TST permite a trabalhador ajuizar processo na cidade onde mora
Ao privilegiar o acesso à Justiça, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) abriu um precedente que pode dificultar a defesa das empresas em ações trabalhistas.
Em julgamento realizado na quinta-feira, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), responsável por consolidar a jurisprudência da Justiça do Trabalho, admitiu a apresentação de processo na cidade onde reside atualmente uma trabalhadora.
Com esse entendimento, por maioria de votos, os ministros flexibilizaram o artigo 651 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O dispositivo estabelece que o trabalhador deve entrar com ação no local de prestação de serviços, ainda que tenha sido contratado em outra localidade.
O caso analisado é de uma engenheira (E-RR 11727-90.2015. 5.03.0043). Ela foi contratada pela Agrar Consultoria e Estudos Técnicos para prestar serviços na construção da Usina Belo Monte, em Altamira (PA), de responsabilidade da Norte Energia. Segundo o processo, ao sair da empresa a funcionária mudou-se para Uberlândia (MG), onde entrou com a ação.
A Agrar alegava, porém, que o processo deveria tramitar no Rio de Janeiro, onde mantém sua sede. A companhia encerrou suas atividades em Altamira. A Norte Energia, que também é parte, não se manifestou no processo.
Em 2015, em caso emblemático julgado pelo TST, os ministros já haviam flexibilizado a norma da CLT. Entenderam que seria possível em casos de empresas com abrangência nacional, que não teriam dificuldade para se defender em outros municípios.
O processo agora analisado não envolve uma empresa nacional, mas há uma nova peculiaridade, segundo o relator, ministro Cláudio Brandão: o fato da Agrar não prestar mais serviços em Altamira. Ele entendeu que, como a empresa tem sede na cidade do Rio de Janeiro, seria melhor que o processo corresse em Uberlândia, por ser mais próximo do que Altamira e onde atualmente a trabalhadora reside.
O ministro Renato Lacerda Paiva ressaltou no julgamento que seria o caso de admitir a flexibilização do artigo 651 da CLT em respeito ao princípio constitucional do acesso à Justiça e direito ao contraditório e ampla defesa em favor do empregado, desde que não comprometa o direito à defesa da empresa. “Não posso dizer que há um comprometimento do direito de defesa, uma vez que todas as provas terão que ser feitas em Altamira. Para isso, basta utilizar a carta precatória”, afirmou no julgamento.
Em seu voto, porém, o ministro Caputo Bastos decidiu divergir. Entendeu que, pelo artigo 651 da CLT, a ação deveria tramitar em Altamira, onde houve a prestação de serviços, uma vez que o TST até então só admitiu abrir exceção para casos de empresas com abrangência nacional. Para ele, não haveria respaldo jurídico para instituir como foro o domicílio da empregada. Assim, manteve a decisão da 8ª Turma do TST, que havia aplicado a norma da CLT.
Relator do caso na 8ª Turma, o ministro Márcio Eurico Vitral Amaro seguiu a divergência. Ele considerou que o posicionamento do ministro Cláudio Brandão poderia comprometer a defesa das empresas. “A empregada depois se mudou para Uberlândia. Mas poderia ter se mudado para Honolulu ou para a China. Por isso, é melhor se ater à regra do artigo 651”, disse.
O legislador, acrescentou, foi sábio ao estabelecer a regra, que só poderia ser flexibilizada em casos de empresas nacionais. “Se fosse o Joaquim do armarinho em Altamira, como poderia responder a uma reclamação em Uberlândia? Se fosse uma microempresa, como é que faz? Como fica o acesso à Justiça e o direito de defesa da empresa?”, questionou.
A maioria, contudo, acompanhou o voto do relator, ministro Cláudio Brandão, que determinou a tramitação do processo em Uberlândia, onde reside a engenheira. Ficaram vencidos, além de Caputo Bastos e Márcio Eurico Vitral Amaro, os ministros Maria Cristina Peduzzi e Alberto Bresciani.
Para o advogado trabalhista Daniel Chiode, sócio do escritório Chiode Minicucci Advogados, “com base no princípio constitucional de acesso ao Judiciário, o TST abriu uma exceção perigosa para o direito de defesa das empresas”. Segundo ele, como bem ressaltou o ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, ao privilegiar o acesso ao Judiciário, as empresas poderão não conseguir se defender. “A decisão gera uma situação de instabilidade”, afirma.
O processo, porém, tem algumas particularidades, de acordo com o advogado da engenheira, Willy Falcomer Filho. A empresa, acrescenta, encerrou suas atividades no Pará. “A empregada não teria condições de seguir com o processo se fosse em Altamira”, diz. Para ele, “seria uma decisão temerária se o empregado pudesse escolher o local da ação sem nenhuma justificativa, mas não é o caso”. Procurado pelo Valor, o advogado da Agrar preferiu não se manifestar.
Fonte: Valor Econômico