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Ampliar licença-paternidade é crucial para rotina de mães e saúde de filhos

A licença-paternidade no Brasil segue sendo curta e limitada, com cinco dias corridos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e possibilidade de extensão para 20 dias para empresas participantes do Programa Empresa Cidadã.

Em comparação a países europeus e a modelos de licença parental, em que mães e pais podem compartilhar o afastamento de forma mais igualitária, o Brasil ainda está atrasado.

Essa discrepância reforça a ideia de que o cuidado com os filhos é responsabilidade exclusiva das mulheres, mantendo-as sobrecarregadas e prejudicando sua participação no mercado de trabalho.

O sistema econômico atual se apoia na reprodução social, no cuidado e na manutenção da vida, transferindo esse trabalho às mulheres, sem remuneração. A resistência em ampliar a licença-paternidade mantém esse arranjo, assegurando que as mães continuem sobrecarregadas, explica a advogada Fabiana Larissa Kamada, especialista em políticas sociais e gênero.

Ela reforça que a naturalização da maternidade como destino e a crença no “instinto materno” acabam servindo como justificativa para negar direitos aos pais, reforçando o papel exclusivo das mulheres no cuidado dos filhos.

Divisão sexual do trabalho

A sobrecarga das mulheres não é apenas cultural, é, também, estrutural. A divisão sexual do trabalho, conceito desenvolvido por Helena Hirata e Danièle Kergoat, atribui às mulheres atividades consideradas “naturais”, ligadas ao cuidado e à reprodução — muitas vezes mal-remuneradas ou pouco valorizadas. Já os homens permanecem na esfera produtiva.

Essa lógica se reflete diretamente no mercado de trabalho: mulheres gastam mais tempo com tarefas domésticas e cuidado infantil, muitas vezes optando por trabalhos de meio período ou horários flexíveis para conciliar as responsabilidades.

A pandemia da covid-19 evidenciou ainda mais essa desigualdade. Com o trabalho remoto, mulheres se viram responsáveis simultaneamente pelo cuidado dos filhos, a organização das tarefas domésticas e o trabalho profissional.

“A sobrecarga materna é consequência direta da divisão sexual do trabalho e da lógica do capital, que depende do cuidado gratuito”, aponta Gabriela Nery, advogada dedicada à defesa de mulheres vítimas de violência no meio cultural e especialista em políticas públicas de apoio à maternidade.

Ela ressalta que esse modelo cultural e econômico perpetua estereótipos, colocando mulheres em posições de vulnerabilidade e limitando seu potencial no espaço público e profissional.

Entraves jurídicos para ampliação

Do ponto de vista legal, o Brasil já prevê a licença-paternidade na Constituição Federal (art. 7º, XIX), mas não há regulamentação detalhada sobre prazos ou custeio.

O advogado Francisco Gomes Junior, especialista em direito empresarial, explica que “existem projetos de lei desde 2008 que tentam ampliar a licença-paternidade, variando de 15 a até 75 dias, mas eles ainda não foram aprovados”.

Segundo ele, o principal obstáculo não é jurídico:

A Constituição permite a ampliação, mas a resistência política, o atraso do Congresso e argumentos econômicos sobre custos para empresas atrasam a medida.

O custo para as empresas é um argumento frequente contra a ampliação. No entanto, estudos indicam que, considerando uma licença de 20 dias, o impacto fiscal seria menor que 0,01% da arrecadação federal, enquanto os benefícios sociais e econômicos são significativos.

“O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a omissão do legislativo e estabeleceu prazos para que o Congresso regule a licença-paternidade, abrindo espaço para futuras decisões judiciais”, completa Gomes Junior. Caso a lei seja aprovada, caberá ao Executivo regulamentar a operacionalização do benefício, inclusive definindo o custeio e adaptação de sistemas administrativos.

Benefícios para mães

A ampliação da licença-paternidade pode reduzir a sobrecarga das mulheres, permitindo que elas se dediquem mais plenamente à carreira sem ter prejuízos relacionados à maternidade. “Quando os pais participam ativamente do cuidado, a mulher pode conciliar melhor a vida profissional e familiar, sofrendo menos discriminações e podendo avançar na carreira”, explica Kamada.Continua após a publicidade

O impacto é direto: mulheres que dividem responsabilidades com os parceiros têm maior chance de permanecerem em empregos formais, reduzir afastamentos e evitar prejuízos salariais ou demissões voluntárias.

Em países que adotam modelos de licença parental igualitária, pesquisas mostram que a participação paterna aumenta, as tarefas domésticas são mais equilibradas e o rendimento feminino melhora, ainda que a redução da desigualdade no mercado de trabalho seja gradual.

Além disso, a licença-paternidade mais longa tem efeito simbólico: questiona a naturalização da maternidade como trabalho exclusivo das mulheres e sinaliza que a conciliação entre vida profissional e vida familiar não é responsabilidade apenas feminina.

Desenvolvimento infantil

Do ponto de vista do recém-nascido, a presença paterna nos primeiros meses de vida é crucial. O neurocirurgião pediatra André Ceballos, especialista em desenvolvimento infantil, explica que o vínculo precoce com o pai oferece estímulos táteis, visuais, sonoros e emocionais que favorecem o desenvolvimento cognitivo e socioemocional.

Um ambiente familiar organizado e positivo ajuda a estruturar uma mente segura e curiosa, permitindo uma regulação emocional saudável, afirma.

Estudos demonstram, ainda, que crianças com pais mais presentes apresentam menor incidência de problemas emocionais e melhor adaptação social. Além disso, a participação ativa do pai beneficia práticas como amamentação, rotina de sono e bem-estar geral do recém-nascido, proporcionando um ambiente de baixo estresse para toda a família.

Ceballos reforça que o contato nos primeiros 1000 dias de vida é determinante, influenciando a relação futura entre pai e filho. A licença-paternidade estendida oferece ao pai tempo e oportunidade para criar vínculos afetivos sólidos, enquanto promove o amadurecimento e a adaptação da própria figura paterna às novas responsabilidades.

Como destaca Gabriela Nery, conceder licença-paternidade estendida não garante automaticamente a participação ativa do pai, mas oferece a possibilidade de transformar a convivência familiar em algo mais igualitário. O avanço legislativo é, portanto, um passo concreto na desconstrução de estereótipos de gênero, na promoção da equidade e na valorização do cuidado compartilhado.

Fonte: Universa/UOL