Artigos de menuUltimas notícias

Brasil tem mais de 1,6 milhão de crianças e adolescentes vítimas do trabalho infantil ilegal

Houve queda nos piores tipos de exploração, mas informalidade, desigualdade e o abandono escolar ainda são desafios

O Brasil tem mais de 1,6 milhão de pessoas com idades entre 5 e 17 anos vítimas de trabalho infantil em 2024. Os dados foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira (19). O número total de crianças e adolescentes nessa condição no ano passado representa 4,3% de toda a população dessa faixa etária.

Em relação aos dados de 2023, o ano passado teve um acréscimo de 34 mil jovens em situação ilegal de trabalho. O que representa uma variação de 2,1%. No entanto, o IBGE alerta que o movimento não pode ser visto como uma tendência de ampliação, já que há queda no longo prazo. Desde 2016, houve redução acumulada de aproximadamente 21,4% no número de pessoas de 5 a 17 trabalhando em situação irregular.

O levantamento relativo a 2024 mostra redução do número de crianças e adolescentes em ocupações listadas entre as Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP). Essas atividades representam risco iminente à saúde, segurança e moral dos jovens e, no ano passado, atingiram o menor patamar da série histórica.

O total de adolescentes entre 16 e 17 anos em situação de informalidade também diminuiu e chegou ao menor resultado já registrado. Pela lei, jovens com essas idades não podem trabalhar sem carteira assinada. Em 2024, 756 mil adolescentes estavam em ocupações informais, quase 70% do total. Uma parte importante desse grupo atuava no trabalho doméstico.

O perfil das vítimas

Mesmo com as tendências positivas, os números do IBGE não deixam dúvidas que o trabalho infantil no Brasil tem cor e gênero e perpetua desigualdades estruturais. A análise do perfil das vítimas revela um cenário que penaliza meninos negros e pardos e reforça um ciclo de vulnerabilidade.

O trabalho infantil é um universo predominantemente masculino. Do total de 1,65 milhão de crianças e adolescentes explorados, 66% são meninos. Mas a disparidade de gênero é observada no rendimento. As meninas ganhavam, em média, 75% do que os rapazes para exercer atividades igualmente precarizadas.

Em 2024, o salário médio de um menino em situação de trabalho infantil era de R$ 924, enquanto o de uma menina era R$ 693. A insegurança econômica dessas atividades é praticamente regra. O rendimento mensal real das vítimas de trabalho infantil registrado no ano passado foi de R$ 845. Já as crianças e jovens submetidos às piores formas de trabalho (Lista TIP) recebiam, em média, R$ 789.

A desigualdade racial também é um fator estrutural. Enquanto a população branca representa 39,4% do total de jovens de 5 a 17 anos, ela corresponde a 32,8% dos que estão em trabalho infantil. Em contrapartida, pretos e pardos, que são 59,7% da população total nessa faixa etária, compõem 66,2% da mão de obra explorada.

Também nesse caso, a desigualdade se reflete nos ganhos financeiros. O rendimento médio de um trabalhador infantil branco era de R$ 943, valor 20% superior aos R$ 789 recebidos por jovens pretos e pardos.

Os dados do IBGE mostram que a natureza do trabalho varia de acordo com a idade. Entre as crianças de 5 a 13 anos, a maioria (70,3%) estava em atividades para o próprio consumo, como agricultura de subsistência. O cenário muda para os adolescentes de 14 e 15 anos, em que 74,4% já realizavam atividades econômicas. No grupo de 16 e 17 anos, esse percentual sobe para 89,0%.

Quase metade das vítimas do trabalho infantil se concentrava em dois setores principais, o comércio (30,2%) e a agropecuária (19,2%). Os serviços domésticos aparecem em seguida (7,1%). A atividade agrícola é mais comum para as crianças mais novas (38,5% das crianças de 5 a 13 anos), enquanto o comércio predomina entre adolescentes (32,4% de adolescentes entre 16 e 17 anos).

A jornada de trabalho também apresentou variações de acordo com a faixa etária. No grupo de 5 a 13 anos, 87,5% das pessoas em situação de trabalho infantil realizavam atividades por até 14 horas na semana. Entre os 14 e 15 anos, 41,4% trabalhavam até 14 horas, e 29,0% entre 15 a 24 horas. Já no segmento de 16 e 17 anos, 22,2% trabalhavam até 14 horas, enquanto 30,3% cumpriam 40 ou mais horas por semana.

Educação interrompida

A pesquisa do IBGE alerta que o trabalho infantil representa um obstáculo explícito para escolarização. Enquanto 97,5% da população geral de 5 a 17 anos frequenta a escola, esse percentual cai para 88,8% entre as crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil.

Essa também é uma disparidade que se agrava com a idade. No grupo de 5 a 13 anos, a frequência escolar é quase universal, mas na adolescência o abismo aparece. Entre os jovens de 16 e 17 anos, 90,5% da população geral frequentava a escola, entre os que estavam em condição de trabalho infantil o índice cai para 81,8%.

A pobreza é um motor do trabalho infantil. Em 2024, 717 mil crianças e adolescentes em trabalho infantil (43,5% do total) viviam em domicílios beneficiários do Programa Bolsa Família. Este percentual é superior à participação de beneficiários do programa no total da população de 5 a 17 anos (36,3%), o que reforça a conexão entre vulnerabilidade social e exploração.

Ainda assim, o programa de transferência de renda demonstra impacto favorável na mitigação do trabalho infantil. A diferença percentual na incidência de trabalho infantil entre crianças e adolescentes residentes em domicílios beneficiados pelo programa e o total da população na mesma faixa etária reduziu de 2,1 para 0,9 ponto percentual em 2024.

Esse movimento de redução sugere uma aproximação entre os grupos e sinaliza maior proteção para os beneficiários do programa. Apesar desse avanço, a atividade agrícola ainda se destaca como uma das mais exercidas por crianças e adolescentes de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família (30,3%), um percentual superior ao observado para o total de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil (19,2%).

Além do trabalho remunerado, a pesquisa identificou um universo de 20,5 milhões de crianças e adolescentes que realizavam afazeres domésticos ou cuidavam de outras pessoas. Nesse tipo de atividade, a desigualdade de gênero se manifesta fortemente. A participação em afazeres domésticos e cuidados é maior entre as meninas (58,2%) do que entre os meninos (50,2%). Os adolescentes de 14 a 17 anos são os que mais acumulam essas tarefas, com taxas de 73,7% e 74,4%, respectivamente.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho infantil é toda atividade perigosa e prejudicial à saúde, ao desenvolvimento e à escolarização. Para chegar aos dados, o IBGE utilizou um algoritmo que analisa a faixa etária, o tipo de atividade econômica, o número de horas trabalhadas, a frequência escolar e a exposição a trabalhos perigosos ou informais.

A pesquisa foi desenvolvida com a OIT, o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e o Unicef.

Fonte: Brasil de Fato