Valorização do salário mínimo: análise histórica e econômica da política de aumento do salário mínimo
Como o salário mínimo mudou ao longo dos governos, reflete escolhas políticas e se tornou o centro da luta contra a desigualdade no país
Muito além de um valor de referência para salários e benefícios, o salário mínimo no Brasil é um reflexo direto das escolhas econômicas e sociais feitas ao longo das décadas.
Sua evolução revela embates ideológicos, disputas distributivas e o papel do Estado no enfrentamento da desigualdade.
Ao mesmo tempo, é um termômetro da correlação de forças entre capital e trabalho, refletindo momentos de expansão ou contenção de direitos sociais. Cada reajuste, cada congelamento ou fórmula adotada carrega consigo uma visão específica sobre o que significa justiça social, desenvolvimento econômico e responsabilidade fiscal.
Mais do que um número, o salário mínimo simboliza o pacto social que um país firma com seus trabalhadores. Ele impacta diretamente milhões de brasileiros, especialmente os mais pobres, e influencia desde o consumo das famílias até a arrecadação tributária e os gastos públicos.
Aqui vamos analisar a trajetória histórica da política de valorização do salário mínimo, suas bases legais, seus impactos econômicos e os desafios que ainda persistem para que ele cumpra, de fato, sua função constitucional.
A história do salário mínimo
Criado no Brasil em 1º de maio de 1940 pelo então presidente Getúlio Vargas, o salário mínimo surgiu como uma ferramenta de proteção social para garantir o mínimo existencial ao trabalhador.
Inicialmente, havia diferentes valores por região, o que foi unificado apenas em 1984. Desde então, o salário mínimo tem sido um instrumento central das políticas públicas voltadas à redução da desigualdade social.
Foi durante a ditadura militar que o salário mínimo sofreu uma das mais severas políticas de arrocho salarial com reajustes muito abaixo da inflação real e resultou em uma grande perda de poder de compra dos trabalhadores.
No processo de redemocratização, houve um esforço de recuperação, ainda que lento e marcado por altos e baixos.
Mais de 80 anos depois de sua criação, o salário mínimo permanece como uma das mais importantes ferramentas de política pública no Brasil, tanto para a garantia de dignidade básica quanto como instrumento de estabilização econômica.
Recorte de jornal da época anunciando a sanção da lei do salário mínimo no Brasil. Imagem: Arquivo Nacional
O que caracteriza um salário mínimo
O salário mínimo deve garantir ao trabalhador e à sua família condições dignas de vida: alimentação, moradia, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, conforme o artigo 7º da Constituição Federal de 1988.
Portanto, sua simples correção pela inflação não é suficiente: é preciso que haja aumento real, acima da inflação, para aproximar-se desse patamar dito constitucional.
Segundo o IBGE, o PIB cresceu 3,4 % em 2024 frente a 2023, alcançando o maior avanço desde 2021, impulsionado pelos setores de serviços com aumento de 3,7% e indústria, com aumento de 3,3%.
Esse desempenho reforça o argumento de que o salário mínimo deveria ganhar margem real atrelada à expansão da renda nacional.
Afinal, reajustes que acompanhem o crescimento do PIB permitem resgatar poder de compra, especialmente para as camadas mais vulneráveis, e alinham-se ao mandamento constitucional de promover condições dignas para todos.
A valorização do salário mínimo
A valorização do salário mínimo no Brasil passou a ganhar destaque a partir dos anos 2000, com a adoção de uma política sistemática de reajustes reais durante os governos Lula e Dilma. Essa política combinava a reposição inflacionária com o crescimento do PIB dos dois anos anteriores.
O resultado foi um aumento significativo do poder de compra do salário mínimo e uma expansão da renda nas camadas mais pobres.
Segundo dados do Dieese e do IBGE, entre 2003 e 2016, o salário mínimo teve aumento real de cerca de 77%. Em contraste, o período pós-2016 foi marcado por estagnação e perda do valor real, especialmente nos governos Temer e Bolsonaro, quando o mínimo foi reajustado apenas pela inflação.
Em 2023, com o retorno de Lula à presidência, foi retomada a política de valorização real, prevendo aumentos acima da inflação com base no crescimento do PIB. Inclusive, essa medida foi oficializada pela Lei nº 14.663/2023, sancionada em agosto daquele ano.
O salário mínimo através dos governos
Desde sua criação, o salário mínimo brasileiro tem sido instrumento central de proteção social e equidade.
Embora declarado constitucionalmente como meio de garantir condições dignas de vida, já entendemos pelo contexto histórico que o próprio salário mínimo sempre flutuou refletindo estratégias econômicas e prioridades políticas dos diferentes governos.
- Vargas (1940–1945; 1951–1954): salário mínimo foi criado como medida de proteção social.
- Ditadura Militar (1964-1985): aconteceu o arrocho salarial com perdas significativas no poder de compra.
- Sarney a FHC (1985-2002): por conta das políticas inconsistentes, o salário mínimo ficou estabilizado e sem ganhos reais significativos.
- Lula e Dilma (2003-2016): ocorreu uma forte valorização real, com crescimento acumulado de cerca de 77% durante o período.
- Temer e Bolsonaro (2016-2022): durante o período, a prioridade passou a ser o controle fiscal, e os reajustes do salário mínimo ficaram restritos à reposição da inflação, sem ganhos reais.
- Lula (3º mandato, 2023): em janeiro de 2024, o salário mínimo passou para R$ 1.412, com ganho real de 4,69%. Em 2025, subiu para R$ 1.518, com aumento real de 2,61%, reforçando o compromisso do governo com a recomposição e a valorização do poder de compra.
O salário mínimo e a redução da desigualdade
O aumento real do salário mínimo tem impacto direto na redução das desigualdades sociais e regionais.
Como grande parte da população de baixa renda está concentrada nas regiões Norte e Nordeste, o reajuste do salário mínimo tem efeito redistributivo importante. Além disso, estimula o consumo interno, aquece a economia e contribui para a formalização do mercado de trabalho.
O salário mínimo e a distribuição de renda
Os defensores da valorização apontam que o salário mínimo é a principal fonte de renda para milhões de brasileiros, e que seu aumento impacta diretamente os valores de aposentadorias, pensões e o piso de referência de diversos contratos trabalhistas.
Por outro lado, os críticos argumentam que aumentos acima da produtividade podem gerar distorções, pressão sobre pequenas empresas e sobre os orçamentos públicos, especialmente em tempos de ajuste fiscal.
No entanto, estudos de impacto mostram que, mesmo com possíveis desafios de curto prazo, o aumento real do salário mínimo tende a melhorar a distribuição de renda, aumentar o consumo e estimular a economia em um ciclo virtuoso.
Essa é uma das razões pelas quais o mínimo é considerado uma das políticas públicas mais eficazes no combate à desigualdade no Brasil.
A valorização do salário mínimo é, portanto, uma escolha política com implicações econômicas e sociais profundas.
Mais que um número no holerite, ele representa o compromisso do Estado com a justiça social e o bem-estar da maioria da população brasileira.
Políticas públicas para equidade salarial
A equidade salarial é um dos principais desafios das sociedades desiguais, como o Brasil. Para enfrentar esse problema, diversas políticas públicas têm sido debatidas e implementadas com o objetivo de reduzir disparidades injustificadas no rendimento do trabalho. Vamos conhecer algumas delas:
1. Reforço à legislação trabalhista antidiscriminatória
O fortalecimento da fiscalização e o endurecimento das penalidades para empresas que praticam discriminação salarial por motivo de gênero, raça, etnia ou orientação sexual são pilares fundamentais.
A Lei nº 14.611/2023, por exemplo, estabelece igualdade salarial entre homens e mulheres em funções equivalentes, representam avanços importantes, mas exigem monitoramento efetivo.
2. Transparência salarial nas empresas
A obrigatoriedade de relatórios de remuneração desagregados por gênero e raça permite à sociedade civil e ao Estado identificar e corrigir disparidades. Políticas de transparência promovem ambientes mais justos e pressionam empresas a reverem práticas salariais.
3. Incentivos à contratação e promoção de grupos minorizados
Programas de incentivo fiscal ou financiamento para empresas que promovem equidade na contratação e ascensão de mulheres, pessoas negras, indígenas, trans e pessoas com deficiência são formas de corrigir distorções históricas de acesso ao mercado de trabalho formal e a cargos de liderança.
Conclusão
Essas iniciativas, quando combinadas e bem executadas, não apenas corrigem desigualdades históricas, mas também constroem um mercado de trabalho mais justo, inclusivo e produtivo para toda a sociedade.
A trajetória do salário mínimo no Brasil deixa claro que números carregam escolhas: cada reajuste (ou sua ausência) revela prioridades sobre quem paga a conta da crise e quem participa dos frutos do crescimento.
Quando alinhado ao mandamento constitucional de garantir condições dignas de vida e combinado a políticas que realmente promovam equidade salarial, o salário mínimo transforma-se em motor de inclusão — elevando a renda, estimulando o consumo local, reduzindo desigualdades regionais e reforçando a cidadania econômica.
Mas a disputa não termina no valor do piso.
Ela avança para o campo das políticas complementares: fiscalização antidiscriminatória, transparência salarial, incentivos à inclusão produtiva e proteção às profissões que já são historicamente desvalorizadas.
É nessa convergência de esforços que se constrói um país mais justo, em que o trabalho é valorizado e a dignidade se traduz em oportunidades concretas.
Só um conjunto integrado dessas ações é capaz de produzir mudanças estruturais verdadeiramente duradouras que não se limitem a estatísticas, mas transformem vidas.
Fonte: ICL Notícias