Artigos de menuUltimas notícias

Micropausas no trabalho aumentam produtividade e bem-estar do trabalhador

Pequenos intervalos ao longo do dia reduzem o estresse, protegem o cérebro e podem ser aliados da boa performance, desde que passem a integrar uma cultura de cuidado no trabalho

No miolo do expediente, entre uma reunião que acaba e o e-mail que apita, um relatório entregue e a próxima tarefa que já chega, existe um pequeno espaço de tempo em que cabem um copo d’água, três minutos de caminhada, um alongamento. Esse intervalo não é um buraco na produtividade. É justamente o momento em que o cérebro se reorganiza, o trabalho recupera qualidade e o corpo ganha fôlego para continuar.

O problema é que, para muita gente, esse ínterim quase sempre é atropelado. A agenda emenda uma chamada na outra, as notificações não cessam, as metas se empilham e a sensação é de que só é bem-sucedido quem aguenta tudo, sem reclamar e sem parar. Levantar da cadeira, olhar pela janela ou apenas respirar fundo com intenção ainda são vistos, em várias empresas, ou por muitos trabalhadores, como uma quebra de compromisso com a produção e uma falha com a chamada alta performance.

Os sinais de esgotamento dos trabalhadores, porém, deixam de ser pontuais e crescem na rotina: dificuldade de concentração, lapsos de memória, irritação constante, exaustão mental, dores físicas, noites maldormidas. O corpo acusa o ritmo, a mente falha em tarefas simples e, paradoxalmente, a produtividade que se queria proteger começa a despencar.

Micropausas são pequenos respiros distribuídos ao longo do dia, de um a dez minutos, que ajudam a reduzir o estresse, preservar o foco, aumentar a criatividade e melhorar a qualidade do trabalho

E é aí que entram as micropausas — pequenos respiros distribuídos ao longo do dia, de um a dez minutos, que ajudam a reduzir o estresse, preservar o foco, aumentar a criatividade e melhorar a qualidade do trabalho. Longe de distrações supérfluas, esses intervalos curtos começam a ser vistos por pesquisadores e especialistas em saúde mental como espécie de equipamento de segurança do ambiente profissional, e não como um luxo individual.

Um país exausto

Os números ajudam a dimensionar o tamanho da questão. Em 2024, segundo dados do Ministério da Previdência Social, o Brasil registrou mais de 472 mil afastamentos em razão de transtornos mentais e comportamentais, o maior número desde 2014 e um aumento de 68% em comparação a 2023.

A crise aparece também nos tribunais: só nos quatro primeiros meses de 2025, as ações trabalhistas por burnout cresceram 14,5%, somando um gasto para as empresas de R$ 3,75 bilhões em pedidos de indenização, conforme um levantamento do escritório Trench Rossi Watanabe para a Folha de S.Paulo.

“Durante muito tempo, o bom profissional era aquele que ‘não dava trabalho’, que cumpria ordens e que se mantinha disponível, mesmo às custas da própria saúde. A cultura da resiliência sem limite romantizou o cansaço e associou produtividade à presença contínua”, diz Alexandre Pellaes, doutorando em psicologia organizacional pela USP, professor, pesquisador e especialista em estudos sobre RH, liderança, novos modelos de gestão e futuro do trabalho.

A cultura da resiliência sem limite romantizou o cansaço e associou produtividade à presença contínua

De acordo com ele, hoje vivemos os efeitos disso, com jornadas infinitas, esgotamento emocional e uma incapacidade crescente de nos desconectarmos. “A exaustão virou regra no mundo do trabalho. Burnout, ansiedade e desânimo deixaram de ser casos isolados para se tornarem sintomas de algo maior: um modelo que já não dá conta da complexidade humana.”

Cérebro cansado não entrega bem

Antes de falar de pausa, é preciso um olhar interno, para dentro da nossa cabeça. “O cérebro humano não foi feito para multitarefar nem sustentar um foco contínuo por longos períodos”, explica a ex-executiva de recursos humanos Marina Marzotto Mezzetti, especialista em neurociência aplicada, fundadora da Neuro(efi)ciência, cofundadora e CEO da Normalyze e autora do livro “O Cérebro em Ação” (Editora Conectomus, 2024).

Mezzetti comenta que, quanto mais a pessoa se divide entre uma atividade e outra, ou emenda tarefas, sem parar, e se deixa hiperestimular pela tecnologia, mais perde a qualidade do que está fazendo.

Ela lembra que o esforço em si não é o problema. O risco começa quando ele ultrapassa a capacidade de recuperação cerebral. Sem respiro, o sistema de estresse entra em modo crônico. “O corpo vai dando avisos claros: há dificuldade de focar, irritabilidade, decisões sendo tomadas impulsiva ou lentamente, procrastinação, sensação de estar se arrastando. Se isso vira o novo normal, o cérebro se adapta à sobrecarga como se ela fosse regra, não exceção, pontua.

Do ponto de vista da performance, essa exaustão toda também cobra seu preço. O psicólogo Saulo Velasco, pós-doutor em psicologia comportamental pela USP e head de aprendizagem da The School of Life Brasil, critica como o discurso em torno da alta performance foi importado do universo esportivo para o mundo corporativo.

No esporte, cita, existe treino, recuperação, equilíbrio, cuidado com o sono e a alimentação e um período relativamente curto de carreira — afinal, não é comum parar de trabalhar aos 40 anos, ao ponto que muitos esportistas penduram as chuteiras a partir dessa idade. Ou seja, quando tentamos transpor esse mesmo nível de competição todo dia, o tempo inteiro, em um trabalho que vai durar décadas, a conta não fecha. “Ninguém consegue sustentar um alto nível de performance sob grande estresse”, frisa.

Velasco recorre à lei de Yerkes-Dodson, da psicologia, que mostra como um certo nível de desafio aumenta o desempenho, mas o estresse crônico faz a performance cair. O pico de rendimento não é o ponto de maior esforço, e sim o patamar em que conseguimos manter uma boa entrega de forma contínua.

Deveríamos buscar uma performance ótima, e não uma alta performance total

“Para nos manter no ápice dessa curva, é necessário ter um nível controlável de estresse, de trabalho e de demandas que permitam estar o tempo inteiro entregando o melhor. Além disso, estar com o corpo pleno, com energia, foco, motivação, produtividade. Esse seria o nosso desempenho ótimo. Acho que deveríamos buscar uma performance ótima, e não uma alta performance total”, pondera.

Micropausas: o que são, quanto duram

Na prática, o que são as micropausas? Felipe Sitta, psicólogo ocupacional da Mental Clean e especialista em doenças psicossomáticas pelo Instituto Sedes Sapientiae, ensina que o conceito nasceu ligado à ergonomia física — de adequação dos ambientes às condições ideais de trabalho para o trabalhador —, mas hoje inclui a chamada ergonomia cognitiva. “Não é só o corpo que precisa se recuperar. O cérebro é o órgão que mais gasta energia”, diz.

O psicólogo recorda estudos, inclusive uma revisão feita pela Associação Brasileira de Medicina do Trabalho, que apontam benefícios das pausas curtas para a saúde mental e para o desempenho. “Pausas de até dez minutos, feitas ao longo do expediente, reduzem o estresse percebido no fim do dia e melhoram a performance.” É como recarregar a bateria aos poucos, em vez de esperar zerar.

Para Marina Marzotto Mezzetti, paradas nas tarefas de um a cinco minutos já são suficientes para iniciar uma espécie de “reset” cerebral, ativando o nervo vago, reduzindo a atividade do sistema de estresse, regulando as emoções e reorganizando o foco. “É um reinício neurofisiológico, seja para respirar fundo, tomar um cafezinho. Claro que se a gente conseguir fazer pausas um pouco maiores durante o dia, haverá também um desempenho cognitivo melhor.”

Na rotina, isso significa parar antes de chegar ao limite. Saulo Velasco sugere que o ideal é trabalhar em ciclos de, no máximo, 50 a 60 minutos de concentração e, então, pausar — não quando a produtividade já despencou. “Se a gente só pausa quando está exausto, acaba ensinando o organismo a antecipar cada vez mais esse cansaço, como se estivesse enganando o cérebro. Programar o descanso quando concluímos uma microentrega fortalece foco, motivação e a própria conclusão da tarefa”, afirma.

Sitta recomenda, como regra geral, um intervalo a cada duas horas, ajustando conforme o tipo de trabalho. Funções muito cognitivas, por exemplo, podem se beneficiar de pausas um pouco mais longas, de dez a 15 minutos.

O que fazer na pausa — e o que evitar

Nem toda pausa é igual. E nem toda distração traz descanso. Pesquisas realizadas pela Microsoft, conduzidas com eletroencefalograma em pessoas submetidas a quatro reuniões virtuais seguidas, confirmaram o que muitos sentem: sem intervalo, as ondas cerebrais associadas ao estresse aumentam reunião após reunião. Quando há pausas de dez minutos com uma atividade de relaxamento entre elas, o nível de estresse cai e volta mais estável, permitindo maior engajamento no trabalho.

Qualquer pausa deve ser, de preferência, longe da tela. A tela dá uma ilusão de descanso, mas mantém o cérebro em alerta máximo

Saulo Velasco destaca que o tipo de atividade importa. “Qualquer pausa que você faça deve ser, de preferência, longe da tela. A tela dá uma ilusão de descanso, especialmente as redes sociais, mas mantém o cérebro em alerta máximo. A arquitetura das redes é programada para produzir micro gratificações intermitentes. É como caçar na savana: você não relaxa, fica em estado de vigilância.”

O que entra, então, na lista de boas micropausas do trabalho? Levantar e caminhar alguns minutos pelo escritório, corredor ou quintal; beber água longe do computador, prestando atenção ao gesto; fazer um exercício respiratório, como a respiração em caixa, ou respiração quadrada (inspirar, segurar, expirar e segurar novamente, sempre por quatro segundos); alongar pescoço, ombros, punhos e costas, quebrando o sedentarismo; olhar pela janela, tomar um pouco de luz natural, deixar o olhar se afastar das luzes azuis da tecnologia; lavar o rostoouvir uma música que traga boas emoções, ainda que por poucos minutos; e fazer uma breve meditação ou prática de atenção plena.

O importante, grifa Felipe Sitta, é que a parada faça sentido para a pessoa e não tenha relação direta com a tarefa que estava sendo feita antes. “Responder um e-mail rápido ou tirar uma dúvida de trabalho não é pausa.” Pausa ativa, portanto, é levantar, mudar de ares, ativar o corpo ou se conectar com algo prazeroso. Estímulos que venham do Instagram ou do TikTok deixam o cérebro trabalhando com muita informação e, no fim, o estresse vai cair menos do que em quem caminhou ou respirou fundo.

A empresa também precisa pausar

A micropausa não deve ser tratada como uma questão individual, de cada funcionário porque a maneira como o trabalho é organizado pesa — e muito.

A cultura que mede o rendimento do trabalhador por horas de presença, elucida Alexandre Pellaes, é herança de um modelo industrial e controlador, baseado em vigilância e medo. “Medir produtividade por horas conectadas é como medir a qualidade de um livro pela quantidade de páginas — não faz sentido. O trabalho do futuro exige qualidade de presença, não quantidade de horas”, assegura.

Empresas que estimulam pausas não estão sendo ‘boazinhas’, estão sendo inteligentes porque estão cuidando da sustentação da performance

Micropausas, para ele, tratam-se de uma estratégia de cuidado mútuo: “Elas não são só sobre o bem-estar do indivíduo, mas sobre a saúde da coletividade. Uma pessoa que se permite pausar, ressignificar e retomar com foco contribui com mais presença, criatividade e qualidade”, diz Pallaes. “Ou seja, empresas que estimulam pausas não estão sendo ‘boazinhas’, estão sendo inteligentes porque estão cuidando da sustentação da performance, e não apenas da entrega momentânea.”

Na prática, isso passa por revisar agendas, metas e expectativas. A Microsoft, após observar a fadiga das reuniões em sequência, passou a recomendar que os encontros sejam encurtados de 30 minutos para 25 e de uma hora para 55, criando automaticamente intervalos de cinco a quinze minutos no calendário.

Dentro das empresas, no entanto, ainda há muito estigma em torno do descanso. Felipe Sitta conta que é comum encontrar salas de descompressão vazias porque quem se permite usar o espaço é julgado por colegas e pela chefia. “A liderança precisa entender e comprar a ideia de que pausa não é preguiça”, analisa. Por isso, quando um gestor reclama de que não tem tempo de sentar no pufe para desligar por alguns instantes, passa a mensagem de que cuidar da saúde mental é frescura. “É papel do RH e das lideranças transformar pausa em política e em prática, não em culpa”, reforça.

Pausar, sentir e cuidar é crucial se o líder quiser resultados sustentáveis

Marina Marzotto Mezzetti adverte que a discussão deixou de ser apenas humanitária e passou a ser regulatória e financeira. A atualização da NR-1 (Norma Regulamentadora 1), que trata de segurança e saúde no ambiente de trabalho, tornou obrigatório incluir riscos psicossociais na gestão das empresas, com possibilidade de multa para quem não se adequar. Não é mimimi. Estamos falando de um impacto de quase 5% do PIB em perdas de produtividade e afastamentos, e de uma legislação que responsabiliza empregadores. Pausar, sentir e cuidar é crucial se esse líder quiser resultados sustentáveis”, conclui.

Os líderes, enfatiza Saulo Velasco, têm papel central na criação de segurança psicológica para que as pessoas se sintam autorizadas a fazer micropausas sem julgamentos ou retaliações. “Não basta permitir as pausas. É preciso praticá-las, não glorificar agendas sem respiro e não confundir estar em reunião o tempo inteiro com produtividade. Os colaboradores precisam ver que a liderança também faz isso.”

Fonte: Gama Revista/UOL