Artigos de menuUltimas notícias

 Novo presidente do TST fecha sala vip de juízes em aeroporto e critica pejotização

Mineiro de Belo Horizonte, Luiz Phillipe Vieira de Mello Filho, novo presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), assume o posto em meio a um contexto desafiador.

Temas sensíveis, como o trabalho por aplicativos (a uberização) e a contratação de profissionais por pessoas jurídicas (a pejotização), estão no centro da agenda do STF (Supremo Tribunal Federal), com potencial para impactar dezenas de milhões de brasileiros e selar o próprio futuro dos direitos trabalhistas no país.

Em entrevista exclusiva à coluna, Vieira de Mello Filho defende uma legislação específica para proteger quem atua em plataformas digitais. “Isso tem que vir do Congresso”, diz. Também alerta para os impactos da pejotização desenfreada. “É uma ruptura do tecido social com graves consequências”, define.

Conhecido pelas críticas a supersalários e penduricalhos recebidos por juízes, o presidente do TST defende regras mais transparentes para a remuneração da categoria, além do fim da aposentadoria compulsória e paga para magistrados punidos por crimes. “Isso é uma excrescência. Tem que acabar”, crava.

Vieira de Mello Filho também anunciou o encerramento do contrato de R$ 1,5 milhão para a reserva de uma “sala vip” no Aeroporto de Brasília, destinada aos ministros do TST. Revelado pela Folha de S. Paulo em agosto, o caso gerou grande repercussão. “Foi uma decisão unânime do tribunal. Considero uma página virada”, afirma.

Confira abaixo a íntegra da entrevista.

O STF deu início ao julgamento sobre a “uberização”. A CLT é suficiente para regulamentar essa relação entre trabalhadores e aplicativos ou é necessária uma nova legislação?

Eu acho fundamental pensarmos em criar uma legislação autônoma para esses trabalhadores. Mas essa realidade tem que ser trabalhada nos termos que a OIT [Organização Internacional do Trabalho] sugere: trabalhadores, empregadores, estado.

Eu estive num ponto de apoio deles. Eu fiquei muito impressionado. A mesa em que eles comiam era sustentada por tijolos e um compensado. As cadeiras em que nós fizemos a reunião tinham sido recolhidas no lixo. Eles estão trabalhando há anos assim. É preciso ter uma regulamentação para proteger esses trabalhadores.

Eu acho que não é o Supremo, com todo o respeito, que deve definir essa legislação. Isso tem que vir do Congresso. Há uma comissão especial coordenada pelo deputado Augusto Coutinho, muito sensibilizado com a temática, e ele está procurando dar andamento.

Outro julgamento que o STF deve enfrentar em breve é sobre a pejotização. Em decisões monocráticas, a maioria dos ministros do Supremo vêm liberando essa modalidade de contratação. Quais são os riscos de uma eventual aprovação da pejotização irrestrita?

O impacto no futuro do país é estrondoso, negativamente. A ideia da distribuição dos custos da Previdência, entre quem toma o trabalho e quem trabalha, você está botando [a obrigação de contribuir] na mão só do trabalhador.

Na pejotização, você tira todos os encargos sociais. Como é que fica o FGTS, que é o responsável pela infraestrutura do país, inclusive por programas como o Minha Casa Minha Vida? Como é que nós vamos formar novos trabalhadores se o Sistema S não vai ter recurso?

Os impactos estão sendo agora demonstrados por diversos órgãos. É uma ruptura do tecido social com graves consequências sociais, políticas e econômicas. Sabe-se lá o que vai acontecer depois disso.

Em ambos os julgamentos, também está em jogo um possível esvaziamento da Justiça do Trabalho, se vingar o entendimento de que uberização e pejotização são relações comerciais (de direito civil), e não trabalhistas. Uma eventual transferência do julgamento desses casos para a Justiça Comum pode colocar em risco a própria existência da CLT?

Nós [a Justiça do Trabalho e a legislação trabalhista] nascemos para proteger relações assimétricas [desiguais], em que pode haver a exploração do trabalho humano.

Se você imagina que eu não vou regular, e vou dizer que é uma relação civil, o que eu posso lembrar é que o Código Civil de 1916 prevê a locação de serviço. Então, nós estamos voltando ao Código de 1916, que ignorava a questão social que surgia na Europa já no século anterior, que levou aos movimentos trabalhistas de forma bem violenta, e que geraram a construção da lei trabalhista. Será que ninguém está lembrando disso?

Como o senhor analisa críticas de parte do empresariado e da classe política sobre um suposto “ativismo” por parte de magistrados trabalhistas? O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, já chegou a declarar que a Justiça do Trabalho sequer deveria existir.

Olha, eu não quero trabalhar nominalmente com ninguém? São visões de mundo. Alguns deles, inclusive, trabalham para o sistema financeiro. Tem muita gente falando, sem dizer realmente a quem serve.

O que eu tento trabalhar é no sentido das pessoas que eu acho que têm que ser protegidas neste país. Eu sou juiz há 38 anos. Eu fui juiz no interior, fui juiz em regiões operárias. Eu vi a vida dessas pessoas. Tem um Brasil que ninguém vê. É muito fácil falar quando eu estou numa posição de absoluto conforto.

Falam para mim assim: “Ah, mas você está escutando muito os sindicatos”. Eu falei: “O outro lado mora no meu prédio”. Não precisa escutar porque ele é meu vizinho, ele vai ao mesmo clube. Tem que escutar quem não tem o acesso. Esta Justiça nasceu para dar acesso a quem trabalha.

O senhor é conhecido por ser uma voz crítica aos chamados “penduricalhos” e aos supersalários do judiciário. Em agosto, o TST foi bastante criticado por fechar um contrato de uma “sala vip” para seus 27 ministros no aeroporto de Brasília, a um custo de R$ 1,5 milhão. Como colocar um freio ao que a opinião pública percebe como privilégios do judiciário?

Esse contrato seguia a esteira de outros contratos dos tribunais superiores. Naquele momento, o tribunal simplesmente estava seguindo o caminho dos outros tribunais. Mas ontem [segunda-feira, 07 de outubro] o tribunal [TST] resolveu rescindir o contrato da sala VIP. Então, para nós, é um assunto encerrado.

Foi uma decisão unânime do tribunal. Foi unânime quando fez e foi unânime agora [no encerramento do contrato]. Nós entendemos que realmente, até pelo desuso, não seria viável. Para nós, não seria necessário. Eu considero uma página virada.

E com relação aos penduricalhos e aos supersalários? O senhor já fez propostas ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para proibir que magistrados recebessem presentes acima de R$ 100 e que juízes fossem remunerados por suas palestras; e para obrigar magistrados a informar variações patrimoniais maiores do que 40%.

Eu me manifestei numa sessão do conselho superior da Justiça do Trabalho nesse sentido. Eu acho que o juiz tem que ganhar razoavelmente bem para exercer com independência a função dele. Mas não há razão de você pensar que você pode entrar numa carreira da magistratura, que é um serviço público, que você presta à sociedade exercendo um braço do poder da república, para ser rico. Não tem espaço para isso.

Eu acho que a gente tem que ter uma remuneração muito bem delimitada pela lei, ou pela Constituição, por uma PEC ou pelo que seja. É preciso ter transparência. Todo mundo recebe dentro daquele quadro que é definido, com situações excepcionais. Por exemplo, gratificações por localidades de difícil acesso e outras questões muito inerentes ao exercício da função.

O recém-divulgado relatório da reforma administrativa, em discussão na Câmara dos Deputados, tem entre as suas propostas o fim da aposentadoria compulsória como forma de punição a juízes e a limitação das férias dos juízes (e de outros servidores do ramo do Direito) a 30 dias, como a maioria dos trabalhadores. Qual é sua opinião?

O fim da aposentadoria compulsória, para quem comete crime e é afastado, é uma providência que já passou da hora. Isso é uma absoluta excrescência. Você está premiando uma pessoa que desrespeitou todo o padrão ético de integridade, de moralidade, de decência, e cometeu um crime.

Hoje nós temos a irredutibilidade, a inamovibilidade e a vitaliciedade a quem é juiz verdadeiro, que é 99,9% do poder judiciário brasileiro. É íntegro e decente, e não pode ser maculado com essas pessoas. Isso tem que acabar.

E sobre a proposta da limitação das férias?

Eu acho que aí tem um pouco de polêmica nesse tema. A nossa sobrecarga é brutal — não que as outras pessoas não tenham. Mas é um trabalho mental muito sério de julgar os seus semelhantes, de acordo com que a legislação assegura tecnicamente. E é necessário um respiro.

Acho que outras coisas não precisam ter. Eu tenho muito medo das consequências dos julgamentos pelo cansaço do juiz. Tem um trabalho do [Daniel] Kahneman, que ganhou o prêmio Nobel [de economia, em 2002], em que ele mostra a maneira como o juiz julga, veja bem, antes e depois do almoço, em processos criminais.

Antes do almoço, ele quase que aprende todo mundo. Depois do almoço, ele começa a soltar. Então, você imagina isso num contexto de cansaço do juiz em que ele começa a fazer aquilo por produção? Meu medo é isso: o que nós fazemos com a matéria-prima que a gente tem?

Fonte: Coluna Carlos Juliano Barros no UOL