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Cansaço de professores(as) é um sintoma coletivo: e o que podemos fazer?

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Dia 10 de outubro é a data em que se celebra o Dia Mundial da Saúde Mental.

E dia 15 de outubro é o dia em que celebramos as(os) professoras(es).

Estas duas efemérides se unem em uma dimensão especial do mundo acelerado: a saúde mental dos professores(as).

Este ano, depois de um período lecionando apenas em cursos autorais, voltei para a sala de aula. Celebro esse retorno, pois a docência é uma prática que me realiza muito.

Mas não posso deixar de marcar o que para mim é um sintoma coletivo: nós, professores(as) estamos todos(as) exaustos(as). E às vezes ainda sofremos com a romantização deste cansaço, sendo vistos como guerreiros(as).

Antes, cabem duas ressalvas: a primeira é que sei que cada segmento da educação (infantil, fundamental, médio, superior) tem suas especificidades. Falo de um ponto de vista difícil, de generalizar a categoria.

A segunda é que eu falo sobre direito ao descanso todo domingo por aqui. Se a aceleração é sistêmica, suas consequências são gerais e nos atingem a todos.

Então, o que caracteriza este cansaço docente e que perguntas podemos nos fazer para cuidar de quem educa? Que reflexões precisamos mover para que possamos cumprir aquilo que se deseja de um processo educativo: formar pessoas para ler o mundo e para habitá-lo com consciência.

Primeiro, compartilho alguns dados.

Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis) 2024, divulgada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) no último dia 6 de outubro mostrou que o relato dos professores brasileiros é superior ao dos docentes dos países da OCDE em relação ao estresse sofrido no dia a dia: 21% dizem que o trabalho é muito estressante, enquanto a média da OCDE é 19%. O índice aumentou em 7 pontos percentuais em relação a 2018 no Brasil.

Quanto aos impactos na saúde mental e física, o Brasil supera a média dos demais países pesquisados. Entre os professores brasileiros, 16% dizem que a docência impacta negativamente na saúde mental, enquanto entre os países da OCDE, a média é 10%. Já a saúde física é muito impactada pela profissão de acordo com 12% dos professores brasileiros, enquanto a média da OCDE é 8%.

Uma pesquisa realizada pela CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e divulgada este ano pela Você S/A mostra que mais de 150 mil professores da rede pública brasileira foram afastados de suas funções em 2023 por motivos relacionados à saúde mental.

Por isso afirmo: o esgotamento e o cansaço docentes são sintomas coletivos. E quando pensamos que as saídas para este esgotamento são individuais, responsabilizamos os próprios professores pelo seu cansaço —e também pelo seu (im)possível descanso.

Agora, um palpite: são muitos os fatores que incidem na saúde mental dos professores. Entre eles, está um de fundo, que me interessa: a educação como prática de reflexão vem sendo “amassada” pela lógica neoliberal do mundo acelerado, que valoriza o hiperindividualismo, o consumo, as tecnologias e a produtividade.

A sala de aula deveria ser um ambiente promotor de uma reflexividade e de uma qualidade de relação que não encontraremos em outros ambientes deste mundo. Portanto, é lugar importantíssimo de preservação de um tempo, uma atenção, uma qualidade de relação e escuta que escapam à aceleração e que deveriam ser, por excelência, espaços-tempos de resistência a estas dinâmicas.

Sabemos que não é o que acontece. A educação é pressionada cada vez mais a ceder ao projeto aceleratório. A antecipar etapas, adultizar crianças, apresentar precocemente a cultura da produtividade tóxica e dos empreendedores de si a estudantes, promover o uso de tecnologias como ferramentas que vão “modernizar” ou salvar a educação.

A lógica da produtividade invade a educação e gera um choque de sentidos com uma prática que não deveria estar a serviço deste projeto: mexe nas dinâmicas de tempo da educação e nas condições de trabalho docentes; mexe em um ambiente educativo que silencia diante da violência, que pressiona por resultados, que sobrecarrega professores com jornadas exaustivas.

Deixo então perguntas que considero relevantes, para pensarmos na responsabilização dos professores por questões que são sistêmicas e podem estar reforçando ainda mais as questões de saúde mental dos docentes.

Como vamos promover reflexividade sendo cobrados por resultados?

Como vamos dedicar tempo e atenção plena a estudantes, quando sobrecarregados por tarefas dentro e fora de sala de aula?

Como vamos dedicar paciência e escuta, quando demandados por usar tecnologias e “metodologias” para “engajar” estudantes?

Como vamos contribuir para construir coletivo e senso de pertença e comunidade, quando tendo que lidar com lógicas promotoras de concorrência, competição e hiperindividualismo?

Aproveito para deixar aqui estudos importantes sobre saúde mental nas escolas. Este da revista Stanford Social Innovation Review; este sobre promoção de saúde mental no contexto escolar, do D³e – Dados para um Debate Democrático na Educação, em parceria com a B3 Social e a Fundação José Luiz Setúbal, com autoria de Vládia Jucá, professora do Instituto de Psicologia da UFC (Universidade Federal do Ceará); e este artigo científico, que publiquei há alguns anos analisando as relações entre tecnologias, aceleração da vida e educação.

*Agradeço a Cláudia e Thais, companheiras de prática docente, com quem teci as trocas para a formulação deste texto.

Fonte: Coluna Michelle Prazeres em VivaBem/UOL/com informações da Agência Brasil