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Padaria investigada por elo com o PCC levou 14 multas trabalhistas em cinco meses

Ponto conhecido de frequentadores de Santa Cecília e Barra Funda, bairros centrais da capital paulista, a Padaria Iracema causou espanto entre clientes ao ter seu nome mencionado como uma possível lavanderia de dinheiro para o PCC (Primeiro Comando da Capital). O caso veio à tona na Operação Carbono Oculto, deflagrada no final de agosto.

Os problemas associados à padaria, que conta com cerca de 160 funcionários e funciona 24 horas por dia, não param por aí. Entre janeiro e maio deste ano, o estabelecimento foi alvo de uma ampla fiscalização do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego).

A operação constatou uma gama de irregularidades, como horas extras acima do limite permitido, expedientes aos domingos sem as devidas folgas e pagamento de salários diferentes para pessoas com as mesmas funções. No total, 14 autos de infração foram lavrados pelos auditores fiscais.

A relação com o PCC é apontada pelo MPSP (Ministério Público do Estado de São Paulo) no âmbito da Operação Carbono Oculto, realizada em conjunto com autoridades federais. O inquérito revela a infiltração do crime organizado em toda a cadeia de produção e adulteração de combustíveis, além de fraudes fiscais e uso de fintechs e empresas de outros setores, como padarias, para ocultação de patrimônio ilegal.

Oito meses antes, auditores fiscais do Ministério do Trabalho já tinham a impressão de que algo estranho acontecia na Iracema. “O silêncio dos trabalhadores no momento da fiscalização é algo normal, mas nos corredores a gente sentiu um clima um pouco árido, um pouco pesado, um pouco diferente do que a gente encontrava normalmente nas empresas”, disse à Repórter Brasil um dos auditores fiscais.

Padaria tem como sócia uma moradora de Sergipe que recebe Bolsa Família

No total, a fiscalização gerou 14 autos de infração por violações trabalhistas. Para os auditores, isso demonstra um “diagnóstico de condições graves”.

Os documentos obtidos pela Repórter Brasil são referentes a dois CNPJs vinculados à padaria: Iracema da Angélica Pães e Doces Ltda. e Confeitaria e Rotisseria Iracema Ltda.

Desde 2023, ambas têm como sócia Maria Edenize Gomes, moradora de Santo Amaro de Brotas, em Sergipe. O município tem pouco mais de 11 mil habitantes, segundo o Censo de 2022. A mulher é vizinha de outra pessoa já apontada em operações anteriores como agente de ocultação de bens do PCC. Para os investigadores da Operação Carbono Oculto, Maria é uma possível “laranja”.

Também em 2023, o empresário Tharek Majide Bannout, um dos principais alvos da operação e dono de várias empresas de combustíveis ligadas ao PCC, segundo o MP, abriu um CNPJ no mesmo endereço da padaria, com nome semelhante ao do estabelecimento: Nova Iracema Pães e Doces Ltda.

Em consulta ao Portal da Transparência do governo federal, a Repórter Brasil identificou pelo número do CPF de Maria Edenize Gomes benefícios sociais atrelados ao seu nome, como Bolsa Família (desde 2013), Auxílio Brasil (2021-2023) e Auxílio Emergencial (2020-2021).

Para os investigadores, o perfil de Maria Edenize Gomes é incompatível com o de uma sócia de um empreendimento com cerca de 160 funcionários. Seu nome aparece também ligado a outras empresas. A reportagem tentou contato com Maria Edenize Gomes , mas até a publicação desta matéria ela não havia sido localizada.

A Repórter Brasil apurou com fontes do MTE e do MPSP que o fato de a fiscalização trabalhista e a investigação criminal terem ocorrido no mesmo ano foi uma coincidência.

A abertura de vários CNPJs dificulta a fiscalização, tanto para o MPSP quanto para os auditores. “Ficaria um rastro de débitos trabalhistas, que não poderiam ser cobrados nunca, à medida que eles fossem desativando os CNPJs”, explicou um auditor.

A estimativa é de que a padaria terá de pagar cerca de R$ 200 mil em encargos trabalhistas, somando os débitos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e multas em relação aos dois CNPJs alvo da fiscalização.

Em um dos casos, já houve uma condenação em âmbito administrativo no dia 20 de maio referente a um dos CNPJs, já que a padaria não apresentou defesa. O estabelecimento deixou de entregar documentos pedidos pela Superintendência Regional do Trabalho e não regularizou o pagamento de FGTS e rescisões.

A reportagem verificou que os demais processos administrativos, abertos para cada um dos 14 autos de infração, estão em andamento na Secretaria de Inspeção do Trabalho.

A Repórter Brasil procurou a padaria por número de WhatsApp, mas o funcionário que respondeu a mensagem disse não saber quem poderia representá-la.

Alta rotatividade de funcionários chamou atenção de auditores fiscais

De acordo com um dos autos, a padaria apresentava grande rotatividade de funcionários.Entre janeiro de 2023 e maio de 2025, ocorreram 292 demissões. A maioria dos dispensados (72%) tinha um ano de empresa e foram desligados sem justa causa. As multas rescisórias, no entanto, não chegaram a ser pagas. Para os auditores, esse é um indício de “assédio estrutural”.

No momento das inspeções, a padaria informava ter de 158 a 161 trabalhadores. Pela análise do sistema de pontos eletrônicos, a fiscalização apontou que funcionários estavam fazendo hora extra, acima das duas horas a mais permitidas por lei, sem qualquer justificativa, e sem descanso semanal remunerado. Uma funcionária chegou a trabalhar 12 dias diretos, sem folga.

Os auditores identificaram um homem que trabalhou nove domingos seguidos e uma mulher que atuou por sete sequenciais, entre janeiro e março, o que desrespeita a regra de revezamento de escala quinzenal

No caso de trabalhadoras que eram mães, também foram constatadas irregularidades. Uma funcionária que havia retornado da licença maternidade em dezembro de 2024 não contava com os dois descansos especiais de meia hora durante a jornada para amamentar o filho. O auto de infração informa que não foi constatado local adequado para amamentação nem pagamento de auxílio-creche.

Além disso, os auditores apontam que a padaria não tinha plano de carreira ou de cargos e salários que fosse transparente e com informações objetivas, já que havia diferença de remuneração entre pessoas que atuavam na mesma função. Em entrevistas por meio de formulário eletrônico e anônimo, a maioria dos empregados respondeu que não sabia como funcionava a escalação dos cargos nem os critérios de promoção.

Os autos mostram ainda que não havia comissão interna para prevenir acidentes de trabalhos, nem campanhas para combater o assédio sexual e outras formas de violência.

Apesar dos problemas, a fiscalização não chegou a interditar a padaria. Durante as visitas, não verificou situação de grave e iminente risco aos funcionários.

Repórter Brasil procurou o Ministério Público do Trabalho para saber se alguma ação foi impetrada em relação às infrações, mas não houve retorno.Continua após a publicidade

Também pedimos entrevista ao MPSP, mas a assessoria do órgão disse que os promotores responsáveis pela Operação Carbono Oculto não estão dando entrevistas, já que o processo corre sob segredo de justiça.

Fonte: Repórter Brasil no UOL