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Pró-trabalhador, Edson Fachin assume um STF amplamente pró-empresa

O ministro Edson Fachin assume hoje a presidência do STF (Supremo Tribunal Federal) com a missão de comandar os julgamentos sobre dois dos mais urgentes temas do país: a uberização (o trabalho por aplicativos) e a pejotização (a contratação de profissionais por meio de empresas de uma única pessoa).

Com perfil discreto e técnico, Fachin é daqueles juízes que preferem manifestações sóbrias nos autos a entrevistas bombásticas em jornais.

Em questões trabalhistas, ramo do direito historicamente escanteado pela ampla maioria dos ministros da mais alta corte do Brasil, o novo presidente do STF também tem feito valer seu ponto de vista quase solitário contra o afrouxamento de medidas protetivas — na corte, Flávio Dino tem sido seu único aliado.

Fachin é relator de caso envolvendo a Uber que servirá de referência a todas as ações

No caso do trabalho por aplicativos, Fachin propôs ao plenário do STF em fevereiro do ano passado que um caso sob sua relatoria, envolvendo o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício nos moldes CLT entre a Uber e um motorista, fosse enquadrado na chamada “repercussão geral”.

Em dezembro, o ministro organizou uma audiência pública de dois dias em Brasília para debater o tema, com a presença de representantes de empresas e de trabalhadores, além de estudiosos e autoridades públicas.

Como de costume, Fachin evitou antecipar um juízo de valor e afirmou no término do evento que “o conjunto de dados e evidências, bem como as perguntas e as respostas que foram apresentados, vão trazer muitos subsídios para a nossa decisão final”.

A batida de martelo da corte sobre a ação, que por ordem do presidente do STF começará a ser analisada pelos ministros a partir de quarta-feira (1/10), servirá de orientação a todos os processos em curso na Justiça.

A maioria dos ministros tem se mostrado pouco simpática ao reconhecimento do vínculo empregatício pela CLT entre apps e trabalhadores. O voto de Fachin, relator do caso e presidente do STF, pode atenuar a sensação de “libera-geral”, defendida por ministros como Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes e ansiada por grandes corporações.

Fachin defende competência da Justiça do Trabalho para apurar fraudes em terceirização

É no debate sobre a pejotização que a visão de mundo de Fachin destoa mais claramente dos posicionamentos da maior parte de seus colegas de corte. Há pelo menos dois anos, ministros do STF vêm derrubando em canetadas individuais decisões de magistrados da Justiça do Trabalho que apontavam fraudes em contratos pejotizados e ordenavam o pagamento de direitos, como férias e 13º salário.

Em setembro de 2023, Fachin se manifestou sobre o caso de um médico, contratado como PJ por um hospital, que pleiteava o reconhecimento de vínculo empregatício sob a CLT. Em seu voto, Fachin chamou atenção para dois aspectos.

Primeiro, afirmou que a ação ainda não havia percorrido todas as instâncias da Justiça do Trabalho. Por causa disso, o STF tem sido abarrotado por uma uma avalanche de reclamações de empresas que perdem processos em segundo ou até mesmo em primeiro grau e resolvem “pular etapas”, questionando diretamente o Supremo.

Em segundo lugar, Fachin reafirmou a competência da Justiça do Trabalho para dizer se uma contratação por PJ é uma terceirização lícita ou uma fraude à legislação trabalhista, com base na chamada “primazia da realidade”.

Em outras palavras: é preciso avaliar as provas para cravar se um profissional pejotizado trabalha de fato como um empregado subordinado, sujeito a ordens e horários. E essa tarefa, segundo o presidente do STF, compete aos magistrados trabalhistas.

No voto de setembro de 2023, Fachin acabou derrubando a decisão da Justiça do Trabalho que reconhecia o vínculo empregatício CLT entre o hospital e o médico pejotizado. Mas fez isso em respeito a decisões anteriores de turmas do STF, “ressalvando o seu entendimento pessoal”. Ou seja: apesar de não concordar com o entendimento de seus colegas, o ministro se sentiu no dever de seguir a maioria.

O tema da pejotização está sob relatoria de Gilmar Mendes, o mais vocal crítico no STF sobre o direito do trabalho. O ministro convocou uma audiência pública para 6 de outubro.

A questão é delicada não apenas por envolver uma possível generalização da burla à CLT, mas também por representar um potencial impacto de centenas de bilhões de reais para o caixa da Previdência, já que a pejotização reduz consideravelmente a contribuição para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Sensível à importância dos temas e ciente da incapacidade do Congresso Nacional de legislar sobre esses assuntos, Fachin vai tocar dois julgamentos cruciais para o futuro de mais de 100 milhões de trabalhadores brasileiros.

A fotografia no STF não é das mais animadoras para os defensores da proteção trabalhista. A condução de Fachin será capaz de conter o esfacelamento da CLT e o esvaziamento da Justiça do Trabalho? A resposta será conhecida ao longo de sua gestão.

Fonte: Coluna Carlos Juliano Barros no UOL