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Lei do home office não fala sobre ‘software espião’ como do caso Itaú

demissão de mil empregados do Itaú, anunciada na semana passada e justificada por softwares de controle de desempenho instalados nos computadores dos funcionários, evidencia a necessidade de uma regulamentação mais clara sobre o home office no Brasil, assim como já acontece em países da União Europeia. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pela coluna.

“Hoje, nós temos apenas cinco artigos sobre teletrabalho dentro da CLT, criados por uma lei de 2022. Isso é muito pouco para complexidade do tema”, afirma Rafael Foresti, procurador do MPT (Ministério Público do Trabalho). “Na Espanha, as normas não são perfeitas, claro, mas existem mais de 30 artigos sobre trabalho remoto”, compara Foresti, que defendeu um doutorado sobre o assunto na Universidade Complutense de Madri.

Na avaliação de Marcos Aragão Oliveira, professor da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro, as empresas têm o “legítimo interesse” de monitorar trabalhadores para garantir segurança e eficiência. “Agora, elas estão utilizando as ferramentas de forma transparente e da maneira menos invasiva possível?”, questiona.

Oliveira adverte que softwares de telemetria — como Teramind, Time Doctor e xOne — são tecnicamente capazes de ler mensagens de Whatsapp e de ligar a câmera do computador, sem a ciência do funcionário. Alguns programas podem inclusive ser instalados de forma oculta, passando despercebidos pelo usuário. “Se não tiver aviso nenhum, é uma atividade [de monitoramento] ilícita”, crava o professor da PUC-RJ.

A rigor, a falta de uma legislação específica sobre o assunto não impede a responsabilização de empregadores que cometem abusos. A própria CLT já contém regras para limitar o chamado “poder diretivo” de quem contrata, dizem os especialistas.

No entanto, a criação de artigos mais claros sobre o que pode e o que não pode ser feito no home office poderia orientar não só os funcionários, mas também as empresas — sobretudo, as de menor porte que não dispõem de departamentos jurídicos tão bem estruturados.

As regras da CLT que regem o teletrabalho no Brasil foram atualizadas por meio da Lei 14.442, de 2022. As normas, porém, não tratam de questões relevantes: o monitoramento realizado por softwares de telemetria, como no caso do Itaú, sequer é citado.

Outro exemplo é o fornecimento dos equipamentos digitais para teletrabalho. Atualmente, a legislação não deixa claro se a responsabilidade de prover computadores e smartphones cabe aos empregadores.

“Esses artigos estão na contramão do mundo. O que está escrito [na lei] remete a um acordo individual, como se empregado e o empregador pudessem sentar e negociar em paridade“, avalia Rafael Foresti.

Segundo o procurador, a lei espanhola contém diretrizes gerais que garantem a proteção da privacidade e das informações pessoais dos trabalhadores. Em alguns casos, o texto estabelece parâmetros mais detalhados, limitando a coleta de dados de GPS e a gravação de áudio e vídeo no teletrabalho, por exemplo.

No Brasil, os softwares de telemetria afirmam operar de acordo com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que veda o acesso a informações pessoais sensíveis.

Rafael Foresti, no entanto, faz uma ressalva: a LGPD se baseia na ideia de “consentimento” — todo usuário é obrigado a aprovar os termos e condições propostos por uma plataforma digital, sem necessariamente ler de fato o que está escrito.

No caso dos softwares de controle do trabalho remoto, “o dever de informação aumenta”, afirma o procurador. “Quando a gente fala em transparência, é previamente saber quais são as regras, o que vai ser monitorado, quais são os deveres, o que tem que entregar e quais são as consequências, se isso não for feito”, explica Foresti.

Métricas questionáveis podem configurar ‘assédio moral organizacional’

Em geral, as plataformas de telemetria vendem ferramentas para aumentar a produtividade e reduzir custos. Mas, sem a devida regulamentação, o uso indiscriminado desses programas abre margem para o que Marcos Aragão Oliveira chama de “assédio moral organizacional”.

“Você demite quem não aguenta, e quem permanece fica com mais medo e mais pressionado”, diz o professor da PUC-RJ. “Eu desconfio que a empresa talvez economize imediatamente e consiga um boost de produtividade, mas isso em seis meses vai dar em burnout, em perda de talentos e eventualmente em processos trabalhistas”, alerta.

Fabricio Barili, pesquisador do DigiLabour e doutorando em computação digital pela Unisinos, do Rio Grande do Sul, coloca em xeque a própria eficácia das métricas avaliadas pelos softwares de telemetria.

Ele cita como exemplos o número de cliques de mouse ou a velocidade de digitação para a geração de rankings questionáveis. “É possível gerar ranking sobre qualquer coisa. Daí, o foco passa a ser o de remover pessoas do processo de trabalho, e não o de melhorar o processo em si”, finaliza.

Fonte: Coluna Carlos Juliano Barros no UOL