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Fazendeiros são multados por pulverização de agrotóxicos que atingiu criança no MA

Sem licenciamento ambiental, atividade de fazendeiros foi embargada e emitida infração no valor de 273 mil reais

André Lucas, de 7 anos de idade, sofreu graves queimaduras por todo o corpo em razão da pulverização de agrotóxicos sobre roças e casas na comunidade de Araçá, no município de Buriti, no estado do Maranhão.

Com a repercussão nacional e internacional do caso, foram realizadas reuniões no local e nesta quarta-feira (5), sem descrever nomes, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) informa que responsáveis pela Fazenda São Bernardo, Belém e Brejão, propriedades da família de sojicultores Introvini, “não possuíam licenciamento ambiental da atividade de pulverização aérea, o que motivou embargo da atividade e também auto de notificação e infração no valor de 273 mil reais”.

A situação, apesar de grave, não é isolada no estado. Além de Araçá, onde vive o menino André Lucas, as comunidades de Carranca, Capão, Belém, Angelim, Cacimbas, Mato Seco, Brejinho e Baixão também são afetadas pela pulverização e outros impactos como problemas ambientais e a precarização das condições de vida e trabalho de famílias camponesas.

A partir do dia 21 de abril, lideranças do povoado de Carranca e Araçá, com o suporte do Programa de Assessoria Rural da Diocese de Brejo (PAR) e da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Estado do Maranhão (Fetaema), assumiram a missão de fazer chegar a todas as autoridades de fiscalização e controle, bem como movimentos populares ligados ao campo, os impactos sofridos pelas comunidades em razão do lançamento de agrotóxicos sobre o plantio de soja da Fazenda São Bernardo, no município de Buriti (MA), por vias terrestres e aéreas.

Nos documentos, endereçados a órgãos como Secretaria de Segurança Pública, Ministério Público, Defensoria Pública, Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Conselho Nacional de Direitos Humanos, o sojicultor Gabriel Introvini, proprietário da Fazenda São Bernardo é apontado como suspeito pela pulverização, além de outros conflitos relacionados que adoecem pessoas e animais há cerca de quatro anos, mas intensificados nos últimos dias.

Em razão disso, foi pedida a imediata suspensão do lançamento de agrotóxicos, além do levantamento das condições das lavouras de soja e demais culturas que fazem uso da mesma prática no município, vistorias e estudos técnicos do nível de contaminação do solo e das águas, com as devidas medidas de correção. 

Morador do mesmo povoado de André Lucas, Araçá, o pequeno produtor Edmilson Silva lamenta a situação e alega abandono, em benefício de grandes fazendeiros da região, que utilizam o mecanismo na tentativa de expulsá-los da região.

“Tem criança aqui que já está dando febre, e a gente não pode dar queixa em Buriti porque não adianta nada. Aqui a nossa cidade é do grande produtor, não é do lavrador. Quem manda aqui é o grande fazendeiro (…) eles estão fazendo isso para o povoado se manifestar e ir embora, deixar para eles. Tem idoso aqui, de 90 anos, 70 anos, crianças, todos estão sentindo esses impactos aqui”, explica Edmilson.

Em registro de 2017, Vicente de Paulo apresenta roça de feijão que teria sido destruída por tratores da família Introvini / Geraldo Iensen

No povoado de Valença, a vista do quintal do senhor Vicente de Paulo Costa Lira é um extenso plantio de soja, de onde ele explica que já perdeu as contas de quantas vezes viu despejarem veneno e que nesses dias os sintomas envolvem tontura, dor de cabeça, ânsia de vômito, entre outros.  

“De janeiro para cá, não tenho nem as contas de vezes que eles jogaram veneno aqui, inclusive eles chegaram a abastecer a máquina que coloca o veneno bem aqui na minha porta mais de uma vez. Eu considero isso uma pressão, estou sendo pressionado por todos os lados. É um fedor insuportável, a gente suporta, porque de qualquer maneira estamos sendo obrigados a suportar tudo isso aqui”.

Além da imediata suspensão do lançamento de agrotóxicos, a Fetaema e o PAR pedem também a não renovação de licenças ambientais de empreendimentos agrícolas que façam uso do herbicida Glifosato até completo levantamento de contaminação e que não se admita mais o seu uso por meio de aeronaves, adotando medidas de fiscalização e controle. 

O advogado da Fetaema Diogo Cabral, que junto ao Programa de Assessoria Rural da Diocese de Brejo acompanha as comunidades pelo menos desde 2016, é responsável pela escuta às comunidades e trâmites judiciais. Ele explica que o Programa assiste também lideranças alvos de ameaças, como é o caso do senhor Vicente de Paulo Costa Lira, denunciado criminalmente pela família Introvini

“Além das ameaças, há também ações de criminalização contra o senhor Vicente de Paulo. Incrivelmente, o André Introvini [filho de Gabriel Introvini] denunciou o senhor Vicente, que é um dos maiores defensores do Cerrado por ter cometido supostamente crime ambiental. E qual o crime ambiental? Roça e alimentação para a subsistência”, informa o advogado.  

Denúncias

O Conselho Nacional de Direitos Humanos, de posse das denúncias, comunicou a instauração de procedimento para acompanhar a questão no dia 26 de abril, por meio do Processo SEI nº 00135.208378/2021-67 e requereu aos órgãos Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Maranhão (AGED) e Secretaria de Agricultura, Pecuária e Pesca (SAGRIMA), além do gabinete do governador Flávio Dino, no prazo de até dez dias corridos, que fossem informadas e comprovadas documentalmente as providências adotadas sobre o caso, considerando haver comprovação de que os órgãos já estão devidamente cientes das denúncias.

A Defensoria Pública do Maranhão, por meio do Titular do Núcleo de Direitos Humanos (NDH/DPE-MA), o defensor Jean Nunes reforçou à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais (SEMA) a necessidade de cumprimento de condicionantes do licenciamento ambiental, bem como a proibição de despejo de agrotóxicos sobre residências de pessoas, lembrando que o não cumprimento configuram infrações penais, ambientais e administrativas no caso.

Ainda no documento, datado de 23 de abril, a DPE-MA requereu ao órgão a imediata suspensão do uso de agrotóxicos por parte do sojicultor Gabriel Introvini e demais envolvidos e instauração de procedimento que afira o descumprimento das condicionantes do respectivo licenciamento ambiental expedido pela SEMA, com pedido de resposta sobre medidas adotadas no prazo de 24 horas. 

Inclusive, nesta quarta (5), a Defensoria Pública e a Fetaema informaram que ingressaram com ação judicial em favor das comunidades Carranca, Araçá, Capão e Angelim, localizadas na comarca de Buriti. Entre os dias 18 e 20 de maio, está prevista uma visita do defensor público Jean Nunes às comunidades atingidas. 

Em nome da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais (SEMA), o Superintendente de Recursos Florestais Fábio Sousa informa que na época de emissão das licenças ambientais emitidas à Fazenda São Bernardo, não foram constatados impedimentos, mas com as novas informações, será enviada equipe para avaliação técnicas e providências necessárias.

“Lembrando que as licenças emitidas, são provenientes de documentação legal apresentada pelo empreendedor no âmbito do processo de licenciamento e, na época, a análise técnica ambiental não encontrou nenhum impedimento para a emissão das mesmas. Contudo, fatos supervenientes não impedem novas ações da Secretaria. Vamos enviar uma equipe ao local para apurar a informação, levantamento de dados e tomada das ações pertinentes”, garante Fábio Souza.

Representando a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop), o Superintendente de Proteção e Defesa dos Direitos Humanos Vitor Hugo Moraes explica que com a intensificação de conflitos na região, a secretaria tem atuado em conjunto com outros órgãos do estado, do município, federais, movimentos populares e representantes das comunidades.

Alinhamento

Para isso, foi realizada uma reunião de alinhamento nesta segunda-feira (3), onde juntamente com movimentos populares, representantes das comunidades e também forças do estado, foram elencados encaminhamentos emergenciais e, posteriormente, segundo a Sedihpop, será elaborado um diagnóstico e plano de trabalho.

“Será elaborado um relatório, um diagnóstico sobre a situação completa do conflito socioambiental e a partir disso, as secretarias do estado conseguirão planejar a curto, médio e a longo prazo ações para poderem ligar com as demandas das comunidades tradicionais da zona rural de Buriti”, explica Moraes.

As denúncias e a publicização do caso pela Fetaema e pelo Programa de Assessoria Rural da Diocese de Brejo deram notoriedade e maior atenção ao caso, que gerou uma Nota de Repúdio assinada por mais de 70 entidades, entre elas a  Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

Estado do Maranhão é o segundo maior produtor de soja do Nordeste / Divulgação

Omissão

As comunidades denunciam que a situação é de conhecimento público, e que apesar de inúmeras solicitações, não há fiscalização por parte de órgãos da União ou do Estado do Maranhão no uso e no controle dos impactos ambientais de herbicidas, tal como o glifosato, usado no cultivo de soja transgênica no estado. 

Grupos de estudos também já alertaram para os impactos, a exemplo da publicação do Relatório de Pesquisa sobre Conflitos Socioambientais do Leste Maranhense, produzido pelo Grupo de Estudos Rurais e Urbanos do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFMA. 

O material de estudo aponta como principais impactos a destruição de amplas áreas de chapada, contaminação de recursos hídricos e de áreas utilizadas para produção de alimentos pelos camponeses, destruição de nascentes, assoreamentos de cursos d’água e outros. 

Consultada sobre fiscalização e possíveis autuações neste ou em algum outro momento à Fazenda São Bernardo, a Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Maranhão (AGED) não se pronunciou até a publicação desta matéria.

Alvo de denúncias, família Introvini administra propriedades em Mato Grosso do Sul e no Maranhão / Canal Rural

Família Introvini

Gabriel Introvini é o matriarca da família Introvini, composta por produtores tradicionais na cultura do algodão no Mato Grosso do Sul, que desde 2003 investe no plantio de soja no município de Buriti, na mesoregião leste do Maranhão.

Em consulta online, constam mais de 250 registros envolvendo o nome da Fazenda São Bernardo, que vão desde as denúncias por pulverização de agrotóxicos até desmatamento ilegal e tentativas de apropriação de áreas de comunidade quilombola e extrativista. 

Relatório do observatório sobre o agronegócio no Brasil, “De olho nos ruralistas”, Gabriel Introvini compõe a lista dos maiores multados no Pantanal nos últimos 25 anos, com as mais expressivas autuações por desmatamento emitidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

Matéria produzida pelo observatório destaca que o sojicultor recebeu uma multa de R$ 1.498.100,00 por desmatamento em Coxim (MS), em abril de 2006. No mês seguinte, uma operação conjunta do Ministério Público e da Polícia Militar impediu o desmatamento de uma área de 512 quilômetros em Buriti, alvo de conflitos até hoje.

No povoado de Brejão, em Buriti, área suspeita de grilagem foi desmatada para plantio de soja / Mayron Régis

Atualmente, o Fórum Carajás denuncia o desmatamento de cerca de mil hectares de terra, suspeitas de grilagem em Buriti, por parte da família Introvini. Considerada a última grande área de Cerrado no município, o desmatamento impacta diretamente a bacia do Rio Munim, um dos mais importantes da região do baixo Paranaíba.

O pesquisador e presidente do Fórum Carajás, Mayron Régis explica que a entidade tentou impedir o desmatamento, apresentando denúncias para apuração da suposta grilagem, mas o pedido não foi acatado e seguem as ações de desmatamento.

“A gente suspeita que é uma área pública, e que eles estavam grilando uma área pública, então entramos com um pedido no Iterma para verificar e anular a documentação, mas o Tribunal de Justiça do Maranhão considerou que a documentação deles é válida e estão desmatando”, denuncia.

Brasil de Fato tentou contato com responsáveis pela Fazenda São Bernardo, sem êxito. Também entrou em contato com Gabriel Introvini sobre o teor das denúncias por e-mail, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

Fonte: Brasil de Fato

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