Brasil ignora que aposta já é problema para 8,7% da população mundial

O governo federal, via Ministério da Fazenda, antecipou de janeiro de 2024 para outubro a regularização dos sites de apostas no Brasil. Só em agosto os brasileiros enviaram R$ 20,8 bilhões a esses sites em agosto, apontou análise do Banco Central.
Para além do comprometimento da renda, especialistas de saúde mental alertam para o possível alta de problemas de saúde mental, como o vício em apostas. O psiquiatra Rodrigo Machado, do Programa de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, diz que o Brasil não está preparado para o grande aumento de viciados em apostas.
“O mundo está tendo discussões de como diminuir o impacto do adoecimento e a gente está falando aqui em uma contramão, da legalização [das apostas], de abrir a porteira”, Rodrigo Machado, psiquiatra.
O psiquiatra participou do episódio desta semana do Deu Tilt, podcast do UOL para humanos por trás das máquinas, apresentado por Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes.
Para dimensionar o problema em escala global, Machado citou um estudo publicado na The Lancet, uma das principais revistas científicas do mundo. A pesquisa constatou que 8,7% da população mundial já apresentam problemas ou algum sinal de que podem adoecer devido às apostas.
O estudo mostrou ainda que 1,4% da população do mundo é dependente desses jogos.
No Brasil, apesar de existirem sinais, Machado diz que não é possível cravar que há uma epidemia de viciados em apostas. Faltam recursos no país para elaborar estudos aprofundados que poderiam indicar essa condição.
Não é que a gente não queira, enquanto pesquisadores, estudar, é que recebemos várias negativas dos órgão de fomento que financiam e sem pesquisa não sabemos qual o tamanho do buraco.
“É preocupante no Brasil porque a gente não consegue exercer ciência para fazer esses estudos epidemiológicos para entender o cenário no país. O último estudo brasileiro que fala sobre prevalência de quantas pessoas estão adoecidas por conta de jogos de azar é de 2007. A gente nem tinha as bets esportivas ainda“, Rodrigo Machado, psiquiatra.
Mundo virtual e mundo físico
Para o psiquiatra, dá para afirmar, sem dúvida, que a popularidade das apostas explodiu por elas estarem associadas a plataformas tecnológicas, como redes sociais, e terem absorvidos mecanismos de games.
“Antigamente, o que era um jogo de azar? Era aquela imagem de uma pessoa indo no cassino, num bingo ou indo para Las Vegas. Hoje em dia, cada um tem seu cassino na palma da mão com o smartphone”, Rodrigo Machado, psiquiatra.
O psiquiatra explica que a diferença não está no estímulo gerado por jogos no mundo físico e no mundo digital. Ambas oferecem a mesma recorrência de resultado, que disparam no cérebro substâncias associadas à expectativa do prazer.
O que impulsiona as apostas virtuais é a facilidade de acesso, porque os jogadores podem saciar a sede pelo jogo onde quer que estejam, sem o esforço físico de locomoção.
Para Diogo Cortiz, apresentador do podcast, o foco da discussão gira em torno do aspecto financeiro e fiscal e deixa de lado o impacto sobre a saúde.
Para Rodrigo Machado, a saúde deveria ter papel central na regularização das bets, antes mesmo de entrar na questão fiscal.
“A gente tem que entender qual o impacto disso, porque um indivíduo que está adoecido e que precisa de tratamento tem um custo para a sociedade”, Rodrigo Machado, psiquiatra.
A intersecção entre redes sociais, games e jogos de azar é tão poderosa que cria uma nova geração de apostadores. O motivo? “Hoje em dia cada um tem seu cassino online na palma da mão por causa do smartphone“, diz Machado.
Ele defende que influenciadores digitais fossem proibidos de promover apostas online.
Também critica escolas que promovem o uso de smartphones, pois há pouca comprovação de que os aparelhos contribuem com o ensino, mas há muitas evidências que mostram como ele atrapalha as capacidades cognitivas.
Fonte: Tilt/UOL