Reajuste do INSS menor que inflação deixa aposentados no vermelho
Com a renda reduzida desde a aposentadoria, Brás Ferreira, 56, tem um exercício mensal: colocar todas as contas na ponta do lápis. Com o controle financeiro rígido, ele tenta fugir do índice de consumidores endividados.
Em setembro, 18,3 milhões de pessoas entre os 50 e os 84 anos ficaram com restrições no CPF devido aos atrasos de contas, aponta o SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito). Ao todo, 62,4 milhões estão com nome sujo.
Ferreira diz que, ao pegar o dinheiro da aposentadoria, projeta as contas do mês e de outros três seguintes. “É assim que vejo a necessidade de apertar o cinto e fazer cortes. Ultimamente, corte é o que eu tenho mais feito.”
Para não extrapolar no cartão de crédito e pegar crédito consignado, ele cortou atividades de lazer como cinema e viagens aos fins de semana.
Segundo ele, os gastos com plano de saúde, remédios, energia e gás estão pesando muito neste ano. Além de cortar as atividades de lazer, também deixou de poupar. “Faço tudo para não sair do orçamento e não ficar devendo nada. Mas preciso rebolar muito para que dê certo.”
Para Angela Nunes, planejadora financeira da Planejar (Associação Brasileira de Planejadores Financeiros), o exercício de colocar o orçamento na ponta do lápis, como feito por Ferreira, é fundamental para deixar as contas nos eixos.
Por não ter casa própria nem um planejamento financeiro elaborado, o metalúrgico aposentado Antonio José dos Santos, 67, tem toda a sua renda da aposentadoria comprometida com o aluguel. Ele vive com a mulher, que é funcionária pública, mas a soma da renda dos dois não permite pagar todas as contas. Segundo o aposentado, contas como cartão de crédito, de luz e de água estão em atraso.
Sem ter de onde tirar dinheiro, Santos tem pego bicos como pintor e consertos em geral para quitar pelo menos as contas essenciais em atraso. “Qualquer dinheiro que entra já ajuda. Vou tentar me virar assim antes de pegar um empréstimo, porque vai comprometer minha renda ainda mais e não vou ter como pagar.”
Antônio José Santos, 66 anos, está endividado e lutando para pagar as contas – Jardiel Carvalho/Folhapress
Tanto para Ferreira quanto para Santos, a maior dificuldade enfrentada pelos aposentados é que a inflação é maior que o reajuste dado aos benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Em 2018, as aposentadorias acima do salário mínimo foram corrigidas em 2,07%. Já a inflação para o idoso está acumulada em 5,15% em 12 meses, segundo o IPC-3i (Índice de Preços ao Consumidor – terceira idade), da FGV.
André Braz, coordenador do IPC, diz que preços monitorados (estabelecidos por contrato ou por órgão público) têm exercido maior pressão no bolso dos brasileiros em geral. Mas, no caso da energia, por exemplo, afeta especialmente os aposentados.
“Como os idosos acabam passando mais tempo em casa, ficam mais reféns disso. E esse é um gasto difícil de abrir mão, então há pouco espaço para substituir por itens mais baratos, como acontece com a alimentação”, afirma.
Gastos com a conta de luz comprometem 3% das rendas dos mais novos, mas chegam a 4,8% no caso dos mais velhos, de acordo com Braz.
Crédito consignado deve ser usado com cuidado. Assim como o aumento do endividamento, a concessão de crédito consignado para aposentados e pensionistas do INSS cresceu. Segundo dados do Banco Central, o volume foi de R$ 125,6 bilhões em agosto deste ano, ante R$ 112,5 bilhões no mesmo mês de 2017, um aumento de 11,7%.
Milton Cavalo, diretor-presidente da Coopernapi (cooperativa de crédito do Sindicato Nacional dos Aposentados), diz que é muito comum que os segurados tomem o crédito consignado —cujas taxas estão entre as mais vantajosas do mercado— para aumentar poder financeiro ou sanar problemas da família. Ele diz, no entanto, que essas medidas devem ser evitadas.
“O crédito consignado não é um complemento de renda. É uma operação financeira que deve ser bem pensada. O ideal é o que o aposentado pesquise bastante para achar uma boa taxa”, diz.
Pela legislação, o crédito consignado pode comprometer até 30% do valor da aposentadoria. Ou seja, caso o segurado receba R$ 3.000 ao mês, até R$ 700 podem ser pegos em parcela de crédito descontado em folha. A taxa máxima é de 2,08% ao mês.
Glória Dias, 53, recorreu ao consignado para acertar as finanças. No meio do ano, pegou um empréstimo para investir em uma empresa de doces e salgados para festas.
“Peguei o consignado de seis meses para conseguir um giro para a empresa. Preferi pagar rápido porque a taxa de juro é menor”, afirma ela, aposentada há três anos e que trabalhou como secretária até 2017.
Na pequena empresa de doces e salgados, ela trabalha com o marido, José Guerra Jr, 57. Além desse crédito, a aposentada também tem outro consignado na aposentadoria. Ela financiou em seis anos os gastos com mão de obra para terminar uma reforma em sua casa.
Segundo Glória, 20% da sua renda está comprometida com o consignado. “Eu tenho que batalhar agora para fazer minha empresa decolar, pagar esses investimentos e conseguir sair das dívidas.”
Para Marcela Kawauti, economista-chefe do SPC Brasil, o risco do consignado é o aposentado se enrolar para pagar as outras contas.
“Muita gente não se planeja e chega à aposentadoria com uma renda menor, mas gastos similares. Aí se compromete com a parcela do consignado e não sobra dinheiro para honrar os outros compromissos.”
Por isso, diz Kawauti, é fundamental que o trabalhador comece desde cedo a construir uma reserva financeira para quando se aposentar.
“Para quem já chegou à terceira idade e está nessa situação, a recomendação é fazer um controle da vida financeira, entender para onde vão os gastos e ver o que pode ser cortado.”
Fonte: Folha de S.Paulo