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Clique, tempo e até o que você digita: como empresas fiscalizam home office

Cerca de mil funcionários do Itaú Unibanco foram demitidos na segunda-feira sob a justificativa de baixa produtividade em home office, que pode ser medida por meio da memória do computador, abertura de abas, registro de tarefas no sistema e até quantidade de cliques. Muitas empresas têm aderido às ferramentas, mas alguns funcionários relatam não saber que estão sendo monitorados —apesar da legalidade da fiscalização, empregados devem estar cientes disso.

Como ocorre a fiscalização?

Ferramentas funcionam de forma semelhante ao recurso de ”bem-estar digital” de celulares. Atualmente, os smartphones pessoais oferecem um relatório de tempo gasto em cada aplicativo e quanto de internet ou bateria cada um consome. “A diferença é que, no ambiente corporativo, as análises de produtividade pelos computadores ‘conectam os pontos’ entre diversas ações realizadas para verificar se o colaborador está seguindo o processo esperado”, compara Hiago Kin, especialista em segurança digital.

Os mecanismos mais básicos já são bastante conhecidos, como o Microsoft 365 ou o Google Workspace. Já comuns nas rotinas dos funcionários, com eles, é possível verificar padrões de uso, como participação em reuniões online, criação de documentos e até tempo de conexão. Essas informações são armazenadas em nuvem e compartilhadas com a organização.

Mas existem empresas específicas que prestam serviço de monitoramento. Kickidler, Time Doctor, ActivTrak, TimeCamp, Hubstaff, ClickUp e WebWork Time Tracker são algumas das empresas nacionais e internacionais de monitoramento que ganharam espaço no mercado após a pandemia da covid-19. Elas prometem ‘‘acabar com gastos desnecessários de supervisão”.

Grandes organizações, por sua vez, tendem a desenvolver suas próprias ferramentas para fiscalizar. Kin explica que geralmente elas fazem o monitoramento pelos softwares que já utilizam. Não se sabe, no entanto, quais são os aparatos utilizadas pelo Itaú que levaram à demissão massiva.

Cuidado com o que você digita

Ferramentas mais específicas prometem dados mais detalhados e surpreendentes. O software Kickidler, por exemplo, consegue gravar as teclas digitadas pelos funcionários e mostrá-las em tempo real aos respectivos chefes. Além disso, é capaz de transmitir o que se vê na tela de cada um dos empregados. Já o Time Doctor envia alertas de inatividade por e-mail aos empregadores.

Valores de serviço de monitoramento variam. A empresa americana Hubstaff cobra R$ 135 por mês por cada funcionário da empresa. Caso o Itaú utilizasse esse software —o que não se sabe—, isso custaria quase R$ 13 milhões por mês em monitoramento, já que o banco conta com 96 mil em seu quadro de pessoas.

Essas prestadoras de fiscalização enviam relatórios com análises sobre as atividades. “Chega de se perguntar se suas equipes estão trabalhando. Obtenha provas. E identifique quem precisa de treinamento”, fala a Time Doctor em seu site.

É difícil para o funcionário burlar o monitoramento, diz especialista. “Eles são praticamente invioláveis, porque o colaborador já recebe o dispositivo de trabalho com as configurações de monitoramento pré-instaladas. Para conseguir burlar algo, ele teria que alterar ou danificar o dispositivo, o que dificilmente passaria despercebido”, explica Kin.

Mecanismos já existiam antes da pandemia, mas ganharam força com a difusão do trabalho remoto. Waldo Gomes, especialista em segurança digital, fala que as ferramentas eram praticamente restritas a alguns setores da empresa que envolviam o manuseio de informações sigilosas. Essa realidade mudou com a adoção do home office.

Ferramentas também alertam sobre excessos

Algumas dessas prestadoras defendem que a fiscalização também impõe limites de trabalho. O CEO e cofundador da startup Fhinck, Paulo Castello, conta que o software pode detectar jornada semanal superior a 60 horas, atividade digital acima de 85% do turno de trabalho, tempo gasto com comunicação escrita maior que 20% e reuniões representando mais de 20% do expediente.

Para ele, é possível prevenir situações de burnout por meio da coleta de informações. “Os dados criam uma pontuação que não significa que a pessoa está em burnout, mas separa entre ‘isso é normal’ e ‘isso é anormal’. Quanto mais pontos vai ganhando, maior a tendência de entrar em colapso”, observa o CEO.

Itaú, por exemplo, tem política de desligar computadores para estagiários após horário estabelecido. Ao UOL, um deles, que preferiu não se identificar, relatou que os sistemas ficam inacessíveis após as seis horas diárias de trabalho determinadas no contrato.

Fiscalização é legal, mas até certo ponto

A CLT estabelece que a organização deve controlar os horários de trabalho dos empregados, inclusive à distância. De acordo com especialistas ouvidos pelo UOL, após a pandemia da covid-19, ferramentas de login, a telemetria ou sistemas de acesso passaram a ser comuns para medir o tempo de conexão do funcionário.

Mas funcionários devem estar cientes disso. Sandra Morais, advogada trabalhista, explica que a prática deve estar claramente especificada na política interna da empresa ou no contrato de trabalho. O que ocorre, geralmente, é que ela passa despercebida no momento da assinatura dos documentos, alerta.

Há limites para o monitoramento e câmeras não são permitidas. Ainda de acordo com a advogada, a organização não pode instalar câmeras em equipamentos fornecidos, acessar microfones, redes sociais ou dispositivos pessoais. “O excesso caracteriza abuso de poder e assédio'”, acrescenta.

Dados coletados pela empresa também devem ser preservados. “A principal condição para que o monitoramento seja permitido é a garantia da LGPD (Lei Geral da Proteção de Dados). Precisa evitar a coleta excessiva de informações que possam ser consideradas invasivas ou desnecessárias”, entende Gomes.

Fonte: TILT/UOL/com informações do Estadão Conteúdo