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Resgatados do trabalho escravo no Rio recebem maior indenização já paga

Uma operação realizada no Rio de Janeiro resultou no maior valor já pago individualmente em verbas rescisórias a trabalhadores resgatados da escravidão contemporânea, segundo dados da área de inspeção do trabalho do governo federal. As duas vítimas estão recebendo juntas R$ 655,2 mil – um teve direito a R$ 364,5 mil e outro a R$ 290,7 mil. Além disso, também vão ganhar R$ 20 mil cada por dano moral individual.

Naturais de Exu (PE), terra de Luiz Gonzaga, atuavam como vigia e montador de cestas básicas. Ambos trabalhavam e moravam em um galpão usado na organização e venda de cestas sob responsabilidade da empresa Asa Branca Comércio de Gêneros Alimentícios, no Jardim América, na zona norte da capital fluminense. O bairro sofre influência de grupos milicianos.

A ação foi empreendida por auditores fiscais do trabalho da Superintendência Regional do Trabalho no Rio, pelo Ministério Público do Trabalho, pela Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal. Desde 1995, quando o governo federal criou o sistema público de combate à escravidão, mais de 56 mil pessoas foram resgatadas dessas condições.

A fiscalização apontou que os dois estavam em condições degradantes e submetidos a jornadas exaustivas. Trabalhavam há mais de cinco anos no mesmo galpão, mas a relação deles com os empregadores teria começado em 2007.

De acordo com o auditor fiscal do trabalho Alexandre Lyra, um dos coordenadores da fiscalização, o alojamento dos trabalhadores era um local com pouca iluminação, cozinha improvisada e extremamente sujo. Fezes e urina de gatos, com um odor muito forte, tornavam penosa a permanência.

“O vigia disse que não tinha opção: ou morava com os gatos ou com os ratos, porque sem os gatos, os ratos faziam a festa”, afirmam os fiscais. Como só havia uma cama, o outro trabalhador dormia no chão sob panos ou sacos de arroz e se cobria com papelão quando fazia frio. Às vezes, descansava sobre as pilhas de cestas básicas.

Para o gerente da empresa, Jussiê Severo, os dois trabalhadores não estavam em situação análoga à escravidão. Afirma que os dois resgatados são primos dele e que escolhiam, “por questão de economia”, dormir na empresa e não comprarem camas. “Eles são migrantes nordestinos e economizavam para voltar para casa”, afirma.

Severo diz que vivia nas mesmas condições dos dois. “Eu também sou um trabalhador escravo”, afirma. O gerente diz que queria ajuda-los e os trouxe para perto. “Mas não tenho condição de ficar fiscalizando 24 horas como eles vivem”, diz.

Longas jornadas, pouco descanso

A operação verificou mais de 100 pessoas trabalhando no galpão – apesar de, no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), haver o registro de apenas três, de acordo com Lyra. Desses 100, dois estavam em condições análogas às de escravo.

A longa jornada de trabalho ia das 7h às 18h, com poucos minutos de pausa para o almoço. A prática, contudo, extrapolava esse período, sem o pagamento de horas extras, com jornadas noturnas e os trabalhadores à disposição do empregador. Apesar de receber por produção, não tinham direito a férias e trabalhavam todos os dias sem descanso semanal.

Ao final, a equipe obrigou os empregadores a contratarem legalmente todos os funcionários e garantiu todos os direitos aos dois escravizados.

Além dos valores pagos como verbas rescisórias, que inclui o que foi negado durante o tempo de relação com o empregador, o Ministério Público do Trabalho fechou um acordo com a empresa para o pagamento de mais R$ 20 mil de dano moram individual a cada um e R$ 500 mil de dano moral coletivo, a serem revertidos em projetos para a coletividade.

O processo de pagamento das verbas rescisórias e os danos morais começou no dia 5 de julho. Eles devem receber em três parcelas e o pagamento será monitorado pelo MPT.

Após os resgates, os trabalhadores foram acolhidos pela assistência social pelo projeto Ação Integrada. Também foram inscritos no programa de seguro-desemprego dos resgatados do trabalho escravo, tendo direito a três parcelas de um salário mínimo.

Trabalho escravo hoje no Brasil

De 1995, quando o Brasil reconheceu diante das Nações Unidas a persistência do trabalho escravo em seu território e o governo federal criou o sistema nacional de verificação de denúncias, até o final do ano passado, mais de 56 mil trabalhadores foram resgatados segundo dados do Radar SIT – Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, ligado ao Ministério da Economia.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

Trabalhadores têm sido encontrados em fazendas de gado, soja, algodão, cana, café, frutas, erva-mate, batatas, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordéis. A pecuária bovina é a principal atividade econômica flagrada com trabalho escravo desde 1995.

Fonte: Blog do Sakamoto/UOL

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