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Depressão no trabalho: um problema que precisamos encarar do jeito certo

Imagem: Getty Images

Mais um dia de trabalho e 43% dos brasileiros que se preparam para encarar a sua jornada apresentam sintomas depressivos. Não estão exatamente doentes, mas abatidos pelas mais diversas razões que machucam a mente — talvez um conflito em casa, uma perda, uma tristeza qualquer.

Alarmante pra valer, porém, é saber que outros 13% dos trabalhadores do Brasil têm depressão grave. Aí já estamos falando de uma doença das mais sérias que, sem dúvida, consome dinheiro. E que, acima de tudo, pode custar o inestimável: a própria vida.

Os dados são da avaliação de 120.998 funcionários de 35 empresas do país e foram apresentados pelo psiquiatra Wagner Gattaz na abertura do Summit SER, evento com a curadoria, entre outros, do também psiquiatra Táki Cordás, coordenador do Programa de Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e da psicóloga Ana Georgia de Melo Vernes.

No final do mês passado, ao longo de dois dias, especialistas se reuniram no Transamérica Expo Center, na capital paulista, para discutir a saúde emocional no ambiente de trabalho. Wagner Gattaz, no caso — professor titular de Psiquiatra na USP e pesquisador reconhecido internacionalmente —, tem um olhar aguçado sobre esse tema. E não é de hoje.

Ainda em 2015, ele foi convidado a desenvolver um programa de saúde mental para uma grande corporação. “Na ocasião, senti extrema dificuldade para formar uma equipe qualificada. O que era feito nas companhias parecia superficial e não era baseado em evidências”, relembra.

Resolveu, então, criar a Gattaz Health & Results, oferecendo programas com metodologia científica para prevenir, diagnosticar e tratar desordens mentais em trabalhadores. Vem de lá o levantamento que ele mostrou, no qual a depressão se destaca, sendo 30% mais frequente nas mulheres do que nos homens. E nelas, segundo o médico, o quadro tende a ser mais grave.

“O curioso é que a prevalência de depressão é praticamente a mesma se comparamos funcionários com diferentes níveis salariais, os executivos no alto de arranha-céus e os trabalhadores no chão da fábrica”, revela o psiquiatra. Se o dinheiro traz felicidade, como dizem, ele não a entrega no endereço comercial.

A pressão no trabalho pode nivelar todos, emocionalmente, no fundo do poço.

Os prejuízos da depressão
A pandemia de covid-19 aumentou o sofrimento mental das pessoas em todos os cantos. No Brasil, isso ao menos fez com que as empresas passassem a valorizar os cuidados com a saúde emocional dos seus quadros, o que, em países como a Alemanha e os Estados Unidos, começou antes.

“Aqui, até então, as iniciativas mais comuns eram na linha de dar curso de ioga para os colaboradores. E quem estava doente de verdade perdia tempo”, diz Gattaz, que defende a ideia de aplicar, com a ajuda de softwares, questionários validados para fazer depressa um diagnóstico com 97% de precisão em grandes populações, como os milhares de trabalhadores de uma indústria em apenas uma semana, o que seria inviável se fosse necessário entrevistar um por um.

Mas o que mais convence as empresas a aderirem a soluções assim não é a vontade de melhorar o clima nos escritórios ou na fábrica e, sim, a sua
sustentabilidade financeira.

A própria OMS (Organização Mundial da Saúde) calcula: em 2020, as doenças mentais acarretaram em um custo de 3,5 trilhões de dólares. E, do jeito como a humanidade anda sofrida, a projeção é de que isso suba para 6 trilhões em 2030.

Para as organizações, o que dói no bolso é a diminuição da produtividade, que escoa mais 1 trilhão de dólares da economia global. Desse custo, 32% têm a ver com o absenteísmo. Em outra pesquisa que Wagner Gattaz e sua equipe fizeram, acompanhando 9.700 trabalhadores, a depressão foi responsável por 15.300 dias de serviço perdidos no período de 12 meses.

“Apesar disso, o que chamamos de presenteísmo é que foi responsável por 58% da perda de produtividade: a pessoa estava ali, mas não conseguia focar nas tarefas”, explica o médico. “Ora, os distúrbios de concentração e memória fazem parte da doença.”

Os outros 10% da diminuição da produtividade são consequência do turnover.

Em bom português, da troca de funcionários. “É quando quem tem depressão ou outra desordem mental é mandando embora e o novo funcionário demora alguns meses — e salários — até pegar o jeito”, esclarece o psiquiatra.

Impacto extra nos planos de saúde
“Se um indivíduo sofre de depressão e tem diabetes, os gastos com essa segunda doença são 4,5 vezes mais altos do que os de alguém que só tem diabetes”, compara, ainda, o professor. “E a gente vê algo similar nas doenças cardiovasculares.”

Para ele, faz todo o sentido: quem está com depressão não encontra energia para fazer atividade física, que ajudaria no controle da glicemia. Às vezes,
sente um raro prazer na comida, preferindo doces. E, para completar, não tem concentração para usar insulina de maneira adequada. O diabetes, desse jeito, fica descontrolado.

Por essas e por outras, feitas as contas, as empresas finalmente notaram que cuidar da depressão de seus colaboradores — aliás, da saúde da mente deles como um todo — é um bom negócio. “Inclusive, porque tratar corretamente a doença mental é mais barato do que mandar alguém para a rua”, acrescenta Wagner Gattaz.

Conhecer a doença
Estudos apontam que 47% dos indivíduos com depressão sentem algo errado, mas desconhecem que têm essa condição. Em boa parte, por causa do estigma.

“Os próprios médicos, às vezes, evitam encaminhá-los para uma avaliação psiquiátrica, com medo de ofenderem, como se os chamassem de loucos”,
lamenta o professor Gattaz. Por isso, ele acredita que o primeiro passo é informar o time de uma empresa sobre o que é, de fato, a depressão: “Ela é uma doença do metabolismo cerebral. Logo, não é frescura, não é fraqueza, não é tão diferente de ter uma hipertensão. E apresenta uma série de sintomas, não só a famosa tristeza”, ensina.

Falta de energia mental, fraqueza física, dores diversas, incluindo crises de enxaqueca, tensão muscular, diminuição da libido e distúrbios do sono são
apenas alguns desses sintomas. E eles costumam aliviar em poucas semanas quando a depressão é tratada.

Existe tratamento
“Você precisa reagir. Não há motivos para estar assim. Tire férias que passa. Vá para a academia!”— repetem os bem intencionados. Para não receber essa ajuda equivocada, que até provoca sentimento de culpa, a pessoa finge estar bem no trabalho e fora dele também. “Todo esse fingimento esvazia de vez a pouca energia que resta na bateria de alguém deprimido”, descreve o professor.

“Daí, o lugar mais seguro do mundo passa a ser o seu quarto.”

Portanto, quem tem depressão não precisa de conselho — precisa, urgente, de tratamento. Se essa doença não for tratada, ela aumentará em 250 vezes o risco de suicídio. É potencialmente letal. Mas tem remédio.

O problema é que o próprio tratamento é estigmatizado. “A pessoa melhora e três meses depois já chega perguntando quando poderá se livrar dos
medicamentos”, nota Wagner Gattaz. “Isso é tão absurdo quanto seria ouvir o mesmo pedido de alguém com hipertensão após tomar comprimidos e ver sua pressão normalizar.”

A realidade é que um terço dos pacientes com depressão poderá, um dia, abandonar a medicação. O restante precisará de remédio pelo resto da vida para a doença não voltar. E tudo bem.

Nas empresas, a proposta que dá certo, de acordo com estudos feitos no mundo inteiro, é oferecer tratamento aos trabalhadores, não só com medicamentos, mas com dez a doze sessões de terapia cognitiva comportamental, com protocolos específicos.

Isso, claro, também vale para outras desordens, como a ansiedade, que naquele estudo com milhares de trabalhadores apareceu na forma mais grave em 5% deles, que tinham manifestações de fobias e crises de pânico. Bom lembrar que existem pessoas com depressão e transtornos de ansiedade ao mesmo tempo.

E o que protege a nossa mente no trabalho?
O professor Gattaz e sua equipe identificaram dois fatores potentes para contrabalançar o desgaste produzido pela alta demanda no serviço. Um deles é a autonomia. “As lideranças precisam ser treinadas para dar aos funcionários a possibilidade de decidirem o que fazer, como e quando”, resume o professor. Para a mente, isso é um alívio e tanto.

Mas, talvez, o mais importante seja a empresa promover uma rede de suporte. O trabalhador precisa sentir que, se tem um filho usuário de drogas — para repetir o exemplo que o professor Gattaz deu —, ele pode conversar sobre isso com o seu chefe, que ele dará apoio, por exemplo, quando for necessário acompanhar o garoto no médico, encontrando alternativas para a entrega das tarefas. E — fundamental! — oferecendo dois ouvidos interessados.

Quando é assim, todos ganham. Ganham, inclusive, moedas. Mas, se ainda não é o caso do lugar onde você trabalha, coloque uma coisa em mente: depressão é uma doença do cérebro e não, motivo para preconceito. Busque ajuda psiquiátrica, mesmo que fora do expediente.

Fonte: Coluna Lúcia Helena no VivaBem/UOL