Governo Tarcísio pune professores por faltas mesmo com atestado médico
Uma resolução do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) prevê que professores do projeto “Sala de Leitura” das escolas estaduais de São Paulo podem ser punidos mesmo apresentando atestado médico para justificar ausência no trabalho.
A resolução foi publicada em 2024, mas o impacto começou a ser sentido no fim de setembro, com afastamentos de espaços chamados de Salas de Leitura. O UOL ouviu professores e gestores de quatro escolas estaduais, na capital e no interior, que foram afetados pela medida.
Professores recebem cerca de R$ 3.200 pelo trabalho nas Salas de Leitura. Há mais de 3.000 escolas com esses projetos pedagógicos no estado.
A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo diz que segue “aberta ao diálogo com profissionais e representantes legais para avaliar possíveis ajustes e prestar esclarecimentos necessários”. “A presença contínua dos professores na Sala de Leitura é fundamental para garantir a qualidade desse espaço pedagógico, que promove o trabalho interdisciplinar, incentiva a leitura e apoia o currículo escolar”, afirmou em nota, após ser procurada pelo UOL.
É importante esclarecer que, ao contrário das disciplinas eletivas, os projetos pedagógicos não contam com professores substitutos. Por isso, a ausência do docente responsável compromete diretamente a execução do projeto e o atendimento aos alunosSecretaria de Educação, em nota ao UOL
Na prática, a resolução diz que o professor que se ausentar pode perder o trabalho nas Salas de Leitura, com exceções como licença-maternidade. Uma professora do interior de São Paulo apresentou em fevereiro um atestado de sete dias após diagnóstico de covid-19. Ao UOL, ela conta que, na semana passada, viu que estava em uma lista de professores que deveriam ser afastados.
A direção da escola defendeu a professora, mas a Seduc não respondeu, diz ela. Enquanto não tem retorno da secretaria, ela está impedida de lecionar. “É a primeira vez em 17 anos de atuação na rede de ensino que estou fora da sala de aula”, conta ela, cuja identidade será preservada.
A punição aos professores foi informada por e-mail às escolas. No texto, a Seduc cita a resolução do governo e pede uma resposta da gestão escolar se as “providências foram devidamente realizadas”, ou seja, o afastamento dos professores da Sala de Leitura. O UOL teve acesso a alguns desses emails.

Professores afetados
A resolução atinge professores temporários e concursados. O impacto para temporários é imediato: eles só recebem quando trabalham (cerca de R$ 3.200 por 25 horas trabalhadas). Além disso, caso a punição seja mantida, eles perdem o contrato e só podem voltar a lecionar em 2027. O impacto para concursados é o acúmulo de trabalho com a dispensa repentina de outros colegas.
Outra educadora efetiva diz que perdeu Sala de Leitura e assumiu outras turmas. Como concursada, o estado não poderia deixar a professora sem aulas, por isso, ela assumiu duas turmas que estavam sob a responsabilidade de dois professores temporários —eles por sua vez estão sem as aulas. Com a mudança, a professora conta que agora precisa fechar notas e dar continuidade ao trabalho com alunos novos em uma escola na Grande São Paulo.
Entidades não sabem dimensionar quantos professores foram afetados pela resolução até agora. “A impressão é que o governo quer acabar com a Sala de Leitura”, afirma Silvio dos Santos, presidente do CPP (Centro do Professorado Paulista). Segundo ele, o grupo ingressou com uma ação judicial contra a decisão da Seduc.
Professora temporária conta que foi dispensada após apresentar atestado de 2 dias. A educadora, que trabalha na zona leste da capital paulista, conta que passou mal na unidade de ensino e foi direto para o pronto-socorro, em maio. O médico a orientou a ficar dois dias afastada do trabalho.
Na semana passada, ela foi informada de sua dispensa da Sala de Leitura. Ela conta que não ficou sem dar aula porque a direção da escola apresentou uma contestação à diretoria regional. Assim, a educadora conseguiu pegar aulas de atendimento domiciliar para alunos com deficiência.
Professora conseguiu assumir outras aulas, mas em quatro escolas diferentes. A professora temporária Marília Borges, que trabalha no interior de São Paulo, conta que, embora tenha conseguido manter o trabalho, agora gasta mais que o dobro com deslocamento. “Antes, gastava R$ 50 de combustível por semana. Aumentou para R$ 120”, diz.
“Meus alunos da Sala de Leitura foram extremamente prejudicados e o processo de ensino-aprendizagem com esses novos estudantes será mais complexo, pois não temos vínculo”, Marília Borges, professora.
Outras professoras ouvidas pelo UOL também dizem que as mudanças repentinas prejudicam alunos. Uma das professoras contou, por exemplo, que tocava atividades com estudantes do 5º ano que não eram completamente alfabetizados. É esperado que os alunos do 2º ano sejam alfabetizados.
Faltas injustificadas
Em julho, o governo Tarcísio divulgou novas regras para faltas injustificadas de professores. Os temporários que ultrapassarem 5% de faltas injustificadas têm seus contratos encerrados e ficam impedidos de lecionar até o fim do ano letivo.
Já os professores concursados perdem o direito de participar do programa de ensino integral no ano seguinte. As novas regras estão valendo desde agosto. A justificativa do governo é que as faltas geraram um custo de R$ 33,9 milhões aos cofres públicos.
Na época, a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) classificou a medida como autoritária e ineficaz. Em nota, o sindicato disse que o governo estadual prefere continuar culpabilizando os professores “que trabalham em condições extremamente precárias” em vez de investigar e agir sobre as causas das ausências dos professores.