Endividamento bate recorde de 79%, e despesas diárias são maior causa
O número de brasileiros endividados atingiu novo recorde em agosto, passando de 78% para 79% do total de famílias no País, segundo pesquisa divulgada pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo).
Há um ano, esse número era de 72,9%. Da mesma forma, aumentou o porcentual de inadimplentes (aqueles que têm contas em atraso) — de 29% para 29,6% (ante 25,6% em agosto de 2021), também o pior patamar da sondagem, iniciada em 2010.
Esses resultados aparecem num momento de inflação ainda próxima de dois dígitos e de alta de juros, o que compromete o orçamento do brasileiro e, segundo especialistas, pode afetar a trajetória de retomada da economia depois do impacto da covid-19.
“Principalmente depois dos dados do último PIB (referentes ao 2.º trimestre), sabemos que o crédito tem sido uma via relevante para dar suporte ao consumo, tanto que o endividamento vem crescendo desde o ano passado”, disse Ízis Janote Ferreira, economista da CNC. Ela ressalta que o alto endividamento pode comprometer a capacidade de consumo, principalmente, no ano que vem. “Chega uma hora que esgota.”
Num ciclo virtuoso de emprego e renda, o crescimento do endividamento não representaria, necessariamente, um problema. Ao contrário, poderia significar mais consumo, especialmente de bens duráveis como carros e eletrodomésticos, cujas vendas costumam ser parceladas pelos consumidores. O preocupante no cenário atual é que o mercado de trabalho tem até gerado empregos, mas com salários menores.
Segundo Ízis, a pesquisa tem mostrado que o aumento do endividamento foi uma das formas encontradas pelo consumidor para tentar manter as despesas correntes.
Isso aparece, por exemplo, quando se considera o prazo médio de novos financiamentos. Há um ano, esse número equivalia a 7,3 meses. Pela pesquisa de agosto passado, caiu para 6,8 meses, o que indicaria crescimento maior nas modalidades de empréstimo de curto prazo.
“Não é crédito pessoal ou para comprar bem. É crédito de prazo curto, no cartão e no carnê de loja, para suportar o consumo de itens mais básicos, não duráveis, do orçamento do dia a dia. Não é para trocar de carro nem para comprar eletrodoméstico”, afirmou ela.
Para Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec, a elevação do Auxílio Brasil para R$ 600 deverá aliviar as finanças das famílias mais pobres até o fim do ano. O movimento de esgotamento tenderá a ficar mais para 2023.
“Vamos ter de esperar para ver como ficará o Auxílio Brasil no ano que vem. O mercado de trabalho tem tendência de melhora.”
Carnês e cartões de loja crescem como opção, mas requerem atenção
O uso de carnês e cartões próprios de varejistas tem crescido como modalidade de crédito nos últimos meses, em detrimento de instrumentos puramente financeiros, mostram os dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
É mais uma opção para os consumidores fecharem as contas com o orçamento apertado, mas também requer atenção das famílias para evitar a desorganização das contas.
Em agosto, 19,4% das famílias endividadas recorreram a carnês e cartões de lojas do varejo, aumento de 0,5 ponto porcentual ante julho.
O cartão de crédito segue como principal modalidade de endividamento, com 85,3% em agosto, mesma proporção de julho, mas 3,5 pontos porcentuais abaixo do registrado em abril, desde quando vem caindo.
Segundo Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec, parte desse movimento é estrutural e tem mais a ver com a estratégia dos varejistas do que com a demanda por parte das famílias. Diante dos juros altos, as empresas do varejo estão fugindo dos serviços de financeiras e têm aproveitado a diversificação dos serviços financeiros por parte de bancos digitais para oferecer crédito e parcelamentos diretamente aos consumidores.
Para o consumidor, a retomada do crediário direto com os lojistas se tornou “mais uma alternativa de pedalar o orçamento”, disse Braga. “Virou mais uma fonte para ele tentar sobreviver no curto prazo”, completou o professor, ressaltando que essa fonte de crédito também tem limites, embora ele afirme que esse esgotamento deverá ficar para 2023.
No caso de Ana Félix, de 54 anos, o crédito foi a saída para lidar com as complicações vindas depois de ficar desempregada por conta da pandemia. Hoje, ela trabalha de domingo a domingo para pagar as contas. De segunda a quinta-feira, dá expediente como vendedora no Centro do Rio. De sexta a domingo, é cuidadora de idosos.
“A pandemia atrapalhou muita coisa. Fiquei parada, ficamos em casa sem trabalhar, aí as contas vão se transformando em uma bola de neve”, relatou Ana. “Estou inadimplente. Minha prioridade é pagar conta de luz, água, telefone e cartão de crédito”, reconheceu.
Alta de alimentos tira item supérfluo da lista de compras de brasileiro
Os consumidores brasileiros planejam ampliar gastos com bens nos próximos meses, mas o aumento dos preços de alimentos é o principal obstáculo enfrentado pelo brasileiro para exercer esse seu desejo de consumo, segundo uma pesquisa da empresa de consultoria e auditoria PwC Brasil.
Apontada por 67% dos entrevistados, a inflação de alimentos obriga os consumidores a direcionar uma parte maior do orçamento doméstico para os itens essenciais, em detrimento dos supérfluos. O segundo e terceiro entraves às compras mais mencionados por consumidores foram questões relacionadas ao frete, como descumprimento de prazo (queixa registrada por 44% dos entrevistados), e demora na entrega (43% de citações).
“Isso começou em dezembro, e o mercado sentiu bastante isso: a troca de itens, sempre por produtos de menor valor agregado, de menor custo, até o consumidor ou parar de consumir o produto ou, então, ficar só com uma coisa, o valor dele reduzido”, afirmou Luciana Medeiros, sócia da PwC Brasil.
Os alimentos comprados em supermercados para consumo no domicílio acumularam um aumento de 17,37% nos 12 meses encerrados em agosto, segundo os dados do IPCA-15, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já o preço do óleo diesel, que afeta o custo do frete, apresentou uma elevação de 58,81% no período de um ano, de acordo com o IPCA-15.
Além da inflação de alimentos e de problemas na entrega, Luciana lembra que os consumidores também sentiram os impactos da desorganização da cadeia de suprimentos sobre a experiência de consumo em alguns segmentos, como a falta de produtos ou filas de espera, especialmente por automóveis e equipamentos eletrônicos.
Segundo a empresa de consultoria e auditoria, ainda assim as perspectivas são positivas para o varejo no médio prazo. No Brasil, 70% dos entrevistados afirmaram terem aumentado suas compras online durante a pandemia, e 55% dos consumidores declararam que ampliarão ainda mais essas compras nos próximos seis meses, enquanto 36% esperam manter os níveis atuais. Um terço dos entrevistados (34%) planeja expandir seu consumo em lojas físicas, e 45% preveem manter o nível atual de consumo.
A ampliação de medidas de transferência de renda para a população deve beneficiar mais a aquisição de itens essenciais do que supérfluos, como o segmento de alimentos, avaliou Luciana.
Fonte: UOL/informações são do jornal O Estado de S. Paulo