TRT-3 vê discriminação em dispensa de autista que pediu adaptações
Ele foi dispensado sem justa causa um mês após apresentar laudo médico com recomendações de inclusão.
Um trabalhador autista foi dispensado sem justa causa um mês após apresentar laudo médico com recomendações de inclusão. A Justiça do Trabalho reconheceu a dispensa como discriminatória. Na 31ª vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, a juíza do Trabalho Haydée Priscila Pinto Coelho de Sant’Ana condenou a empresa ao pagamento de R$ 25 mil por danos morais. Em grau de recurso, a 2ª turma do TRT da 3ª região manteve a condenação, mas reduziu o valor para R$ 10 mil, considerando essa quantia mais compatível com a gravidade do caso e a capacidade econômica da empresa.
O trabalhador, elogiado por colegas e utilizado em campanhas internas como símbolo de diversidade, apresentou laudo médico recomendando adaptações simples: espaço de trabalho mais calmo, iluminação suave, cores neutras, fones de ouvido para reduzir ruídos, softwares de produtividade, cadeira ergonômica adequada, pausas regulares em local tranquilo e acompanhamento de mentor para facilitar a interação social. Segundo a magistrada de 1º grau, eram medidas de baixa complexidade, necessárias para garantir bem-estar e produtividade.
A empresa providenciou apenas ajustes isolados, como a troca da cadeira e fornecimento de suporte para notebook, além de oferecer trabalho remoto, alternativa não solicitada pelo empregado nem indicada pelo médico. Pouco depois, o trabalhador foi dispensado sob alegação de reestruturação organizacional, sem provas concretas desse processo.
Testemunha do setor de RH confirmou que o laudo médico foi encaminhado à medicina do trabalho, mas não resultou em providências. Relatou também que a dispensa ocorreu sem análise do setor jurídico. A juíza destacou a omissão da empresa, inclusive nas respostas automáticas enviadas ao trabalhador quando ele buscou esclarecimentos sobre sua demissão.
O psiquiatra responsável pelo laudo explicou que o TEA – Transtorno do Espectro Autista pode afetar a interação social, a comunicação e o comportamento, reforçando a importância de ajustes no ambiente de trabalho. O trabalhador havia ressaltado, em depoimento para campanha interna de inclusão, o papel fundamental do convívio com colegas no desenvolvimento de suas habilidades sociais. Para a magistrada, a oferta de home office, desconectada das recomendações médicas, configurou exclusão sutil.
Em outra fala, ele destacou a dificuldade de reconhecimento do nível 1 do espectro, mencionando o alto índice de desemprego entre autistas e os preconceitos que ainda enfrentam.
A juíza citou a lei 12.764/12, que reconhece a pessoa com TEA como pessoa com deficiência, a Constituição Federal, o Estatuto da Pessoa com Deficiência e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Para ela, a recusa de adaptações razoáveis caracteriza ato discriminatório. A decisão também se apoiou na Súmula 443 do TST, que presume discriminatória a dispensa de trabalhadores com condições que envolvem estigma.
Na sentença, a indenização foi fixada em R$ 25 mil. A empresa recorreu para tentar reduzir o valor ou afastar a condenação, enquanto o trabalhador pleiteou majoração. A 2ª turma do TRT-3, sob relatoria da desembargadora Maristela Íris da Silva Malheiros, manteve o reconhecimento de que a dispensa foi discriminatória, mas reduziu a indenização para R$ 10 mil. O colegiado entendeu que esse valor é proporcional à gravidade do caso e às condições da empresa, alinhado a precedentes do Tribunal.
A relatora destacou que o trabalhador ocupava vaga destinada a pessoas com deficiência e que a dispensa ocorreu somente após a solicitação formal de adaptações. Ressaltou também que o autismo, embora não seja doença, ainda sofre forte estigma social, o que torna a dispensa discriminatória quando não há justificativas válidas.
Processo: 0010196-10.2025.5.03.0110
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