva? 

O ministro da Economia e o presidente do Banco Central participarem da farra de dinheiro escondido no exterior sob nomes fictícios (Dreadnought no caso do Guedes) é simplesmente vergonhoso. Não é ilegal, mas seguramente não é legítimo: só não é ilegal porque quem faz as leis são eles.

André Esteves foi preso, e rapidamente solto. Trata-se de uma máquina de canalização de capitais brasileiros para paraísos fiscais, o BTG Pactual, do qual o Guedes foi co-fundador, tem dezenas de filiais de paraísos fiscais, e presta serviços de descapitalização do Brasil. É um enriquecimento que empobrece o país. Essa é a origem do ministro da Economia.  

E o que dizer do movimento do câmbio, que beneficia donos dessas contas (como a da próprio Guedes), muitas vezes por ações ou declarações de autoridades?  

O câmbio que desvalorizou o real torna mais rico quem tem dinheiro em dólar no exterior. Mas também torna mais lucrativo exportar do que produzir para o mercado interno. Isso leva a que a agroindústria trabalhe para mercados externos, e desabasteça a população.

Com o dólar nas alturas, e a lei Kandir, que isenta de tributos a produção para exportação, aumenta a exportação de alimentos e gera-se a inflação de alimentos no mercado interno. A fome está atingindo 19 milhões de pessoas, sendo que 116 milhões ora têm, ora não têm comida (insegurança alimentar). Só de grãos o Brasil produz 3,2 quilos por dia por pessoa. Não é falta de alimento, é falta de vergonha. 

Nos últimos anos, o Brasil viu novamente crescer o número de pessoas com fome ou em situação de insegurança alimentar. Ao mesmo tempo, tem uma enorme extensão de solo agricultável sem uso. O problema não é então por falta de alimentos, mas resultado de uma opção econômica? 

O Brasil tem, junto com as savanas africanas, a maior reserva mundial de terras paradas. Temos mais de 200 milhões de hectares de solo agrícola, cultivamos apenas 63 milhões, somando agricultura temporária e permanente.

Proprietários de imensas áreas nem produzem nem deixam produzir, deixam valorizar. É especulação imobiliária, hoje em expansão com grilagem descontrolada. O solo agrícola subutilizado no Brasil equivale a 160 milhões de hectares, cinco vezes o território da Itália.   

Da mesma forma, o sr. já afirmou que o problema brasileiro não é falta de dinheiro, considerando os valores do PIB e o tamanho da população. O “parasitismo” se alimenta da desigualdade?

Os crediários comerciais e os juros bancários permitem a apropriação de recursos da população sem precisar produzir, são atravessadores comerciais e financeiros. Como a especulação financeira rende mais do que o investimento produtivo, o país está se desindustrializando. O único setor produtivo que funciona é o de exportação de produtos primários, que deixa tragédias ambientais, não paga impostos, e gera pouco emprego.

Mas se dividirmos o PIB de 2020, 7,5 trilhões de reais, pela população de 212 milhões, o que produzimos hoje é equivalente a 11 mil reais por mês por família de quatro pessoas: dá para todos viverem de maneira digna e confortável, bastando para isso uma moderada redução da desigualdade.

Nosso problema não é econômico, no sentido de falta de recursos. É um caos em termos de organização política e social. Por exemplo, bastaria tirar a lei Kandir, e ficaria mais proveitoso os traders de produtos agrícolas abastecerem o mercado interno. Sabemos o que deve ser feito pela nação, mas os grupos no poder preferem encher os bolsos. Podem fazê-lo de maneira legal, como no caso das privatizações, pois são eles que fazem as leis. 

Fonte: Rede Brasil Atual

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