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“Lobby do batom”: Constituição de 88 teve participação de 26 mulheres

Bancada feminina ajudou a garantir avanços históricos na igualdade de direitos.

A Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, nasceu em meio ao processo de redemocratização que sucedeu mais de duas décadas de ditadura militar no Brasil. Para redigir o novo pacto social, foi convocada a Assembleia Nacional Constituinte, composta por 559 parlamentares – 487 deputados federais e 72 senadores – eleitos em 1986 com a missão de dar voz às demandas de liberdade, justiça e igualdade da sociedade.

Nesse cenário, um dado inédito marcou a história: naquele ano, 26 mulheres foram eleitas deputadas federais, representando 16 Estados e o Distrito Federal. Embora correspondessem a apenas 5,3% do total de constituintes, foi a maior participação feminina já registrada no parlamento brasileiro até então, em contraste com legislaturas anteriores, em que nunca mais de oito mulheres ocuparam cadeiras na Câmara.

Deputadas brasileiras integrantes do “Lobby do Batom”, aliança suprapartidária formada durante a Assembleia Constituinte de 1987-1988- Imagem: Fernando Bizerra/Arquivo BG Press

A chegada dessas parlamentares ao Congresso Nacional não apenas quebrou barreiras históricas, mas também deu voz a um conjunto de demandas que ecoavam nas ruas, mobilizadas por movimentos sociais e pelo recém-criado Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Foi essa articulação entre sociedade civil e representantes eleitas que permitiu às mulheres marcar presença decisiva na redação de uma Constituição que se tornou símbolo de direitos e cidadania.

Da Carta das Mulheres ao “lobby do batom”

A mobilização das mulheres não começou dentro do Congresso. Desde 1985, com a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, ativistas, associações feministas e organizações da sociedade civil articularam a campanha “Mulher e Constituinte”, cujo ápice foi a entrega da “Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes” ao presidente da Assembleia, Ulysses Guimarães, em março de 1987. 

No ato de entrega, a constituinte Raquel Capiberibe destacou: 

“Nós, que somos a grande maioria de nossa Pátria, não somos fortes somente porque somos a grande maioria. Somos fortes, sim, Companheiras, porque partimos na dianteira com as nossas organizações, reivindicando os nossos direitos, fazendo com que todos reconheçam que a nossa luta não é para superar os homens, mas para que todos reconheçam a nossa igualdade, para que todos reconheçam os nossos direitos, os nossos reclamos. Portanto, constituinte realmente para valer tem que ter a palavra da mulher.”

Leia a Carta das Mulheres

A partir desse movimento, as parlamentares, apesar de suas diferenças ideológicas e partidárias, uniram-se em torno de uma pauta comum. Surgia assim o grupo que acabou chamado de “lobby do batom”, uma aliança suprapartidária que funcionou como elo entre as demandas dos movimentos de mulheres e o texto constitucional.

Quem são elas 

As constituintes vinham de formações profissionais variadas – professoras, jornalistas, advogadas, atrizes, empresárias – e de diferentes partidos, que iam do PMDB ao PCdoB, passando por PFL, PT, PDT, PTB, PSB e PSC. 

Segundo estudo do consultor legislativo do Senado Marcius de Souza, juntas, elas apresentaram 3.321 emendas, 5% em relação ao total apresentado por todos os parlamentares (aproximadamente 62 mil). Destas, 974 foram aprovadas, resultado que supera em relevância a baixa representatividade numérica.

Logo na cerimônia de posse da Assembleia Nacional Constituinte, em 1º de fevereiro de 1987, as deputadas chamaram atenção ao se sentarem juntas e levantarem as mãos unidas, em um gesto simbólico. O registro fotográfico transmitia a imagem de um bloco coeso, disposto a atuar em defesa dos direitos das mulheres e da igualdade entre os sexos. 

Deputadas brasileiras integrantes do “Lobby do Batom”, aliança suprapartidária formada durante a Assembleia Constituinte de 1987-1988.(Imagem: Fernando Bizerra/Arquivo BG Press)
A bancada, porém, não representava a homogeneidade político-ideológica que as fotos da sessão de posse davam a entender, não podendo ser confundida com “bancada feminista”. Segundo Fanny Tabak, em publicação de 1989, as deputadas ocupavam o mesmo espectro ideológico ocupado pela maioria dos constituintes, independentemente do sexo: uma postura moderada e levemente progressista – tendência apontada por alguns autores como uma resposta da classe política às demandas dos eleitores por mudança naquele momento. 

Veja quem eram as mulheres constituintes e suas formações profissionais:

As mulheres constituintes e suas formações profissionais
NomePartidoEstadoFormação Profissional
Abigail FeitosaPMDBBAmédica
Anna Maria RattesPMDBRJadvogada
Benedita da SilvaPTRJauxiliar de enfermagem
Bete MendesPMDBSPatriz
Beth AzizePSBAMadvogada
Cristina TavaresPMDBPEjornalista
Dirce Tutu QuadrosPSCSPpesquisadora
Eunice MichilesPFLAMprofessora
Irma PassoniPTSPprofessora
Lídice da MataPC do BBAeconomista
Lúcia BragaPFLPBassistente social
Lúcia VâniaPMDBGOjornalista
Márcia KubitschekPMDBDFjornalista
Maria de Lourdes AbadiaPFLDFprofessora
Maria LúciaPMDBACprofessora
Marluce PintoPTBRRempresária
Moema São ThiagoPDTCEadvogada
Myriam PortellaPDSPIadvogada
Raquel CândidoPMDBROtécnica em saúde
Raquel CapiberibePMDBAPprofessora
Rita CamataPMDBESjornalista
Rita FurtadoPFLROjornalista
Rose de FreitasPMDBESjornalista
Sadie HauachePFLAMjornalista
Sandra CavalcantiPFLRJprofessora
Wilma MaiaPDSRNprofessora
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Conquistas inscritas na Constituição

Graças à atuação coletiva, cerca de 80% das reivindicações femininas foram incorporadas ao texto final da Constituição.

Entre as principais conquistas estão:

Igualdade jurídica entre homens e mulheres (art. 5º, I).
Licença-maternidade de 120 dias e previsão de licença-paternidade.
Proibição de discriminação por sexo no mercado de trabalho.
Igualdade de direitos e deveres no âmbito da família.
Proteção especial à maternidade e à infância.
Reconhecimento de direitos sociais e reprodutivos, como o planejamento familiar.
Emendas apresentadas também trataram de temas como reforma agrária, combate à violência doméstica, ampliação de creches e garantias às mulheres presidiárias, como o direito de amamentar seus filhos.

Desafios e conquistas

Nem todas as propostas avançaram. Questões ligadas aos direitos sexuais e reprodutivos, em especial a legalização do aborto, enfrentaram forte resistência na Constituinte. Ainda assim, o movimento consolidou um marco: pela primeira vez, a pauta de gênero ganhou espaço institucional na formulação da lei maior do país.

A Constituição de 1988 passou a ser conhecida como “Constituição Cidadã” também por incorporar essa perspectiva, traduzida em conquistas que transformaram a vida das mulheres brasileiras.

Como lembra o consultor legislativo Marcius de Souza, a Constituinte de 1987-1988 foi um “ponto de virada da participação feminina no Parlamento”. Mais do que o número inédito de deputadas, destacou-se a qualidade de suas proposições, que abriram caminho para avanços posteriores.

A presença dessas 26 mulheres na Assembleia representou um divisor de águas: elas romperam barreiras históricas e ajudaram a redesenhar o cenário político em plena redemocratização.

Décadas depois, os frutos desse protagonismo ainda se fazem sentir. A atual legislatura reúne a maior bancada feminina da história, tanto na Câmara quanto no Senado, prova de que a luta iniciada em 1986 permanece ecoando e ampliando o espaço das mulheres no poder.

Referências

Agência Senado. Lobby do Batom: marco histórico no combate a discriminações. Publicado em 06/03/2018.

SOUZA, Marcius F. B. A participação das mulheres na elaboração da Constituição de 1988. In: Princípios e Direitos Fundamentais: A Participação das Mulheres na Elaboração da Constituição de 1988. [Artigo acadêmico].

Fonte: Redação do Migalhas