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Enem: lições do Nordeste para reduzir o abismo entre ensino público e privado

Imagem: iStock

O abismo entre o desempenho dos estudantes das redes pública e particular é um tema debatido com frequência e calor entre os brasileiros há décadas. Em janeiro deste ano, por exemplo, o presidente Lula afirmou que gasto com educação é investimento para jovem não virar “zumbi nas ruas”.

Ainda assim, dados como os divulgados pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) continuam chamando atenção: dos 60 candidatos que atingiram a nota mil —pontuação máxima possível— na redação do Enem 2023, apenas quatro eram provenientes da rede pública de ensino.

Embora com bons resultados também puxados pela atuação de alunos de escolas particulares, a região Nordeste se destacou e registrou mais de 40% (25) de notas máximas: quatro na Bahia, quatro no Ceará, duas em Pernambuco, seis no Piauí, seis no Rio Grande do Norte e três em Sergipe. E acena com ideias capazes de inspirar melhorias em outros estados.

Incentivo à participação
A Secretaria de Educação do Estado do Ceará criou, em 2012, o projeto Enem Chego Junto Chego Bem para mobilizar e preparar os estudantes do último ano do Ensino Médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) para a prova.

“Além da promoção de ações de ensino, como os laboratórios de redação, e motivação em sala de aula, os alunos são incentivados a obter documentos (RG e CPF) para a inscrição, com isenção da taxa, e recebem transporte para o dia da prova”, conta Ana Gardennya Linard, gerente de políticas educacionais da ONG Todos pela Educação.

Conhecimento sobre a prova
“O resultado apresentado pelo Inep mostra que tanto as escolas quanto os jovens parecem estar mais atentos aos critérios de correção, inclusive porque o INEP democratiza o acesso a essas informações, expondo claramente as competências exigidas e disponibilizando exemplos de redações boas, medianas e fracas”, diz Siane Gois, professora do Departamento de Letras da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

A professora destaca a importância de se investir também, além das exigências da prova, na formação do estudante e fomentar a produção de outros gêneros de redação, como artigo de opinião, requerimento, resumo e correspondências.

Conexão com a temática
“O Enem traz uma visão mais abrangente, de mais compreensão e raciocínio, que os antigos vestibulares, com temas contemporâneos, e escrever bem nesse contexto depende de leitura, contato com a informação e capacidade de condição de expressão”, diz Maria Thereza Marcilio, coordenadora da OSC (organização da sociedade civil) baiana Avante.

Cooperação entre estados e municípios
“Um sistema público de ensino com as dimensões do brasileiro, entre os maiores do mundo em número de alunos, não é uniforme, mas conta com exemplos muito interessantes de municípios que fazem investimento de longo prazo e com estados que cumprem seu papel de coordenação, articulação e financiamento”, diz Maria Thereza.

Ela conta que em Pernambuco, Piauí, e Rio Grande do Norte é possível observar, ao longo dos anos, uma relação positiva entre estado e município no sentido de cooperação e apoio, possibilitando um avanço em qualidade e resultados.

Foco em leitura e escrita
“O exemplo regional mais famoso de desenvolvimento de políticas públicas educacionais é Sobral, no Ceará, que, a partir de uma decisão da liderança política em 1997 e metas focadas, cumpriu, em quatro anos, o objetivo de ninguém sair do segundo ano sem saber ler e escrever. Ao final de dez, todos os alunos do terceiro ao nono ano estavam alfabetizados”, lembra Rafael Machiaverni, diretor geral da Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) Parceiros da Educação.

A abordagem incluía bons materiais, formação de educadores, avaliações constantes dos alunos, intervenções efetivas, acompanhamento próximo da realidade de cada aluno e envolvimento de pais e familiares. “Como resultado, Sobral foi referência em educação no país por muitos anos, e até hoje possui bons índices comparados à média nacional.”

Ensino em período integral
Estudos recentes do Inep mostram que a evasão do Ensino Médio é 23% menor em escolas de tempo integral. Pernambuco foi pioneiro em desenvolver esse modelo no sistema público, em 2002, em parceria com o ICE (Instituto de Corresponsabilidade Educacional).

Hoje mais de 20 estados do país seguem o exemplo. Enquanto estão na escola, os alunos contam com aulas eletivas e clubes que fortalecem seu protagonismo. Têm ainda um tutor responsável por apoiá-lo no desenvolvimento do seu projeto de vida. Os professores, por sua vez, atuam em dedicação exclusiva.

“Foi dessa maneira que Pernambuco chegou ao 1º lugar no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) no Ensino Médio em 2015, e se manteve entre os três melhores do Brasil em 2021, apesar de apresentar um dos menores PIB per capita do país”, diz Rafael Machiaverni.

“Com base no nosso histórico de 20 anos com educação, esse é o formato que gera mais resultados, e temos como meta aplicá-lo na maioria das escolas em que atuamos no estado de São Paulo, onde mais de 2.300 escolas já adotam o modelo”, conclui o diretor da Parceiros da Educação.4

Fonte: Ecoa UOL